NOTÍCIAS 2004
Encarando o novo
Mário Persona (*)
Colaborador
Todo ano novo a gente promete mudar. Mas aí vem aquela dor de
barriga. Passado o peru e o foguetório, é bom tomar umas colheradas de cautela com caldo de galinha antes de sair montado num rojão.
Nunca teste a profundidade da água com os dois pés, disse alguém. Use o tato, seja ponderado. Para não começar o ano desempregado.
Como o Michael.
Funcionário da Microsoft nos EUA, ele publicou em seu blog uma foto da chegada de
alguns computadores Power Mac G5s à empresa com o comentário: "Até a Microsoft quer o G5". Foi para a rua. Seu chefe achou que não
podia publicar o que bem entendesse, mesmo que fosse em seu horário de folga, em seu blog, hospedado em seu servidor. A
imagem que estava em jogo ainda era a da empresa.
Este caso é interessante, pois aponta para uma nova tendência. Interagir em um novo cenário,
municiado com novas tecnologias, pode trazer efeitos colaterais nocivos se não existir um pouco de bom senso e ponderação.
No início da Internet, funcionários eram demitidos por navegar em sites pornográficos.
Depois, por mandarem fotos para os amigos por e-mail. Outros, por usarem o servidor da empresa para disponibilizar músicas
para o Napster. Enquanto os mais habilidosos criavam vírus com as digitais do computador do patrão.
Agora um funcionário pode ir para a rua por usar mal o poder de comunicação e publicação que
antes era reservado aos jornais. Um poder tamanho que nem ele imagina o tamanho. Se não usar de bom senso acaba parando no censo. Do
desemprego.
Publicar é tornar público, não importa se isso é feito num blog ou no horário nobre
da TV. Alguém vai ler, alguém vai comentar, alguém pode se ofender e o autor pode se queimar. Para evitar este e outros problemas,
algumas empresas obrigam seus colaboradores a anexar um verdadeiro contrato de isenção de responsabilidade nos e-mails que
saem. Outras simplesmente proíbem qualquer acesso ou comunicação com o mundo exterior via Internet. Será correto?
Privar seu pessoal de informação pode ser uma boa solução, se você fabrica galochas. Digo
isto porque censurar a aquisição de conhecimento pode criar um exército de mentecaptos acéfalos que só saberão cumprir ordens e
acatar comandos, se não forem muito complexos. Pode ser que o método acabe com o carrapato, mas vai matar a vaca.
Já vimos esse filme quando surgiu o telefone. Hoje um celular equipado com fone de ouvido e
microfone sob uma mecha de cabelo coloca o mais recluso funcionário em contato com quem ele bem entender e sem deixar transparecer.
É claro que vai parecer louco falando sozinho, mas todos julgarão tratar-se de um efeito colateral do isolamento.
Sou mais a favor da política adotada por algumas companhias telefônicas quando surgiu o
orelhão. No começo não ficava um inteiro. Aquilo era um elemento estranho na paisagem e exigia que o vândalo tomasse uma
providência. Como era impossível vigiar todos os orelhões, o jeito era substituir os quebrados e esperar que os vândalos
ficassem mais inteligentes.
É claro que isso nem sempre funciona para todo mundo, e aí só a repressão resolve. Na
empresa não é diferente. Enquanto para alguns a novidade da Internet acaba virando apenas mais um orelhão sobre mesa, para
outros continuará sendo o buraco da fechadura ou a porta de banheiro público, onde consegue publicar a quintessência de sua
capacidade de expressão.
Cedo ou tarde a seleção natural elimina sem piedade o profissional sem tato, que usa os
recursos que a empresa comprou ou o tempo que ele vendeu para desproduzir, neologismo que segue a linha do desfavor. O
resultado é demissão.
Com exceção, talvez, para os criadores de vírus e invasores de redes, que ganham um período
para repensar suas atividades, escrever um ou dois livros, e serem contratados por alguma empresa de segurança ao saírem da
detenção.
Mas a pergunta que você deve estar fazendo é esta: Como proceder com colaboradores assim?
Bem, quando o assunto é gestão de talentos, você nunca sabe se está tratando com um vândalo, um ingênuo ou um gênio em processo de
lapidação. Vou recorrer à sabedoria de porta de banheiro para responder.
Depois de conseguir entrar com dor de barriga, bagagem, notebook, terno e gravata em
um micro-banheiro público, passei a estudar que configuração adotar para evitar qualquer contato com o revestimento úrico do piso.
Foi quando a frase rabiscada na porta chamou minha atenção: "É preciso muita calma nessa hora".
(*)
Mário Persona é consultor, escritor e
palestrante, além de autor de livros sobre comunicação e mercadologia. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas
palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém
endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis. |