NOTÍCIAS 2009
Adjetivos definem a crise
Luciano Valente para Scritta
No último dia
19, a economista Míriam Leitão, em sua participação diária no programa da rádio CBN, comentou a decisão do Banco Central brasileiro
de reduzir a taxa de juros em 1,5%, passando, assim, a ser de 12,5% ao ano — ainda uma das mais altas do mundo. O novo índice foi
definido pelo Comitê de Política Monetária do mesmo banco. No entanto, mais do que o número, Míriam chamou a atenção para as
expressões brandas com que o Banco Central define o atual cenário da economia.
A ata da reunião do Copom usa expressões como "desaceleração do crescimento", "sinais de estresse no mercado financeiro" e "cenários
contracionistas" para definir o momento por que passamos. Para Míriam, o Banco Central brasileiro destoa dos seus pares em outros
países do mundo, que usam expressões muito mais fortes, como "a maior crise dos últimos 80 anos", "mercados enlouquecidos" e "grande
recessão".
Como a maior parte dos relatórios econômicos, a ata do Copom tem uma linguagem própria, expressões que se repetem e que têm um
significado específico. "Cenário benigno para inflação cria espaço para flexibilização de política monetária", pode ser traduzido
por: "A inflação tende a cair, o que abre espaço para redução dos juros". Como Míriam sentenciou, "Eles preferem falar assim do que
falar em português".
Mais adiante na ata, o Banco fala em "desaceleração do crescimento". A economista mais uma vez considera a expressão um eufemismo,
pois a redução de um índice de 6,4% para 3% só pode ser definida como queda e não uma simples desaceleração.
Linguisticamente, essas definições brandas por parte do Banco Central brasileiro vão ao encontro das frases do presidente Lula sobre
a crise. Esses eufemismos, ou essa visão otimista do cenário macroeconômico global, contribuem bastante para os resultados das
recentes pesquisas de opinião, em que o brasileiro não se mostra profundamente preocupado com a crise.
Como tudo no mundo, a crise é definida pela linguagem. As expressões usadas nos discursos da mídia e das pessoas mostram suas visões
desse cenário. É importante que se esteja ciente de como essa linguagem deve ser trabalhada para que ela reflita uma real opinião.
Lula já afirmou em uma entrevista polêmica que o médico não pode dizer ao paciente que ele "sifú", e sim animá-lo para o tratamento.
Independentemente de concordar ou não com o vocabulário de nosso presidente, ele demonstra um poder de compreensão do uso da
linguagem e tenta usá-la de acordo com seu interesse político, tentando evitar incertezas, desmotivação e até pânico na população.
Num ambiente de crise, saber usar a linguagem a seu favor é sempre inteligente.
Fonte:
www.scrittaonline.com.br |