NOTÍCIAS 2003
Que medão as pessoas me dão!
Mário Persona (*)
Colaborador
O mestre de cerimônias anunciou. Chegara a hora. Da primeira
fila, medi a distância que me separava do palco. Exatos 86 anos-luz. E tinha a escada. Cinco degraus que subi como se fossem mil.
Para chegar ao topo do mundo, que girava. Com as quatro mãos geladas de suor, me agarrei ao microfone como o pintor se agarra ao
pincel quando a escada cai. Microfone? Para que voz? Minha língua, que já ocupava quatro terços de uma boca seca de dar dó, competia
com a garganta transformada em nó.
Será que percebiam meu coração bater no lóbulo da orelha? Ou o barulho do papel que sacudia
em minha mão? Os joelhos só pararam de tremer quando as cãibras começaram. Gaguejando dissonante por entre lábios soltos entre
bochechas espasmódicas, cumprimentei a platéia. E deu um branco total. O terror que assola 108,47% de uma humanidade que vira uma
poça no palco quanto tem que falar em público.
Já passei por tudo isso. Não ao mesmo tempo, mas pelo menos mais de um sintoma por vez. Em
minha próxima palestra meu cérebro pode me surpreender com mais alguns, filhotes do inimigo número dois de quem fala em público: o
medo. O número um, normalmente aceito como politicamente correto, é o sentimento de auto-piedade sussurrando que você não vai
conseguir. Vai.
Se eu, que sou palestrante profissional e treino pessoas para falar em público, me borro
todo, é razoável que você também tenha seus receios. Eliminá-los? Nem pensar. Direcioná-los? É o segredo. Cavalos mansos são tão
fortes quanto os bravios, só aprenderam a direcionar sua energia. O segredo de falar em público está em direcionar o medo, a ira, o
estresse. Não é nos treinos que o atleta bate seu recorde. É na hora do "vamover", cercado pelo delírio da galera, com adrenalina
espirrando pelos poros. Aí ele consegue se superar.
Técnica - Para falar, é preciso preparar. Pesquisar a audiência, o tema, os
objetivos. Escrever, rabiscar, treinar, filmar, gravar, tudo vale. Nem pense em decorar os ipsis e litteris de sua
apresentação. O branco pega você na primeira esquina. É melhor criar um esqueleto de tópicos simples, como as colas que fazia na
escola, e o resto acontecer. Transforme os tópicos em apresentação para projeção ou pequenos cartões, tirados do bolso com
elegância, sem misturar. De cartolina, para não denunciar o tremor.
Entre em cena batendo, não se desculpando. Sorria até pelas axilas, se não for velório.
Plante pés separados por dois pés e encare uma platéia de ninguém atrás da última fila. Os da frente pensarão que o público é maior
e você evitará algum olhar carrancudo. Só depois explore na audiência uma feição benigna. Uma fã, um subordinado bajulador, ou
alguém que durma com a cabeça balançando "sim". Isso criará confiança.
7% de sua comunicação será verbal. 38% não-verbal e 55% a simbólica, dizem. A maior porção
será aquilo que o público efetivamente ouve, que é diferente do que você diz, já que nem todos irão pensar o mesmo que você pensou
quando acharem que você disse aquilo que não tinha a intenção de dizer. É simples assim. Na dúvida entre o verbal e o não-verbal, as
pessoas retêm o último. Diga "para cima" apontando para baixo e irá entender.
Você não precisa ser artista para falar. Nem para cantar, diria o karaokê. Esqueça a
enciclopédia de informações. O que fica é o tutano da mensagem, seus sentimentos e emoções. Seja você mesmo, com seus temores,
suores e tremores. Não se preocupe; até o pavão tem pés horríveis. Reconheça suas fraquezas, mas direcione a adrenalina que elas
geram, ou jamais baterá aquele recorde que só se bate em público. O qual não vai bater em você. A torcida torce mas não estrangula.
Da decolagem ao pouso - Momento
crítico é a decolagem. Tanques cheios, motores no máximo, peso demais, pista de menos. Pedindo o desastre. Por isso, nos primeiros
cinco minutos, pilote dentro de seus domínios. Fale de você, de seus filhos, de seu time, de seu trabalho, de algo que seus
cotovelos falariam em piloto automático. Quando atingir uma altitude e atitude seguras, aproe para seu tema em velocidade de
cruzeiro. Relaxe.
Deu branco? Simples. Abra um parêntese e fale de algo fora do branco ou enfatize o que
acabou de dizer, até a visibilidade voltar. Deixe uma última gota de adrenalina para o pouso, o encerramento. Nessa hora é sempre
bom colocar uma pitada de emoção. Mas cuidado, para não fazer um pouso forçado como eu.
Foi numa palestra para gerentes do Banco do Brasil. Filho de funcionário aposentado, falei
emocionado de como o banco me acompanhara desde a infância. De minha mãe, que insistia para eu trabalhar no banco como o pai, o que
o destino não me reservou. Naquela hora queria ligar para ela, viúva, e dizer que o que ela queria agora acontecia. Eu trabalhava no
banco, pelo menos naquele momento. E foi o que disse à platéia para encerrar. Ou quis dizer. Porque a emoção aflorou, a garganta
travou, os olhos se embebedaram e ali, na frente de todos, eu chorei.
(*)
Mário Persona é consultor, escritor e
palestrante, além de autor dos livros Crônicas de uma Internet de verão,
Receitas de grandes negócios e Gestão de mudanças em tempos de oportunidades. Esta crônica faz parte dos temas
apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém
endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis. |