NOTÍCIAS 2003
Marketing pessoal e animal
Mário Persona (*)
Colaborador
O público estava adorando. No palco, uma competente
palestrante entretinha a platéia com uma mistura de inteligência, conhecimento e humor, receita infalível nas mãos de qualquer
comunicador. O peso emocional de suas frases cuidadosamente tricotadas equilibrava a platéia numa espécie de divisor de águas,
levando-a do riso às lágrimas num piscar dos mesmos olhos marejados.
Era convincente porque parecia transparente. Falava de ética, respeito e consideração, como
se o ambiente de trabalho fosse um templo e o relacionamento com chefes, colegas e subordinados uma oração. Tudo lindo, sublime e
maravilhoso. Até baixarem as cortinas e a palestrante passar dos holofotes para a área cinzenta dos bastidores.
Então, despida daquela rósea candura ensaiada, virou um Hulk verde de raiva no tratamento
com sua equipe de apoio, que falhara na qualidade do som. Nenhuma semelhança com as propagadas virtudes que ainda ecoavam no
auditório agora vazio.
O discurso era um, a realidade era outra, negando na prática o compromisso assumido na
teoria. Quem me contou? O cliente que a contratou. Sem ela perceber, ele estava nos bastidores.
Mais do que nunca, os clientes têm acesso aos bastidores. São esclarecidos, têm informação,
exercem opinião. E, o que é mais sério, ganharam poder de divulgação. O acesso à Internet transformou o cliente insatisfeito numa
orquestra de metais. Dê a ele um bom motivo e a boca vai para o trombone.
Toda venda começa com a venda de si próprio, da sua imagem e da capacidade de gerar
confiança em seu cliente. Por isso costumo insistir no marketing pessoal. Se o seu cliente não comprar primeiro você, não
comprará o que tem para vender.
Além do espírito que nos diferencia dos animais, somos formados por corpo e alma. Embora a
alma seja invisível e depósito íntimo de nossas emoções, pensamentos e convicções, ela pode ficar pública e notória graças ao
protagonista de nossas ações. Falo do corpo, a parte mais animal, visível e efêmera de nosso ser. Capaz de escoicear os bastidores
para dentro palco.
Enquanto sua condição interior define o seu caráter ou aquilo que você é, são as suas ações
exteriores que definem a sua reputação, ou aquilo que você parece ser. Assim, o que as pessoas pensam de você vem das conclusões
tiradas a partir de suas palavras, gestos e ações. Somadas às suas idéias, elas definem sua postura.
Nem sempre é conveniente exteriorizarmos o que estamos passando em nosso íntimo, e aí entra
nossa habilidade de atuar. O marketing pessoal começa trabalhando o caráter, como o marketing industrial começa
trabalhando o produto. Se o produto for de qualidade, ganhará uma boa reputação no mercado. Depois vem a embalagem de uma boa
representação.
Não se anime achando que poderá atingir um índice de qualidade total em seu caráter. Suas
falhas obrigam você a ser um pouco ator, aplicando às vezes alguma maquiagem para esconder as rugas circunstanciais. Um retoque que
nunca deve levá-lo a querer parecer algo diametralmente oposto ao que você é em seu caráter.
Todos temos esse lado ator para atender as convenções sociais de convívio e boas maneiras. É
o que ajuda na hora de expressar aquilo que as pessoas gostariam de ver em mim. Numa comparação com um produto, seria o mesmo que
caprichar na embalagem, a expressão exterior do que é encontrado na caixa. Algumas vêm com uma advertência ao lado da foto
produzida: "Imagem apenas ilustrativa". Uma postura humilde passa a mesma mensagem.
Exemplo? Estou morrendo de dor de cabeça, mas meus clientes não precisam sofrer com minha
cara feia. Então sorrio, melhorando minha qualidade de expressar aquilo que meus clientes esperam ver em mim. A não ser que você
seja daqueles que dizem "Quem quiser que me agüente do jeito que eu sou", é uma boa idéia trabalhar esse lado.
Mas tome muito cuidado, pois maquiagem demais acaba escorrendo. Nunca esconda totalmente
seus sentimentos sob o risco de parecer falso. Nem tente construir uma reputação sem ter um alicerce de caráter, ou a casa cai. É
sempre mais caro reformar e o resultado nunca é o mesmo.
Se o seu cliente fica insatisfeito com seu produto, você pode substituí-lo, trocar de
fornecedor, oferecer um modelo novo ou substituir as peças defeituosas. Mas como fazer o mesmo quando o produto é você? Vai fazer
recall?
O marketing pessoal começa com uma auto-análise e continua com a melhoria contínua de
suas atitudes, habilidades e competências, até chegar na comunicação disso para o mundo exterior. Primeiro vem o interior, mais
pessoal, depois o exterior, mais animal. O que você é exteriormente nunca pode ser mais importante daquilo que você é interiormente.
É claro há pessoas que valorizam mais o exterior, como o carroceiro forte que havia em minha
cidade. Orgulhoso de sua força física e aparência bruta, era só esse o seu diferencial. Um dia seu burro empacou bem no centro da
cidade e o carroceiro começou a discutir com o animal, assistido por uma pequena multidão de curiosos. Para mostrar que tinha o
controle da situação, o carroceiro deu um tremendo murro na testa do burro, que dobrou os joelhos e caiu de tonto.
Um burro tonto já seria hilário, mas isso não foi páreo para o que veio a seguir. Orgulhoso
de sua força e brutalidade, o carroceiro caprichou em seu marketing animal ao se gabar para o burro e para quem quisesse
escutar: "Você pode ser mais inteligente do que eu, mas não é mais forte!".
(*)
Mário Persona é consultor, escritor e
palestrante, além de autor dos livros Crônicas de uma Internet de verão,
Receitas de grandes negócios e Gestão de mudanças em tempos de oportunidades. Esta crônica faz parte dos temas
apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém
endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis. |