NOTÍCIAS 2011
Ai que fome!
Mario Persona [*]
Deixe-me adivinhar: em sua lista de promessas para o
novo ano está perder peso, certo? Na minha também. Agora, cada vez que me sento para uma refeição, quase posso ouvir meu prato
dizer, como num filme policial: "Tudo o que você comer poderá ser usado contra você".
Há algumas décadas eu até que consegui perder uns quilinhos. Apertei o cinto de 93 para 87 quilos reduzindo a atividade do maxilar e
aumentando a das pernas. É fácil perder alguns quilos. Nos últimos anos perdi vários deles. O problema é que depois achei todos e
mais alguns.
Emagreço quando dou palestras, por manter a boca ocupada. Como não fico 24 horas palestrando, decidi criar minha própria dieta:
saladas, frutas e fomes. Isso mesmo, no plural, porque a fome é muita. Eu já tinha me esquecido da sensação de fome. Qual foi a
última vez que você teve uma fome daquelas de quando era criança?
No tempo em que maiô ainda era de lã, daquele que parecia coador ao sair da água, eu treinava natação. No fim do treino eu devorava
um pão com mortadela na cantina do clube. Quando dava sorte vinham dois palitos, um em cada metade, que eu segurava com os dedos
enrugados, lambia e mastigava para não desperdiçar nem um gostinho sequer, tamanha era a fome. Outro dia vi uma foto da época e
lembrei-me dos palitos. Eu era assim, fininho.
Não tinha esse negócio de snack de batata frita. Naquele tempo, quem quisesse comer batata frita precisava pedir à mãe na
véspera. Ela ia comprar a batata, descascar, esquentar o óleo, fritar, secar e... mandar você plantar batata se quisesse comer antes
do almoço. Batata frita nunca era comida sozinha - sempre vinha na garupa do bife montado pelo ovo.
Hoje não. Basta rasgar a embalagem e a batata está ali, dourada, crocante, deliciosa! E cheia de gordura, aromatizante, corante, sal
e glutamato monossódico, para o seu corpo se transformar numa verdadeira represa de retenção de líquidos. Se continuar assim, as
balanças de nova geração virão graduadas em arroba.
Até as revistas estão se adaptando aos tempos rotundos. Outro dia vi uma revista dessas de gente chique que joga golfe. Meu olho de
arquiteto percebeu que as fotos das socialities e emergentes tinham sido esticadas na vertical para as pessoas parecerem mais
magras. O que o manipulador do Photoshop não percebeu foi que as bolinhas de golfe ficaram ovais.
As empresas começam a abrir os olhos para o problema da obesidade e você já encontra cardápios light nos refeitórios. O
problema é que eles ficam ao lado daquele suco de maracujá que é um melado, de tanto açúcar. A campanha pela saúde no trabalho só
tende a crescer, porque a banha precisa diminuir. Gordura demais amolece o trabalhador, derruba a produtividade e aumenta a
probabilidade do funcionário empurrar tudo com a barriga. Literalmente.
Qualidade na vida e no trabalho é um tema para o qual
tenho sido convidado para falar com uma frequência cada vez maior. Daí minha urgência em perder dez quilos e ganhar dez anos. Dou-me
por feliz por não fumar, não ter fígado flex e nem ser viciado em doces. Portanto é só diminuir a quantidade do que entra pela boca
e aumentar o que sai pelos poros. Para isso faço caminhada - de vez muito em quando - ouvindo meu i-Pobre, uma versão barata do
i-Pod.
Assim como já tem empresa aérea cobrando mais para quem pesa o dobro, daqui a pouco vai ser preciso incluir no currículo peso e
medidas de busto e quadris. A falta de forma - ou o excesso dela - aumenta o custo do trabalhador, mais vulnerável às doenças
causadas pela obesidade. Pode soar discriminatório, mas o critério vai seguir o exemplo do que já é feito com o fumo. Os governos do
mundo perceberam que os ganhos com os impostos do tabaco não compensam as perdas com a previdência de uma população fumante.
A campanha contra o fumo nas empresas vai ganhando características aterradoras. Visitei uma que começou criando uma sala para
fumantes, para depois criar quiosques e distribuí-los o mais longe possível de cada prédio. O passo seguinte foi eliminar as
coberturas dos quiosques e fazer uma parceria com a chuva. Agora ela está reduzindo o número dessas áreas de fumantes para
obrigá-los a caminhar dezenas de metros até a área mais próxima. Se correr, dá tempo de acender, tragar uma vez, e voltar antes de
terminar o horário de almoço.
De olho nesse novo padrão de consumo, em breve os fabricantes devem lançar cigarros menores, ou mesmo picotados, para você fumar só
um pedacinho. E a indústria da reciclagem vai querer o seu quinhão, lançando maços de bitucas ou baganas remanufaturadas.
[*] Mario Persona é escritor, palestrante e consultor de
comunicação e marketing. Texto disponível em seu site. |