NOTÍCIAS 2003
Livro-bomba
Mário Persona (*)
Colaborador
De homem-bomba você está cansado de ouvir falar. Basta ligar a
TV, abrir o jornal, sintonizar a rádio ou internetar, e ele está lá. Ou estava, já que às vezes não sobra nem o DNA. Mas o e-mail
que recebi falava de outro tipo de atentado: o livro-bomba.
Não falo do livro oco, que esconde algum artefato em compartimento entalhado. Falo de algo
com mais de duas pernas de mobilidade, muitos megatons de capacidade e uma contaminação que desafia os séculos esterilizados pela
radioatividade. Uma bomba igual à que eu tinha na mala, quando fui barrado no aeroporto.
O oficial da alfândega de Lisboa desconfiou do livro e me segurou. A velha Bíblia
companheira foi tirada da mala com o cuidado de quem manuseia TNT. Achou que tinha uma bomba ali. Tinha uma bomba ali, mas não
achou.
Páginas gastas de anotações foram reviradas, a capa examinada, mas nenhum compartimento
secreto encontrado. Enquanto isso, eu permanecia agachado. Não de medo da explosão, mas para catar os bilhetes, anotações e um
marca-páginas que insistia em ficar colado no chão.
Apesar da revista no livro, não achou o que estava escondido entre as capas: o poder estava
na página impressa. Não leu, não percebeu.
Nem toda a tecnologia bélica conseguiu superar o poder detonante da palavra impressa. Suas
explosões são as de maior poder e conseqüências mais duradouras. Foi dos livros que nossa civilização recebeu tanto a plástica como
a cicatriz. Tudo começa na escrita, útero das seminais idéias. De pensamentos anotados a diários, livros, jornais e roteiros
dramatizados. Na classe dos explosivos de efeito rápido está a imprensa.
Até homens-bomba precisam dela para explodir. Vi isso na guerra do Iraque, quando o número
de homens-bomba-hora diminuiu. Com as rotativas de costas para a Palestina e apontadas para o Iraque, nem o mais radical e
sanguinário homem-bomba iria queimar pavio sem cobertura da mídia. Quem se atrevesse não passaria de homem-traque. Ninguém daria
atenção.
Empresas podem criar suas bombas também e explodir no noticiário. O e-mail que recebi
falava de uma assim, um atentado literário cuja segunda intenção foi chamar a atenção da mídia. Era uma convocação para celebrar o
11 de Setembro derrubando torres mais altas do que as do World Trade Center. As torres da iletrada ignorância.
O mentor desse ataque não é Osama Bin Laden, mas um obscuro funcionário de uma obscura
empresa de desenvolvimento de um obscuro software. Todos deixam o obscurantismo para explodir sua marca no noticiário
internacional. De graça e com uma legião de simpatizantes trabalhando para eles. De graça também.
A sacada foi criar um site na Internet chamado
www.bookcrossing.com e dar pernas aos livros. É só entrar lá, registrar um livro que você queira doar, imprimir uma etiqueta com
instruções e colar na capa. Ela instrui como o próximo proprietário do livro deve proceder. Próximo proprietário?
Sim, o que vai pegar o livro que você abandonará num lugar público. As instruções mandam ele
visitar o site para registrar onde achou e pretende abandonar o livro depois de ler. Esse livro andante vira parte de uma biblioteca
errante, circulante e contagiante. Todos pegando, lendo e passando adiante. Se o livro for do Mario Persona, melhor ainda. A
corrente fica mais rápida porque ninguém irá querer morrer com o Mico.
Ao invés de semear a desgraça, o livro-bomba promove a empresa de graça e lhe dá muito mais
do que os quinze minutos de fama prometidos por Andy Warhol para cada cidadão. E de lambuja ainda faz uma obra social de inclusão de
muitas pessoas que nunca pegaram um livro na mão - gente que, quando o assunto é cultura, só tem de bactérias.
Enquanto isso, milhares de simpatizantes vão espalhando a notícia num boca-a-boca que não é
beijo, mas que também não economiza saliva. É a publicidade, a divulgação voluntária de um exército ávido por um atentado cultural
que destrua as cidadelas da intolerância. Hein? Não, cidadela não é uma cidade-mirim. Sugiro que procure um dicionário no banco da
praça...
Acho que vou criar algo semelhante do lado de cá do Equador. Em lugar do livro, vou usar o
guarda-chuva circulante. Algo do tipo www.umbrellacrossing.com.
Acredito que o sucesso será maior ainda, porque tem muito mais gente que deixa guarda-chuvas
do que livros em lugares públicos. Só não sei se terá o mesmo grau de rotatividade. Com certeza você conhece alguém que já esqueceu
um guarda-chuva por aí, ou deve ter perdido um. Mas já ouviu alguém dizer que encontrou?
(*)
Mário Persona é consultor, escritor e
palestrante, além de autor dos livros Crônicas de uma Internet de verão,
Receitas de grandes negócios e Gestão de mudanças em tempos de oportunidades. Esta crônica faz parte dos temas
apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém
endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis. |