NOTÍCIAS 2010
Desapareci!
Mario Persona [*]
Você já quis ser invisível? Eu também. A primeira vez
foi quando um menino prometeu me esperar no portão da escola para bater em mim. Nem comi o lanche, achando que podia sair de perfil
sem ser visto. Naquela época teria sido bom, mas agora está sendo um pesadelo. Outro dia descobri que estava invisível.
Eu já conhecia o poder do Google, mas não imaginava que pudesse me fazer desaparecer. Ele pode, acredite. Se buscasse por mim, você
veria que eu tinha sumido. Bem, se procurasse por meu nome, ainda iria me achar em mais de vinte mil lugares. Mas eram páginas de
terceiros que publicam meu nome, mas meu site estava totalmente invisível. Pelo menos no Google.
Tudo começou com um e-mail que recebi do Google Search Quality Team:
"Detectamos que algumas de suas páginas utilizam técnicas que infringem nossos parâmetros de qualidade. Para preservar a qualidade,
removemos temporariamente essas páginas de nossos resultados. No momento as páginas
mariopersona.com.br foram agendadas para remoção por um período de pelo menos 30 dias".
O que isso queria dizer? Bem, queria que eu poderia tirar 30 dias de férias, porque das cinquenta e tantas mil pessoas que me
visitam a cada 30 dias, 99% delas me encontraram no Google.
Vaias para o Google? Não, palmas para o Google. Se não existisse um critério assim, todas as suas buscas acabariam em sites
oferecendo Viagra, emagrecedores, ou uma parceria nos 50 milhões de dólares deixados por algum ditador africano morto. Sem falar
naquela seqüência de páginas eróticas que abre quando você clica em um link que não devia, e você tenta desesperadamente fechar
antes que seu chefe veja. O submundo dos spammers ganharia os primeiros lugares nas buscas.
Sou tão velho na Internet, que quando comecei, se alguém dissesse "Google" ia escutar coisas do tipo "Saúde!", "Deus te crie", "Não
arrota na mesa, menino!". O serviço simplesmente não existia. Os sites de busca da época eram movidos a manivela e não passavam de
diretórios ou listas de links acrescentados manualmente.
Depois vieram os robôs automáticos, nem de longe tão sofisticados quanto o Google atual. Eram tão míopes que, se você quisesse ser
achado e ter sua página indexada, era preciso encher seu site de palavras-chave. Ou ficaria invisível, como fiquei.
Hoje o Google é inteligente o suficiente para classificar seu site por critérios de relevância complexos e secretos, mas que
certamente não se baseiam meramente nas palavras-chave como faziam os buscadores antigos.
Meu site atual tem mais de dez anos, e eu mesmo o fiz aproveitando velhos códigos html e técnicas de outros sites que tinha antes.
De lá para cá só acrescentei conteúdo e mudei o visual, retocando minhas fotos para parecer mais jovem. Nos bastidores tudo
continuou igual, inclusive o excesso de palavras-chave. Continuou até eu receber a bronca do Google.
Fui obrigado a passar a madrugada fazendo uma lipoaspiração nas mais de 800 páginas de meu site para extrair toda a gordura que o
fazia desaparecer. Deve ser o único caso em que gordura demais faz a gente ser menos notado. Depois corri avisar o Google que já
tinha feito a lição de casa. Depois o jeito foi esperar.
Longe de mim querer ludibriar o sistema. Há muito eu já tinha percebido que o excesso de palavras-chave não fazia efeito algum na
colocação que minhas páginas alcançavam nas buscas. A relevância vinha mesmo do conteúdo e dos milhares de sites que publicam minhas
crônicas e entrevistas, e apontam para mim. O QI, ou "quem indica", é um dos critérios do Google.
Outra coisa que descobri foi que a maioria dos visitantes são estudantes, não clientes. As principais páginas de entrada são as de
entrevistas, cuja íntegra eu publico no site depois que os jornais e revistas publicam apenas uma ou duas frases minhas. Qualquer um
que me visite irá perceber que não vendo Viagra, não herdei uma fortuna na Nigéria, e não consigo emagrecer nem a mim mesmo.
[*] Mario Persona é escritor, palestrante e consultor de
comunicação e marketing. Texto disponível em seu site.
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