RACISMO
Uma questão a divulgar...
ou não
Liberdade de expressão
não elimina a ética e a responsabilidade
Carlos Pimentel Mendes
Editor
Todas as
pessoas devem poder divulgar livremente suas idéias, sem qualquer
tipo de censura ou repressão. É uma das liberdades mais caras
ao ser humano. Não é por acaso que está na base da
Constituição dos Estados Unidos e serviu recentemente para
um juiz defender a inconstitucionalidade do chamado Bill Telecom, no capítulo
que trata do controle sobre materiais colocados na Internet e outros meios
de comunicação.
Concordamos plenamente com essa posição,
mas entendemos que, junto com essa liberdade, devem vir a responsabilidade
e a ética. Não é aceitável que pessoas, grupos
ou entidades se escudem nessa liberdade de expressão para defender
posições ilegítimas, até criminosas. Este é
o ponto delicado de equilíbrio entre a liberdade e a responsabilidade.
Decerto, os nazistas têm, por
princípio, o direito de divulgar suas opiniões. Mas, quando
do seguimento dessas opiniões resultam atos de violência contra
a humanidade, evidentemente há que cercear tais grupos. Da mesma
forma que ao assassino é negado (através de sua prisão)
o direito de ir e vir, pelo mau uso que fez desse direito, é justo
negar ou dificultar a divulgação de doutrinas perniciosas,
e ético que ao menos seja feita a apresentação dos
argumentos contrários, para que o recebedor da informação
tenha meios de analisar os argumentos e perceber as distorções.
Tivemos esse cuidado, por exemplo,
quando apresentamos a ameaça de guerra entre China Continental e
Taiwan, ou a questão de Timor Leste versus Indonésia. Também
foi essa a posição adotada pela Folha de São Paulo
em matéria publicada dia 28 de julho, “Nazistas recrutam na Internet”,
em que na mesma página aparece o artigo “Liga vigia a atividade
dos grupos extremistas”. É assim que agem os veículos sérios
de comunicação.
O perigo - Porém, ao
navegar pela rede, o internauta não vai encontrar juntos os argumentos
pró e contra. As páginas dos nazistas não contêm
vínculos para as da Liga Antidifamação, mas decerto
possuirão dezenas de links para outras páginas nazistas.
Este é o perigo: a pessoa
que “caiu” numa página de doutrina neo-nazista pode ficar navegando
entre todas as páginas nazistas e não buscar os argumentos
contrários, que estarão contidos em outras séries
de páginas. Receberá toda a influência de apenas um
dos lados da questão. Ora, não é por acaso que inúmeras
pessoas estão sendo recrutadas pelos neo-nazistas através
da Internet.
Silogismos - Todo morcego
é mamífero. Todo morcego voa. A vaca é um mamífero.
Então, a vaca voa. Evidentemente, existe algo de errado nesse raciocínio,
pois vaca não voa (a não ser de avião...). Nem todo
mamífero voa, essa preposição é falsa. Dentro
da disciplina escolar Filosofia (que nas nossas escolas geralmente vira
História da Filosofia, pois poucos professores estão preparados
para debater Lógica), pode-se estudar diferentes formas de se construir
um pensamento (os silogismos, por exemplo).
Podemos partir de premissas ou proposições
verdadeiras e chegar a uma conclusão falsa. Podemos partir de premissas
falsas e chegar a um resultado verdadeiro. Podemos partir de uma premissa
falsa e uma verdadeira e chegarmos a uma dedução falsa. Podemos
até, neste último caso, obter uma dedução verdadeira,
por falha no argumento do raciocínio.
Todo ariano é superior. Todo
nazista é ariano. Portanto, todo nazista é superior. Coloque
esses conceitos numa frase, enfeite um pouco aqui, enrole acolá,
use algumas palavras de sentido dúbio, inverta em parte a ordem
dos termos na frase ou use sinônimos das palavras para dificultar
a relação direta entre as premissas (para que um observador
desatento não perceba a falsidade das premissas ou dos argumentos).
Acrescente a citação de algum pensador ou personalidade para
legitimar as afirmações e intimidar a contestação,
e está pronto um sofisma, como o da vaca, só que convincente
porque a falha não está à vista e a inércia
ou falta de tempo para maiores pesquisas faz com que não nos animemos
a investigar o que foi dito e como foi dito.
Cruze alguns sofismas, apóie
um sofisma (ou mesmo um raciocínio correto) na conclusão
do sofisma anterior, trabalhe bastante sobre essa plataforma e em seguida
esconda bem e nunca comente a base falsa de todo o trabalho, e está
pronta uma doutrina apta a obter milhares de seguidores - o bispo Edir
Macedo que o diga...
Hitler já dizia que a mentira
repetida mil vezes se torna verdade e também já foi dito
que verdade é uma mentira ainda não descoberta. Agora mesmo,
apesar dos filmes feitos pelos próprios nazistas na época,
dos depoimentos das vítimas e do próprio Julgamento de Nuremberg,
há quem afirme que nunca houve o genocídio nazista contra
o povo judeu, ou que isso foi um exagero divulgado pelos anti-nazistas
para desacreditar o nazismo.
Mente aberta - Para perceber
como um crime hediondo contra a humanidade pode ser transformado num aparente
benefício ao ser humano - como nas idéias defendidas pelos
neo-nazistas e pela Ku-Klux-Klan, só para citar dois exemplos -,
é preciso ter a mente aberta para buscar opiniões contrárias,
e ler, ler muito, obras dos mais diferentes autores, aprendendo a comparar
argumentos e buscar a verdade ou a mentira que eles escondem.
Daí a preocupação:
o refinamento cultural brasileiro em geral é pequeno, por falta
de acesso às escolas qualificadas (apenas 1% da população
tem nível superior, e mesmo esse nível é questionado).
Mesmo pessoas com mais cultura nem sempre possuem tempo para pesquisar
posições contrárias. Se os internautas não
ligarem realmente o desconfiômetro, o risco de se envolverem com
doutrinas e linhas de pensamento distorcidas é grande.
O perigo não está na
forma de comunicação (a Internet), mas no uso que é
feito dela. E esse uso depende da base cultural que o internauta possuir.
Leia, portanto! Leia muito! E pense! Desconfie do que está lendo,
confira em outras fontes de informação, antes de aceitar
como verdade! |