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*Publicado originalmente pelo editor de Novo Milênio no caderno Informática do jornal A Tribuna de Santos, em 24/11/1998.
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 01/10/00 10:43:16
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Conseqüências jurídicas do Bug do Milênio 

Como o Código Comercial de 1850 enfrenta o problema do ano 2000?

Cícero José da Silva (*)
Colaborador

A sombra do Bug 2000, o chamado colapso do século, quando os computadores infalíveis fatalmente falharão, já assusta há mais de quatro anos a comunidade técnica. Mas, apesar do ruidoso burburinho que vem dos departamentos de informática, em face da sombra ameaçadora do Bug, parece que nem todos os responsáveis pela saúde empresarial já estão suficientemente prevenidos. De fato, enquanto o pessoal técnico se agita, as cúpulas empresariais preferem se debruçar sobre questões menos espinhosas e delegar todo o problema para a esfera da Engenharia.

Cabe enfatizar, porém, que o Bug é questão estratégica pelos riscos a que ele submete, não só as aplicações em Cobol ou Assembler ou as bases de dados em VSAM, ISAM, SAM e todas estas sopas de letrinhas que costumam aborrecer o diretor da empresa.

Há, por exemplo, problemas jurídicos à frente e, perdoem a expressão: uns problemas até bem cabeludos. Ocorre que nossa legislação provém, em grande medida, de uma sociedade não tecnológica. Do ponto de vista jurídico, ainda merecem menção o Código Comercial de 1850, o Código Civil de 1916, o Código Penal de 1940 e o Código de Processo Penal de 1941. Igualmente desatualizados, embora bem mais recentes, são o Código de Processo Civil de 1973 e a reforma da parte geral do Código Penal de 1984.

Responsabilidade –  Seja como for, mesmo no Código Civil podemos encontrar, de forma inequívoca, o instituto da responsabilidade civil, que poderá ser invocado por pessoas físicas e jurídicas que se sentirem prejudicadas por eventuais danos ocasionados pelo Bug. A propósito, o Artigo 159 do Código Civil é claro e objetivo quando reza que "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano" (grifos nossos).

E, não se iludam, notadamente após o advento da Constituição de 1988, o conceito de cidadania vem experimentando tal florescimento que a cada dia é mais recorrente a busca de tutela jurisdicional do Estado por parte de pessoas ciosas por salvaguardar seus direitos, sobretudo quando o que está em jogo é a responsabilidade civil de terceiros por dano moral ou material.

Agora, acrescente-se ao referido Artigo 159 algumas disposições da moderna Lei 8.078/90 (que trata das relações entre consumidores e fornecedores de bens e serviços) e calcule-se o barulho que não fará aquele comprador que, tendo pago sua prestação em dia, tiver o nome incluído na lista de maus pagadores, por um desses caprichos do Bug.

Fazem parte deste diploma legal algumas inovações que não só facilitam o acesso a órgãos de proteção ao consumidor, mas promovem a inversão do ônus da prova. Ouçamos, portanto, o artigo 73 da Lei do Consumidor, quando este nos acena com pena de detenção ou multa para aquele que "deixar de corrigir imediatamente informação sobre consumidor constante de cadastro, banco de dados, fichas e registros que sabe ou deveria saber ser inexata" (grifos nossos).

Bacen – Já se antecipando à balbúrdia que acometerá os tribunais, o Banco Central do Brasil tratou de enquadrar o problema, através da Portaria nº. 3.576 de 30 de setembro de 1997, que criou o Comitê BC 2000. Este, dentre outras medidas, estabelece a realização de auditorias nos sistemas de informações das instituições financeiras, visando a verificação dos ajustes a serem realizados em função do Bug.
A resolução do Banco Central de número 2.453, de 8 de dezembro de 1997, obriga as instituições financeiras a adequarem - até 31 de dezembro de 1998 - os seus sistemas de informações eletrônicas, visando o correto processamento das datas posteriores ao ano de 1999.

Posteriormente, por meio da Circular nº. 2.803, de 4 de fevereiro de 1998, o Bacen veio a estabelecer medidas complementares, determinando que, no relatório de administração, fossem relacionados os ajuestes efetuados nos sistemas, o andamento dos trabalhos, além de determinar que constasse parecer de auditor e o grau de comprometimento e envolvimento de terceiros, além de outras providências.

EDI – O atual estágio das interações comerciais via EDI, Internet ou outras transações eletrônicas vem, no entanto, trazer novos complicadores, mesmo para os mais cuidadosos bancos. Afinal, de que adianta arrumar a própria casa se parte do processamento depende de informações oriundas de bases de dados de terceiros? E que se pode fazer se estes terceiros estão entre os muitos que apostam em paliativos como bridging, janelamento e outras ferramentas pitorescas?

Há, portanto, a necessidade de muita mobilização. Mas não só esta que agita perplexos e - não raro isolados - analistas, programadores e gestores de sistemas corporativos. O Bug trará, efetivamente, prejuízos de toda a ordem e que se estenderão por todas as esferas da sociedade se não houver, desde já, uma conciliação de esforços para que nos antecipemos às múltiplas facetas do acontecimento. Ironicamente, dir-se-ia, uma coisa, desta vez, parece certa: o ambiente de tragédia trará, de uma forma ou de outra, a tão sonhada união dos homens da tecnologia com os homens do business e, destes dois, com o comum dos homens.

(*) Cícero José da Silva é advogado, consultor empresarial, especialista em tecnologia da informação e diretor da Linkware Informática.