CULTURA
Informática, nosso idioma
e os neologismos
Sambistas brasileiros fazem
X-tudo mas exigem RSVP
"Precisamos
criar corajosamente neologismos vitaminosos capazes de restabelecer o vigor
lingüístico (...). Quem toma uma barca, embarca. (...) Embarcar
num avião é rebaixar o avião à categoria de
barca".
(Professor
Jacinto Dores Nobasso, in Almanhaque 1949, do Barão de Itararé)
Carlos Pimentel Mendes
Editor
Reclama
com razão Eldah M.Gullo Duarte, na Tribuna do Leitor do dia
17 (N.E.: de 9/1998), sobre a nossa dependência
idiomática da língua inglesa, agravada pela Informática.
De fato, hoje parece que tudo tem nome inglês ou adaptado (não
esqueçamos do clássico X-tudo, que na origem significaria
algo como cheese – queijo – e tudo o mais que coubesse no sanduíche).
Recordemos que essa dependência
é muito mais grave, por ser uma auto-imposta dependência cultural.
Não fomos, até pouco tempo atrás, a República
dos Estados Unidos do Brasil? Porém, é mais antiga que isso,
antes da colonização americana tivemos a presença
francesa, até hoje encontrada naquele R.S.V.P. que os convites estampam
(poderia ser mudado para RPF – Responder Por Favor...).
Na verdade, sempre existiu um objetivo
por trás da adoção desses estrangeirismos: há
uma elite social que faz questão de usá-los para se distinguir
do "resto", quase como se fosse um código a que só tivessem
acesso os eleitos que pudessem custear estudos na Europa ou nos Estados
Unidos, servindo assim para humilhar os despossuídos. As classes
menos favorecidas perceberam que num País onde se cultua muito as
aparências - e um sobrenome pode abrir ou fechar portas –, colocar
nos filhos nomes mais complicados (incomuns, com sonoridade estrangeira
ou estrangeiros mesmo) pode criar uma oportunidade para eles se destacarem
na comunidade em que vivem, talvez ascendendo um pouquinho na escala social.
Quanto à "tangália"
africana (SIC: não encontrei nos dicionários, imagino que
seja um neologismo formado com a palavra tanga, de origem quimbunda) –
que deveria ter o mesmo respeito que dedicamos aos europeus, em vez de
ser desprezada por ter culturas diferentes dos padrões que preferimos
–, de há muito está incorporada em nossos dicionários
(a palavra samba, por exemplo, tem registros desde 1890, segundo os etimologistas).
E o computador? – A "penetração
estrangeirista" em nosso Português (tão diferente do original
que talvez devesse ser chamado de Brasileiro) tem de fato ponto forte na
Computação. Já debatemos essa questão ao publicarmos
neste caderno um glossário de Informática. Certas palavras
ganham vida própria, não há como evitar seu uso. Mouse,
por exemplo: quem se dispõe a segurar o rato?
Software é programa,
mas não é aquele programa que algumas pessoas ditas alegres
combinam nas esquinas, à noite. A França, na esteira de um
forte nacionalismo idiomático, conseguiu impor o uso do termo logiciel,
mas os lusófonos não chegaram a encontrar palavra correspondente
suficientemente forte para se impor de per si. Já teclado
é teclado, a despeito do inglês keyboard...
O fato é que muitas tecnologias
chegam ao público tão rápido que não há
tempo para se consolidar uma nomenclatura nacional, e acaba ficando a versão
estrangeira. Agora, por exemplo, está surgindo o verbo customizar,
adaptação brasileira do inglês custom, e que
poderia ser melhor substituído por personalizar (ao gosto do cliente).
E a Internet? – O Inglês
tem uma vantagem que alavanca sua disseminação pelo mundo:
é um idioma de significados mais precisos, menos rico e sonoro que
o nosso, porém mais prático para uso nos negócios,
onde são condenadas as ambigüidades (note o trema, cuja falta
é um velho problema técnico nos jornais, que só agora
começa a ser resolvido com o uso de novos programas de computador).
Cada vez mais, vai ser necessário
o conhecimento de Inglês para quem quiser expandir seus horizontes,
e aproveitar todo o potencial da Internet como fonte inesgotável
de informações. Porém, uma novidade se anuncia lá
no final do túnel: a tradução dos textos para o idioma
do usuário. Comentamos na edição do dia 8 que em certas
páginas Web inglesas o usuário encontra faixas de anúncio
em seu próprio idioma (no nosso caso, o Português). O sistema
reconhece automaticamente em que região do mundo vive o usuário
e exibe o texto no idioma correspondente.
Sistemas de busca como o Altavista
já fazem a tradução de páginas Web para vários
idiomas, inclusive o nosso. Existem programas que o usuário pode
instalar em seu micro, para traduzir qualquer texto a eles submetido. As
ferramentas para navegação pela Internet possuem opção
de fontes de letras para muitos idiomas, como o alfabeto cirílico
usado na Rússia. E o próprio teclado do computador pode ser
encontrado no padrão ABNT, com direito a C-cedilha e tudo. O til
sobre a letra n, tão caro aos povos de habla España,
está presente nos teclados comercializados nesses países.
Os próprios programas de computador
estão sendo traduzidos, quando não lançados primeiro
por aqui para depois serem vertidos para outras línguas (caso da
enciclopédia multimídia Encarta-98, que surgiu primeiro
no Brasil). O padrão DVD, pela primeira vez, abre a oportunidade
para se colocar no mesmo disco um filme com dublagens e legendas em vários
idiomas.
Caminhando – Ainda falta muito
para chegarmos lá. Os computadores precisam ser ainda mais robustos
– apesar de toda a potência agora disponível –, para suportarem
programas que traduzam em tempo real o que o usuário estiver vendo
na tela. Eles até existem, mas nenhum consegue ainda utilizar todas
as sutilezas gramaticais, traduzir o próprio ritmo do idioma (colocando
as palavras na ordem correta em que são empregadas na língua
de destino) e, principalmente, vasculhar todos os sinônimos de uma
palavra ou expressão para adaptá-la ao contexto do que é
traduzido.
A informática pode ser um
dos pontos fortes da penetração dos estrangeirismos. Mas,
ao menos, está fazendo algo para corrigir o problema. A Internet
cria pela primeira vez a condição real para que até
o idioma menos usado no mundo tenha a oportunidade de mostrar – por escrito,
e com os recursos da multimídia – todas as suas características.
São incontáveis, por exemplo, os jornais e as revistas em
basco, catalão, provençal etc. Existem inclusive entidades
que usam essa rede para reunir informações sobre idiomas
ameaçados de extinção, tentando assim preservá-los.
Vale a pena conhecer The Human Languages
Page e Universal
Survey of Languages (USL),
entre outras páginas citadas na edição de 5 de maio
de Informática.
Por tudo isso, leitores como Eldah
não devem desesperar. Continuem sua luta, que é de muita
gente mais, porém na certeza de não estarem representando
o papel de Dom Quixote perante os moinhos movidos a vento... |