NOTÍCIAS 2003
Os novos imperadores da mídia
Ignacio Ramonet (*)
Colaborador
No setor das comunicações, a irrupção da Internet e a
revolução digital provocaram um trauma sem precedentes. Construíram rapidamente impérios gigantescos. E, à sua passagem, pisotearam
alguns valores fundamentais: em primeiro lugar, a preocupação por uma informação de qualidade.
Pelo mundo afora, conglomerados gigantes apoderam-se dos meios de comunicação. Nos Estados
Unidos, onde as regras anti-concentração foram abolidas em fevereiro de 2002, a America On Line comprou a Netscape, a revista
Time, a empresa cinematográfica Warner Brothers e o canal de notícias (24 horas por dia) CNN; a General Motors, maior
empresa do mundo por sua capitalização na Bolsa de Valores, abocanhou o canal de televisão NBC; a empresa Microsoft, de
William Gates, reina no mercado de software, pretende conquistar o dos vídeo-jogos com seu console X-Box e, por meio de sua
agência Corbis, domina o mercado fotográfico de imprensa; a News Corporation, de Rupert Murdoch, assumiu o controle de alguns dos
jornais ingleses e norte-americanos de maior tiragem (The Times, The Sun, The New York Post...), possui o canal
de televisão por satélite BskyB e uma emissora de televisão nos Estados Unidos (Fox), além de uma das maiores empresas de
produção de seriados para a televisão e de filmes (Twenty Century Fox)...
O império Dassault - Na Europa, o grupo Bertelsmann a maior editora do mundo
adquiriu o grupo RTL e passou a controlar, na França, a rádio RTL e o canal de televisão M6; Silvio Berlusconi possui os três
principais canais privados de televisão na Itália e controla, enquanto presidente do Conselho de Ministros, todos os canais
públicos; na Espanha, a empresa Prisa controla o jornal El País, a rede radiofônica SER, a emissora paga Canal Plus
España e detém a principal rede de editoras...
Na França, a crise do mercado publicitário, a queda nas vendas de jornais e a chegada de
jornais gratuitos induzem à fusão de importantes jornais da imprensa nacional e incentiva a participação de empresários da indústria
nas empresas em dificuldade. Nesse contexto, o colapso da Vivendi Universal Publishing (VUP) provocou um abalo radical.
Presidido por Serge Dassault, um político de direita, o grupo Dassault, que já controla
Le Figaro e inúmeros jornais regionais, adquiriu o semanário L’Express, a revista L’Expansion e mais 14 títulos,
tornando-se, por meio de sua empresa Socpress, o principal grupo de imprensa diária da França.
Mercadores de canhões... - Por seu lado, o grupo Lagardère, presidido por Jean-Luc
Lagardère amigo de Jacques Chirac e dono das maiores editoras da França (Hachette, Fayard, Grasset, Stock...), que já possui
jornais regionais (Nice Matin, La Provence), domina o mercado das revistas (Paris Match, Elle, Télé 7
jours, Pariscope…), controla a distribuição de jornais através de sua empresa Relay e da rede Nouvelles Messageries de la
Presse Parisienne (NMPP) e comprou o cartel editorial da VUP (Larousse, Robert Laffont, Bordas...), tornando-se um dos gigantes das
comunicações na Europa e não escondendo sua ambição de abocanhar o Canal Plus, ou o canal público France 2...
Esses dois grupos, Dassault e Lagardère, que atualmente dominam as comunicações na França,
apresentam em comum a inquietante particularidade de se terem constituído em torno de uma empresa-mãe cuja principal atividade é
militar (aviões de combate, helicópteros, mísseis, foguetes, satélites...).
Realiza-se, portanto, a velha e temida profecia: alguns dos maiores veículos de comunicação
estão, atualmente, nas mãos de mercadores de canhões... Numa hora de tensão, devido à questão do Iraque, é razoável supor que esses
meios de comunicação não se irão opor com unhas e dentes a uma intervenção militar contra Bagdá...
A informação como mercadoria - Os apetites carnívoros dos novos imperadores das
comunicações levam outras publicações a procurar alternativas para fugir a uma eventual tomada de controle. O grupo Le Monde,
por exemplo, aproximou-se recentemente da editora Vie catholique (Télérama, LaVie), da qual adquiriu 30% do capital,
assim como do semanário Le Nouvel Observateur, e pensa aplicar parte de seu capital na Bolsa de Valores.
A concentração dos meios de comunicação ameaça o pluralismo da imprensa. Leva a privilegiar
a rentabilidade. E a colocar, nos postos de comando, administradores cuja preocupação é responder às exigências dos fundos de
investimento que detêm uma parte do capital. Esses "fundos baseiam-se em taxas de retorno dos investimentos de 20% a 50%, de acordo
com o risco que representam os ativos. Como a imprensa é considerada um setor de relativo risco", não hesitam em exigir
"enxugamentos com demissões de trabalhadores"...
Um dos direitos mais preciosos dos seres humanos é o de comunicar livremente suas idéias e
opiniões. Nas sociedades democráticas, a liberdade de expressão não somente é garantida como se faz acompanhar por outro direito
fundamental: o de ser bem informado.
Ora, esse direito é posto em risco pela concentração dos meios de comunicação, pela fusão de
jornais que antes eram independentes em grupos que se tornaram hegemônicos. Deverão as pessoas tolerar esse abuso contra
a liberdade de imprensa? Aceitarão que a informação seja reduzida a uma mera mercadoria?
(*) Ignacio Ramonet é diretor-presidente do jornal
francês Le Monde diplomatique. Texto publicado na edição brasileira Diplô
e distribuído pela Internet, com tradução de Jô Amado. |