NOTÍCIAS 2005
Os caçoadores de mitos
Mario Persona
[*]
A tarde de
sábado estava preguiçosa. Após rodar por trocentos canais, a bolinha da roleta remota parou no Discovery Channel:
MythBusters — Os Caçadores de Mitos. No programa, dois especialistas em efeitos especiais se empenhavam em criar ou destruir
mitos e lendas.
Com muita cola, sucata e inventividade, eles já provaram que o gordo Goldfinger jamais teria sido sugado pela janelinha do avião
despressurizando após lutar com James Bond. Mas, segundo eles, foi verdade que Huguinho, Zezinho e Luizinho puderam fazer flutuar um
barco naufragado, apenas bombeando bolinhas de pingue-pongue em seu interior, como no gibi.
No episódio daquela tarde eles destruíam o mito de que um carro embrulhado em papel alumínio consegue burlar o radar. Mas quando
saiu o som do radar da TV, ouvi um "PLOC" na mesa de centro. Um cinzeiro de vidro fino acabara de quebrar em dois. Teria sido o som?
Decidi averiguar.
Você pode até caçoar de mim, mas fotografei a mesa e o cinzeiro e poucos minutos depois as fotos estavam na Internet e o link numa
mensagem enviada ao fórum de debates do site do programa. O que teria quebrado meu cinzeiro? A freqüência do som ou a coincidência?
Aguardei pela resposta.
No passado eu teria que apelar para o Thesouro da Juventude, mas não encontraria a resposta ali. Talvez aprendesse que existe
no Sol um elemento químico chamado "corônio", que uma viagem a Marte é impossível porque faz muito frio no caminho, mas que podemos
nos comunicar com nativos de lá, escrevendo mensagens com letras gigantes no deserto do Saara. Antes que você pergunte, sim, naquela
edição a Terra já saiu redonda.
Os que caçoam da Internet como fonte de pesquisa duvidam da veracidade da resposta que posso encontrar ali para a questão do
cinzeiro. Mas, se encontrar no Thesouro da Juventude ou de qualquer enciclopédia menos infantil, quem garante que a
informação ali não seja mito?
No passado a autoridade da informação esteve nas mãos do clero, que pintava e bordava com ela. Era uma época quando a Terra era
plana. Depois foi a vez da universidade, que passou a publicar de cara lavada a verdade absoluta, até prova em contrário, o que
costumava acontecer a cada nova edição. E hoje, enquanto caçoamos da falência e falta de atualização das enciclopédias, a quem
iremos recorrer? Alguns recorrem à imprensa. De que cor?
Ouvi dizer que um dos critérios do MEC na hora de avaliar uma faculdade é o movimento de retirada de livros de sua biblioteca. Se a
taxa for baixa, significa que os alunos não estão pesquisando nas fontes fidedignas do saber. Será que entendi o que ouvi?
Num e-mail uma estudante pedia sugestões de bibliografia para seu trabalho de graduação, com a ressalva de que o professor só
aceitaria referências de livros, nada de Internet. Mas, se o papel aceita tudo, que mito faltou que corremos tamanho risco de
encontrá-lo na Internet?
Tenho cinco livros publicados e jamais poria minha mão no fogo por tudo que escrevi ali. Um dedinho, talvez. Mas seria insensatez
queimar os outros nove por idéias das quais no futuro possa vir a caçoar. Todo escritor escreve só até onde sua mente alcança,
provavelmente para editar, completar ou desmentir depois. Há sempre algo de novo nos esperando além do gueto de nossos mitos
momentâneos.
Minha pergunta no fórum dos Caçadores de Mitos do Discovery Channel não ficou sem resposta. Quatro especialistas em cinzeiros
quebrados já se manifestaram. Um disse que foi coincidência, mas outro aposta que ocorreu um problema de "orgones dissociados", uma
espécie de desarranjo da energia cósmica. Outro concordou, acrescentando que eu deveria analisar a peça em busca de traços de ácido
hídrico. Talvez eu faça isso um dia. O último sugeriu uma combinação de ácido hídrico com a influência dos campos eletromagnéticos.
Faz sentido.
Mesmo assim, vou aguardar uma resposta oficial, científica e comprovada num próximo episódio dos Caçadores de Mitos. Porque
no Discovery eu acredito, e seria melhor ainda se o programa não fosse dublado, já que tudo o que vem em inglês é verdade.
Somente uma explicação oficial de Adam Savage e Jamie Hyneman, os apresentadores do programa, irá me satisfazer. Aí terei certeza
absoluta da causa da quebra do cinzeiro. Neles eu confio. E como poderia ser diferente? Foram eles que criaram os efeitos especiais
de filmes como Guerra nas Estrelas, Exterminador do Futuro e Matrix! Se não acreditar neles, vou acreditar em
quem?
[*] Mario Persona é escritor, palestrante e consultor de
comunicação e marketing. Texto disponível em seu site. |