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Bug do Milênio, do banal ao
catastrófico
Diferente de um terremoto,
o ano 2000 tem data certa para acontecer
Marcelo Schneck de Paula Pessôa
(*)
Colaborador
A Califórnia
está se preparando há muito tempo para enfrentar um fenômeno
geológico muito grave: a ocorrência, a qualquer momento, de
um terremoto de intensidade sem precedentes. As edificações
novas foram construídas para suportar intensa movimentação
da terra e as pessoas estão treinadas para o momento do cataclisma.
É por isso que o chamado Big One não causa tanta expectativa
e não se inclui entre as preocupações rotineiras dos
californianos. A palavra-chave, neste caso, é "planejamento".
O mesmo, porém, não
ocorre com relação a outro grande temor, não de um
Estado ou país, mas de toda a humanidade: o Bug do Milênio,
como é chamada a possível catástrofe dos computadores
na virada de 1999 para 2000. Trata-se de um problema técnico na
utilização de sistemas informatizados de informação,
pois muitos deles representam o ano com dois dígitos e este fato
levaria os computadores à interpretação de 00 como
1900, em vez de 2000. Neste caso, a falta de planejamento está transformando
uma questão banal numa grande polêmica, induzindo empresas
a gastar verdadeiras fortunas e ocupando exagerado espaço na mídia.
Analisando a questão mais
tecnicamente, pode-se realmente chegar a conclusões assustadoras,
como a possibilidade de perda do rumo dos aviões e o desaparecimento
do saldo das contas correntes nos bancos, no início de 2000. Entretanto,
o que está acontecendo de fato é o desvirtuamento de uma
realidade que ocorre dentro da área de informática. Acontece
que ela não está organizada como deveria. Os sistemas não
possuem documentação adequada ou não existe controle
rígido sobre quais sistemas são realmente utilizados pelas
empresas, ou ainda quais alterações foram realizadas desde
sua implantação. Isso, para não citar elementos mais
sofisticados, como análise de risco e plano de contingência.
O trabalho é sempre feito às pressas, havendo pouco tempo
para planejar, documentar, desenvolver e testar.
Data certa – O ano 2000, ao
contrário de um terremoto, tem data certa e bem definida para acontecer,
pelo menos desde a invenção do calendário. Mas quem
já se organizou para a sua chegada? O Banco Central está
obrigando as empresas da área financeira a se movimentarem e até
estabeleceu prazos. No entanto, nada está andando. Há organizações
que preferem ter postura reativa; quando chegar lá, vão decidir
o que fazer. A interconexão dos sistemas é uma das grandes
preocupações, pois é necessário responder a
seguinte questão: como as companhias que possuem sistemas já
convertidos vão se interligar com as empresas que ainda não
realizaram a conversão? De que forma isso deve ser gerenciado?
No Brasil, as quase cinco mil empresas
de software pouco têm demonstrado interesse por essa questão.
Um relatório do Ministério da Ciência e Tecnologia
aponta que, em dezembro de 1997, menos de 50 empresas no País possuíam
algum tipo de sistema de qualidade, como certificação ISO
9000 ou o modelo CMM. Isso significa que menos de 1% das empresas criou
em seus processos de trabalho um sistema de garantia da qualidade.
Enquanto isso, a mídia vai
mostrando reportagens sobre o Bug do Milênio, quanto vai se gastar
e quais os perigos potenciais. São extensas matérias veiculadas
em jornais, revistas, rádios e televisões. Talvez, a versão
seja pior do que o fato em si, pois uma corrida aos bancos terá
efeitos realmente catastróficos, enquanto a simples recuperação
de dados que sumiram da conta corrente pode ser apenas trabalhosa. Na verdade,
a imprensa está apenas reproduzindo a exagerada expectativa dos
que não se programaram adequadamente para enfrentar o problema e
o justo temor dos que podem ser vítimas desta ausência de
planejamento.
O momento é propício
para a reflexão e mudança de atitude das empresas, que, não
encontrando tempo para fazer certo da primeira vez, vão precisar
fazer novamente. Um projeto executado seguindo um plano bem definido, que
possua uma análise de riscos potenciais e um plano de contingência,
muito provavelmente vai se desenvolver sem problemas.
A qualidade do produto de software
depende fortemente do processo que foi utilizado no seu desenvolvimento.
Um sistema organizado, que seguiu uma metodologia sistemática, passou
por verificações nas fases intermediárias e foi testado
e aprovado adequadamente, tem grandes chances de operar sem problemas.
Se tudo fosse feito assim, nada haveria a temer com a chegada do ano 2000,
pelo menos no que diz respeito aos computadores.
(*) Marcelo
Schneck de Paula Pessôa é engenheiro eletrônico, professor
doutor da Poli/USP e diretor de Informática da Fundação
Vanzolini. |