NOTÍCIAS 2010
Cerebro liquido
Mario Persona [*]
O médico disse que meu cérebro é 80% água. Será que é
por isso que meus pensamentos fluem em um turbilhão de idéias geradas por ondas cerebrais? Pode ser. Ele disse que não preciso andar
com tampões nos ouvidos, porque não existe perigo de vazar.
Mesmo assim fiquei preocupado. Dizem que vai faltar água e eu fico pensando se com isso vão faltar cérebros. Ou será que é a falta
de cérebros que vai fazer a água desaparecer do planeta? Pode ser, e aí vamos sentir saudade.
Não que o excesso de água não seja um problema. Quando a banheira do vizinho do terceiro andar rachou, pensei até em abrir um
pesque-pague em meu corredor. Fez lembrar da outra vez, quando o reservatório do aquecedor do quarto andar explodiu e escaldou o
terceiro e o meu.
Precavido, resolvi eliminar a banheira e o aquecedor de meu apartamento, e voltei ao velho e bom chuveiro elétrico. Já viu o tanto
de água que uma ducha gasta? Se você for à Europa, pode dar adeus a esse seu banho de caminhão-pipa instalado no teto do banheiro.
Lá o chuveiro não esguicha água, solta neblina.
Quando eu disse que ia tomar banho, vi a família da casa européia onde estava hospedado trocar olhares de apreensão. Perguntaram-me
três vezes se era isso mesmo que eu queria. Conheciam a fama do brasileiro, que gasta cinco vezes mais água do que a quantidade
recomendada pela Organização Mundial de Saúde, metade só no banho.
De volta ao Brasil, fiquei em um hotel desses modernos e econômicos. Tudo é mínimo, até a TV é pouco maior que a tela de meu
celular. Meu passado de arquiteto achou o modelo inteligente, mas só até a hora do banho. A ducha era de tirar o couro cabeludo, por
isso abri só um pouquinho para evitar que meus neurônios saíssem pelo ralo. Afinal, um dia vou precisar daquela água para umedecer
meus pensamentos.
O botão da descarga é outro vilão do desperdício. Uma privada antiga gasta de doze a quinze litros de água, enquanto as modernas
usam seis litros ou até menos. Em outro hotel vi uma idéia que pretendo adotar na próxima reforma do banheiro. Uma caixa de descarga
com dois botões: um para grandes obras e outro para pequenas iniciativas.
Como água é um recurso finito, e a que vai embora é a mesma que irá reabastecer 80% de meu cérebro no futuro, hoje penso duas vezes
antes de apertar o botão do adeus. Considero uma insensatez disparar as Cataratas do Iguaçu quando o que vou lançar ao mar às vezes
não passa de um mini-submarino. Um leve toque é suficiente para despedir o submersível.
Mas nem todo mundo pensa assim. A preocupação com a pressão do botão evidentemente vai depender da quantidade de massa cinzenta de
cada um. Uma coisa, porém, é certa: as longas despedidas só farão aumentar a saudade.
[*] Mario Persona é escritor, palestrante e consultor de
comunicação e marketing. Texto disponível em seu site.
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