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Conseqüências jurídicas
do Bug do Milênio
Como o Código Comercial
de 1850 enfrenta o problema do ano 2000?
Cícero José da Silva
(*)
Colaborador
A sombra
do Bug 2000, o chamado colapso do século, quando os computadores
infalíveis fatalmente falharão, já assusta há
mais de quatro anos a comunidade técnica. Mas, apesar do ruidoso
burburinho que vem dos departamentos de informática, em face da
sombra ameaçadora do Bug, parece que nem todos os responsáveis
pela saúde empresarial já estão suficientemente prevenidos.
De fato, enquanto o pessoal técnico se agita, as cúpulas
empresariais preferem se debruçar sobre questões menos espinhosas
e delegar todo o problema para a esfera da Engenharia.
Cabe enfatizar, porém, que
o Bug é questão estratégica pelos riscos a que ele
submete, não só as aplicações em Cobol ou Assembler
ou as bases de dados em VSAM, ISAM, SAM e todas estas sopas de letrinhas
que costumam aborrecer o diretor da empresa.
Há, por exemplo, problemas
jurídicos à frente e, perdoem a expressão: uns problemas
até bem cabeludos. Ocorre que nossa legislação provém,
em grande medida, de uma sociedade não tecnológica. Do ponto
de vista jurídico, ainda merecem menção o Código
Comercial de 1850, o Código Civil de 1916, o Código Penal
de 1940 e o Código de Processo Penal de 1941. Igualmente desatualizados,
embora bem mais recentes, são o Código de Processo Civil
de 1973 e a reforma da parte geral do Código Penal de 1984.
Responsabilidade – Seja
como for, mesmo no Código Civil podemos encontrar, de forma inequívoca,
o instituto da responsabilidade civil, que poderá ser invocado por
pessoas físicas e jurídicas que se sentirem prejudicadas
por eventuais danos ocasionados pelo Bug. A propósito, o Artigo
159 do Código Civil é claro e objetivo quando reza que "aquele
que, por ação ou omissão voluntária, negligência
ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem,
fica obrigado a reparar o dano" (grifos nossos).
E, não se iludam, notadamente
após o advento da Constituição de 1988, o conceito
de cidadania vem experimentando tal florescimento que a cada dia é
mais recorrente a busca de tutela jurisdicional do Estado por parte de
pessoas ciosas por salvaguardar seus direitos, sobretudo quando o que está
em jogo é a responsabilidade civil de terceiros por dano moral ou
material.
Agora, acrescente-se ao referido
Artigo 159 algumas disposições da moderna Lei 8.078/90 (que
trata das relações entre consumidores e fornecedores de bens
e serviços) e calcule-se o barulho que não fará aquele
comprador que, tendo pago sua prestação em dia, tiver o nome
incluído na lista de maus pagadores, por um desses caprichos do
Bug.
Fazem parte deste diploma legal algumas
inovações que não só facilitam o acesso a órgãos
de proteção ao consumidor, mas promovem a inversão
do ônus da prova. Ouçamos, portanto, o artigo 73 da Lei do
Consumidor, quando este nos acena com pena de detenção ou
multa para aquele que "deixar de corrigir imediatamente informação
sobre consumidor constante de cadastro, banco de dados, fichas e registros
que sabe ou deveria saber ser inexata" (grifos nossos).
Bacen – Já se antecipando
à balbúrdia que acometerá os tribunais, o Banco Central
do Brasil tratou de enquadrar o problema, através da Portaria nº.
3.576 de 30 de setembro de 1997, que criou o Comitê BC 2000. Este,
dentre outras medidas, estabelece a realização de auditorias
nos sistemas de informações das instituições
financeiras, visando a verificação dos ajustes a serem realizados
em função do Bug.
A resolução do Banco
Central de número 2.453, de 8 de dezembro de 1997, obriga as instituições
financeiras a adequarem - até 31 de dezembro de 1998 - os seus sistemas
de informações eletrônicas, visando o correto processamento
das datas posteriores ao ano de 1999.
Posteriormente, por meio da Circular
nº. 2.803, de 4 de fevereiro de 1998, o Bacen veio a estabelecer medidas
complementares, determinando que, no relatório de administração,
fossem relacionados os ajuestes efetuados nos sistemas, o andamento dos
trabalhos, além de determinar que constasse parecer de auditor e
o grau de comprometimento e envolvimento de terceiros, além de outras
providências.
EDI – O atual estágio
das interações comerciais via EDI, Internet ou outras transações
eletrônicas vem, no entanto, trazer novos complicadores, mesmo para
os mais cuidadosos bancos. Afinal, de que adianta arrumar a própria
casa se parte do processamento depende de informações oriundas
de bases de dados de terceiros? E que se pode fazer se estes terceiros
estão entre os muitos que apostam em paliativos como bridging, janelamento
e outras ferramentas pitorescas?
Há, portanto, a necessidade
de muita mobilização. Mas não só esta que agita
perplexos e - não raro isolados - analistas, programadores e gestores
de sistemas corporativos. O Bug trará, efetivamente, prejuízos
de toda a ordem e que se estenderão por todas as esferas da sociedade
se não houver, desde já, uma conciliação de
esforços para que nos antecipemos às múltiplas facetas
do acontecimento. Ironicamente, dir-se-ia, uma coisa, desta vez, parece
certa: o ambiente de tragédia trará, de uma forma ou de outra,
a tão sonhada união dos homens da tecnologia com os homens
do business e, destes dois, com o comum dos homens.
(*) Cícero
José da Silva é advogado, consultor empresarial, especialista
em tecnologia da informação e diretor da Linkware Informática. |