NOTÍCIAS 2010
Preço, valor e significado
Mario Persona [*]
Não sou de criar caso, mas alguém resolveu criar um
caso comigo. Já tinham me avisado, mas foi só na quinta ou sexta livraria que encontrei o caso criado. Ele ocupava quatro das 472
páginas do livro "Google
Marketing". Virei caso em jargão corporativo: "Case Mario Persona".
Foi muito estranho encontrar meu nome no índice de um livro. Em capas eu já vi, pois eu mesmo escrevi, mas é a primeira vez que me
vejo em livro alheio. Comprei na hora e nem liguei para o preço. Quanto? Oitenta e poucos reais. Caro? Nem um pouco. Para ver meu
caso nele eu pagaria cem ou mais.
Existem coisas que não têm preço, não importa se você vai pagar com aquele cartão ou não. São coisas que têm um significado que lhes
confere valor. Veja aquela sua caixa de lembranças pessoais. Tem coisa ali que eu não iria querer nem se você me pagasse. No entanto
você não as vende por dinheiro algum, ainda que seja uma foto amarelada, um papel de bala ou o que sobrou de uma pétala de flor.
As coisas só têm valor quando carregam um significado, por isso se você quiser criar valor para algo é preciso que crie também um
significado. Preço é uma coisa, valor é outra. Tem gente que passa um ano inteiro pagando a fantasia de carnaval que vai usar uma
vez, mas acha cara a cueca que paga uma vez para usar o ano inteiro. Falta a esta um significado.
Às vezes o preço ajuda a criar significado e valor. Tem gente que adora contar quanto pagou pelo que comprou, por achar que isso
significa status. Para alguns pode significar que o amigo é rico, mas para outros, que é novo rico e metido a besta. Os significados
podem variar, e o valor atribuído às coisas e pessoas também.
Lembro-me de um amigo de meu pai que levou uma carta de recomendação de um político em sua entrevista de emprego, só para
impressionar. Se dependesse da competência, o sujeito teria sido empregado. Por causa da carta, não foi. Para o empregador, aquele
político não valia nada.
As revistas mais vendidas são as que trazem celebridades na capa. E, segundo a Forbes, em 2007 as seis revistas de
celebridades mais vendidas nos EUA foram as que traziam o rosto da atriz Jennifer Aniston, ex-Friends e ex-Brad Pitt.
Quem mais vendeu não foi a melhor atriz nem a mais bonita, mas a mais significativa. Talvez por representar a mulher meio bonita,
meio estressada e meio passada para trás. Toda mulher se sente meio assim. Quem vendeu menos? Paris Hilton. Para ter valor é preciso
significar algo.
Graças ao significado todas as mulheres podem ser lindas, e não apenas as belas, todos os filhos podem ser gênios e todos os times
campeões. O namorado da feia fala de sua "beleza interior"; a mãe se consola com a ideia de que "não há saber mais ou saber menos,
há saberes diferentes", e o torcedor suspira: "Um dia a gente chega lá". Valor é subjetivo.
Quando se concebe um produto ou serviço, é preciso identificar um público para o qual aquilo tenha significado suficiente para criar
valor. Objetos de arte funcionam assim, coisas raras também. Tenho um amigo que guarda em casa uma garrafa de cachaça. Ele não bebe,
só guarda. Para ele, a cachaça tem significado e valor.
É uma garrafa de "Cachaça Itapema", extraída dos últimos tonéis da Levy & Levy que encerrou sua produção em 1957. Os tonéis foram
preservados pela família nos porões da velha Fazenda Itapema, em Limeira, e abertos em 1997, quarenta anos depois. Aquela edição
única, finita e limitada foi cuidadosamente embalada em garrafas de luxo e vendida a preço de uísque escocês de 8 anos.
Para uns tudo isso tem um enorme significado e valor, para outros não. Foi o que percebi quando o entrevistador quis aproveitar o
gancho da cachaça, que patrocinava seu programa na TV, e perguntou ao entrevistado em transmissão ao vivo:
- E aí, José, você já experimentou essa cachaça?
- Tá louco, sô! Essa cachaça é cara demais!
[*] Mario Persona é escritor, palestrante e consultor de
comunicação e marketing. Texto disponível em
seu site.
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