NOTÍCIAS 2005
Eu sei que vou a Marte
Mario Persona
[*]
Na década de sessenta meus
amigos formaram uma banda. Naquele tempo a gente dizia "conjunto", porque banda mesmo só a que tocava no coreto. E conjunto não era
para "fazer um som", mas para tocar "iê-iê-iê". Acho que a expressão vinha da música "Chiló-viziú, iê, iê, iê...",
dos "Bitous".
Não ria. Era assim que a letra aparecia no caderno do grupo que se apresentava no "Nosso Clube" todos os domingos, às dez da manhã,
assim que terminava a missa das nove. Que podia terminar antes, se o Palmeiras jogasse de manhã. O cônego era palmeirense.
Naquele tempo nenhum adolescente sabia inglês, portanto não tinha importância alguma o que estava no caderno — nem para quem
cantava, nem para quem ouvia. O que valia mesmo era o som parecido com o da vitrola que tocava os compactos simples de 45 rpm.
"Rpm" significava "rotações por minuto" e "vitrola" era o CD player que usávamos então. Um "compacto
simples" tinha apenas duas músicas, uma de cada lado, o "duplo" vinha com um total de quatro. LP ou Long-Play, só no
Natal ou no aniversário, porque era caro. Não existia download.
E o que Marte tem a ver com isso? Que Marte? Ah, sim! Já ia me esquecendo do título. O que você ouviu — não o que leu — é como o
nome de "Eu sei que vou te amar" teria soado se o Vinícius de Moraes não ligasse a mínima para seu cliente -ouvinte. Pois a
forma correta desse monumento poético musicado por Tom Jobim é "Eu sei que vou amar-te".
Vinícius e Jobim eram bons conhecedores do português, portanto não erraram sem querer. Foi sem querer querendo. Acredito até que
tenham cantado uma primeira versão correta e perceberam que até o planeta ficou vermelho. Decidiram errar, deliberadamente, para
deixar o cliente contente.
Num treinamento, dei uma dinâmica na qual cada grupo fingia ser uma empresa vendendo e eu fingia ser o cliente comprando. Uma das
equipes se deu mal. Indagados de onde estaria o problema, foram categóricos: "No cliente, que não soube se expressar!". Sugeri que
eliminassem o problema. É o que alguns têm feito.
Se perguntar quem paga seu salário, é provável que a maioria das pessoas responda que é o patrão ou empresa. Pouca gente percebe
que, numa empresa, só existe uma porta de entrada para o dinheiro. Exatamente, o cliente. Há muitas saídas, mas só uma entrada. Se
não entrar por ali, não entra.
Alguém dirá que o dinheiro vem também dos investidores, mas não conte com esse. É empréstimo. Sócios emprestam até o cliente fazer
entrar dinheiro suficiente para pegarem de volta o que emprestaram e algo mais. Ou você acha que investem por hobby?
Olhe ao seu redor. Tudo o que vê foi pago pelo cliente, inclusive o que está em seu estômago. Ah, você não está na empresa? Está em
casa? Também vale, se trabalhar por conta própria. E vale também se trabalhar para uma empresa. Não veio do cliente?
E justo quando o cliente mais precisa de amor, quem o atende vai a Marte. Já viu aqueles quadros bonitos na recepção das empresas
com a Visão, Missão e Valores? Morro de rir com alguns. Será que alguém entende aquele palavreado? Cabral deve ter recebido um texto
assim quando partiu para as Índias e acabou indo parar na Bahia.
Quer uma sugestão para Visão? Escreva lá: "Cliente". Missão? "Cliente". Valores? "Clientes". Pronto. Seu quadro vai ficar menor e
mais barato na hora de emoldurar. E cada marinheiro irá entender para onde está apontada a proa do navio, o objetivo da viagem e o
tipo de vento que deve impulsionar suas velas.
O quadro vai ficar lá sempre igual, mas a maneira como as pessoas irão ler "Cliente" vai mudar, porque o cliente muda. Vai ficando
mais sofisticado, mais exigente. Já não está atrás de alguém que atenda apenas suas necessidades, suas expectativas ou exigências.
Quer também significado.
Isso aconteceu numa daquelas matinês quando chegou o primeiro americano que a maioria de nós teve a oportunidade de ver, mas não de
entender, já que não veio legendado. A dublagem era feita pelo brasileiro que ficara em sua casa nos EUA. Enquanto isso, o vocalista
mandava ver mais uma dos "Bitous":
Réupi! Ai nidi sam bódi! Réupi! Nójãs enibódi!
Réupi! Iú nôu ai nidi samuam! Réééupi!
O americano ouviu por um tempo e perguntou para o rapaz ao lado: "Is that Portuguese?"
[*] Mario Persona é escritor, palestrante e consultor de
comunicação e marketing. Texto disponível em seu site. |