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NOTÍCIAS 2002

Atender no tom é um dom

Mário Persona (*)
Colaborador

O piano olhava mudo para o espaço vazio à sua frente. O sorriso de teclas brancas, engastadas sob uma gengiva de flanela vermelha, se escondia atrás dos lábios de madeira. Sem ânimo para tocar para uma audiência que não tinha onde sentar. O jogo de sofás mudara de endereço, deixando um triste silêncio no local.

Eram quase seis da tarde, véspera de feriado, quando minha mãe e minha filha resolveram preencher aquele espaço. Olhavam indecisas para os sofás na loja de móveis. Será que daria para levar um daqueles conjuntos até o apartamento para experimentar? Antes de comprar, precisavam saber se combinaria com o piano e os outros móveis.

O vendedor nem titubeou. Dois estalos de dedos depois, e um caminhão com dois bem-humorados colaboradores estacionava em frente ao meu prédio. Logo, dois estofados resfolegantes arfavam em frente ao piano. Que mantinha a tampa fechada, para não rir da cumplicidade da dupla neta-avó, cujos cinqüenta anos de diferença nada tinham de abismo entre gerações. "Puxa aqui", "empurra ali", "mais para cá", ordenavam em uníssono.

Enquanto os prestativos colaboradores rodopiavam móveis diante do piano, próximo dali uma cliente escolhia um perfume numa loja de grife. "Posso dar um cheque para trinta dias?" A vendedora, mais preocupada com o fim de expediente do que com a cliente, negou. E, para deixar claro que atender era para ela tão agradável quanto expelir cálculos renais, completou: "Perfume é supérfluo; só compra quem tem dinheiro para pagar à vista." A cliente saiu, o perfume ficou.

Ler nas entrelinhas - Não vendemos apenas o que a cliente quer. Vendemos como, quando e onde ela quer. Se o que pede é um carro pequeno, nas entrelinhas lemos econômico, não desconfortável. O que deseja é sua vontade; o que não diz, sua necessidade. Mas há outras linhas escondidas entre as entrelinhas, que você só conseguirá ler se vender com prazer. Por exemplo, o que a cliente não revela, como o desejo de ser bem atendida, ouvir palavras agradáveis, ganhar um elogio ou coisas assim.

Mas não pára aí. Quem compra quer um algo mais, uma vantagem, uma surpresa. Talvez um brinde. Cautela, porém. Brindes promocionais costumam levar a mensagem explícita: "Você é tão importante para nós que... queremos usá-lo para fazer propaganda de graça". E dá-lhe marca estampada em camiseta para ser esquecida em alguma gaveta. Se tiver sorte, sua marca poderá aparecer de graça na TV, no peito de um detento sobre o muro de algum presídio amotinado. Ou do refém.

Melhor do que brinde é presente. Dado com pompa e graça, para que a cliente recorde o momento e o seu atendimento. Que valor ela daria àquela caneta, relógio ou camiseta se não tivesse sua marca para dar valor? Valorizaria como presente. Valor e marca são sinônimos. Representam a vantagem que a cliente percebe naquilo que compra ou recebe. Não a intenção que você atribui àquilo que distribui.

Mas não há presente, preço ou prazo que se comparem a um bom atendimento. Daqueles que deixam um eco na mente do cliente, qual nota tangida na freqüência de seus desejos satisfeitos. Atender no tom é um dom. Foi assim com o conjunto de estofados. O atendimento foi tão bom que minha mãe e minha filha pediram bis. "Daria para os senhores buscarem o outro conjunto, para vermos qual fica melhor?"

Algo mais - Enquanto os alegres carregadores garantiam que sim, eu me escondia. De vergonha. O expediente na loja já tinha sido encerrado, mas não o expediente que garantiria fidelizar aquelas clientes. Logo os dois venciam os três andares com outro conjunto, agora azul, contrastando com o vermelho de suas faces. Se os entregadores já estavam alegres, você precisava ver o sorriso que deram quando elas decidiram ficar com aquele conjunto.

O atendimento não parou ali. As clientes ainda tinham um desejo escondido sob os sofás. Era preciso escurecer os pés para combinar com a madeira do piso. Os dois já tinham lido os pensamentos e removiam os pés a quatro mãos. Ficamos todos encantados com a coreografia. É provável que minha mãe e minha filha voltem lá se decidirmos trocar o piano. Sim, pensei o mesmo que você. Irei junto para certificar-me de que elas decidam na loja. Afinal, pianos não são feitos de espuma.

(*) Mário Persona é consultor, escritor e palestrante, além de autor dos livros Crônicas de uma Internet de verão, Receitas de grandes negócios e Gestão de mudanças em tempos de oportunidades. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis.