NOTÍCIAS 2010
Papagaios também falam
Mario Persona [*]
Papagaios falam. Aprendem a repetir palavras, frases e
até a cantar e contar piadas. Há quem acredite que eles saibam ler, só porque tiram bilhetinhos da gaveta do realejo. Mas duvido que
você peça conselhos ao bichinho.
O papagaio pode fazer tudo, menos se comunicar, a não ser com outro papagaio. Digo comunicar no sentido de saber o que você está
dizendo e ele repetindo. É fácil provar isso. Acaso seu papagaio riu da primeira vez que você contou a piada que ele decorou?
Para alguns, comunicar-se é saber falar e escrever, mas isso não basta. Visite meia dúzia de sites corporativos e clique na
declaração de "Missão, Visão e Valores" da empresa, e depois peça para algum colaborador explicar aquilo. Quer se divertir? Peça ao
presidente ou ao diretor.
Em algumas empresas é gasto mais tempo para escolher a moldura do que a declaração, e às vezes a direção nem participa do processo.
Pedem para o Júnior encontrar alguma frase bonita no Google.
Toda empresa precisa ter uma história para contar. Esqueça o ano de fundação e a foto do bisavô de bigodão. Sua história é aquilo
que cria um elo de comunicação e relacionamento envolvendo colaboradores, clientes, fornecedores, acionistas e comunidade.
Você gosta de histórias sem emoção? Se não evocar emoções não é história, é relatório. Sem histórias não há comunicação, e sem
comunicação não existe história. Nossa civilização foi costurada com histórias contadas ao redor da fogueira.
Pode observar: os melhores comunicadores em uma empresa são os que contam as melhores histórias de si mesmos, dos produtos e da
empresa, e cativam. Ouvi dizer que o projeto original de Brasília não tinha calçadas, só grama. As calçadas seriam feitas sobre as
trilhas que as pessoas deixassem.
É assim que funciona, descubra aqueles que deixam trilhas positivas e compartilhe isso com todos. Comunicação não é o que a empresa
diz aos funcionários e ao mercado, mas o que ela ouve dessas fontes também. Essa é a comunicação que vai funcionar, que vai criar um
discurso homogêneo, e não algumas palavras bonitas tiradas daquela página grudada do Aurélio.
Até bandidos sabem disso. Eles combinam rapidamente que história vão contar, antes da polícia chegar. Por isso a polícia costuma
separar a quadrilha e pedir detalhes para cada um, e é aí que a porca torce o rabo. É bom começar a estimular a conversação em sua
equipe, ou a polícia do mercado vai descobrir contradições. Isso é comunicação interna ou externa? Vamos ver.
Imagine o cenário: sua função é fazer um furo numa chapa e passar para o colega com instruções do parafuso que vai ali. Isso é
comunicação. Siga essa chapa e ela vai chegar como torradeira nas mãos da dona Maria. Em que ponto do processo você colocaria o
divisor de águas? Onde a comunicação deixou de ser interna para ser externa?
Ah! No ponto em que a torradeira saiu da empresa! Tá, até parece. Aí a dona Maria vê no Orkut que tem um tal de Júnior que trabalha
na masmorra daquela fábrica, na seção sem comunicação com o público, e manda um recado perguntando da torradeira. Ele, que se acha
um pão, não vai deixar de responder, e acaba queimando a marca.
É melhor ensinar sua turma a traduzir seu negócio, sua marca e seu produto, e criar um ambiente de comunicação corporativa, que é a
soma de todos os significados que transitam dentro e fora da empresa. Porque a tecnologia está transformando cada Júnior de sua
equipe em um relações públicas.
Muitos médicos costumam ter dificuldades para se comunicar com seus clientes por não saberem traduzir. Antes a gente culpava a
letra, mas agora que a receita sai da impressora, a gente viu que é grego mesmo. Alguns pensam que seu paciente fala o mesmo idioma.
Não fala.
Um deles contou do problema de se comunicar com um paciente. Depois de escrever uma receita de uma pomada para a micose que o
velhinho tinha no braço, deu a ele o papel com a instrução:
- Passe isso no braço duas vezes ao dia e volte daqui a um mês.
Uma semana depois o paciente estava de volta e, mostrando a receita toda suja e gasta, pediu:
- Doutor, faz outra aí que esta não durou nem uma semana.
[*] Mario Persona é escritor, palestrante e consultor de
comunicação e marketing. Texto disponível em seu
site.
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