Clique aqui para voltar à página inicial  http://www.novomilenio.inf.br/ano03/0301a003.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 01/10/03 13:34:58
Clique na imagem para ir ao índice de Notícias 2003

NOTÍCIAS 2003

Os novos imperadores da mídia

Ignacio Ramonet (*)
Colaborador

No setor das comunicações, a irrupção da Internet e a revolução digital provocaram um trauma sem precedentes. Construíram rapidamente impérios gigantescos. E, à sua passagem, pisotearam alguns valores fundamentais: em primeiro lugar, a preocupação por uma informação de qualidade.

Pelo mundo afora, conglomerados gigantes apoderam-se dos meios de comunicação. Nos Estados Unidos, onde as regras anti-concentração foram abolidas em fevereiro de 2002, a America On Line comprou a Netscape, a revista Time, a empresa cinematográfica Warner Brothers e o canal de notícias (24 horas por dia) CNN; a General Motors, maior empresa do mundo por sua capitalização na Bolsa de Valores, abocanhou o canal de televisão NBC; a empresa Microsoft, de William Gates, reina no mercado de software, pretende conquistar o dos vídeo-jogos com seu console X-Box e, por meio de sua agência Corbis, domina o mercado fotográfico de imprensa; a News Corporation, de Rupert Murdoch, assumiu o controle de alguns dos jornais ingleses e norte-americanos de maior tiragem (The Times, The Sun, The New York Post...), possui o canal de televisão por satélite BskyB e uma emissora de televisão nos Estados Unidos (Fox), além de uma das maiores empresas de produção de seriados para a televisão e de filmes (Twenty Century Fox)...

O império Dassault - Na Europa, o grupo Bertelsmann  a maior editora do mundo  adquiriu o grupo RTL e passou a controlar, na França, a rádio RTL e o canal de televisão M6; Silvio Berlusconi possui os três principais canais privados de televisão na Itália e controla, enquanto presidente do Conselho de Ministros, todos os canais públicos; na Espanha, a empresa Prisa controla o jornal El País, a rede radiofônica SER, a emissora paga Canal Plus España e detém a principal rede de editoras...

Na França, a crise do mercado publicitário, a queda nas vendas de jornais e a chegada de jornais gratuitos induzem à fusão de importantes jornais da imprensa nacional e incentiva a participação de empresários da indústria nas empresas em dificuldade. Nesse contexto, o colapso da Vivendi Universal Publishing (VUP) provocou um abalo radical.

Presidido por Serge Dassault, um político de direita, o grupo Dassault, que já controla Le Figaro e inúmeros jornais regionais, adquiriu o semanário L’Express, a revista L’Expansion e mais 14 títulos, tornando-se, por meio de sua empresa Socpress, o principal grupo de imprensa diária da França.

Mercadores de canhões... - Por seu lado, o grupo Lagardère, presidido por Jean-Luc Lagardère  amigo de Jacques Chirac e dono das maiores editoras da França (Hachette, Fayard, Grasset, Stock...), que já possui jornais regionais (Nice Matin, La Provence), domina o mercado das revistas (Paris Match, Elle, Télé 7 jours, Pariscope…), controla a distribuição de jornais através de sua empresa Relay e da rede Nouvelles Messageries de la Presse Parisienne (NMPP) e comprou o cartel editorial da VUP (Larousse, Robert Laffont, Bordas...), tornando-se um dos gigantes das comunicações na Europa e não escondendo sua ambição de abocanhar o Canal Plus, ou o canal público France 2...

Esses dois grupos, Dassault e Lagardère, que atualmente dominam as comunicações na França, apresentam em comum a inquietante particularidade de se terem constituído em torno de uma empresa-mãe cuja principal atividade é militar (aviões de combate, helicópteros, mísseis, foguetes, satélites...).

Realiza-se, portanto, a velha e temida profecia: alguns dos maiores veículos de comunicação estão, atualmente, nas mãos de mercadores de canhões... Numa hora de tensão, devido à questão do Iraque, é razoável supor que esses meios de comunicação não se irão opor com unhas e dentes a uma intervenção militar contra Bagdá...

A informação como mercadoria - Os apetites carnívoros dos novos imperadores das comunicações levam outras publicações a procurar alternativas para fugir a uma eventual tomada de controle. O grupo Le Monde, por exemplo, aproximou-se recentemente da editora Vie catholique (Télérama, LaVie), da qual adquiriu 30% do capital, assim como do semanário Le Nouvel Observateur, e pensa aplicar parte de seu capital na Bolsa de Valores.

A concentração dos meios de comunicação ameaça o pluralismo da imprensa. Leva a privilegiar a rentabilidade. E a colocar, nos postos de comando, administradores cuja preocupação é responder às exigências dos fundos de investimento que detêm uma parte do capital. Esses "fundos baseiam-se em taxas de retorno dos investimentos de 20% a 50%, de acordo com o risco que representam os ativos. Como a imprensa é considerada um setor de relativo risco", não hesitam em exigir "enxugamentos com demissões de trabalhadores"...

Um dos direitos mais preciosos dos seres humanos é o de comunicar livremente suas idéias e opiniões. Nas sociedades democráticas, a liberdade de expressão não somente é garantida como se faz acompanhar por outro direito fundamental: o de ser bem informado.

Ora, esse direito é posto em risco pela concentração dos meios de comunicação, pela fusão de jornais  que antes eram independentes  em grupos que se tornaram hegemônicos. Deverão as pessoas tolerar esse abuso contra a liberdade de imprensa? Aceitarão que a informação seja reduzida a uma mera mercadoria?

(*) Ignacio Ramonet é diretor-presidente do jornal francês Le Monde diplomatique. Texto publicado na edição brasileira Diplô e distribuído pela Internet, com tradução de Jô Amado.