NOTÍCIAS 2002
Big Monkey's Blues
Mário Persona (*)
Colaborador
Esta já é a quinta casa e Toninho ainda não vendeu um só
repolho em seu primeiro dia de empresário-mirim. Enquanto levanta a cesta para a dona escolher, um pensamento ecoa na mente do
menino: "Tomara que compre, tomara que compre..." Comprou. Estamos em Limeira, interior de São Paulo. O ano? O mesmo em que Toninho
completa seis anos de idade.
Antonio Guerreiro está inquieto. Estamos em 1984 e ele já não é menino. É diretor de uma das
maiores fábricas de rodas do mundo. No chão de fábrica, figuras melancólicas trabalham sem qualquer motivação, vestidas em
engraxados macacões azuis. Um batalhão de Carlitos, de Tempos Modernos, com a auto-estima abaixo do chão. Sua rotina é
acordar, vestir o macacão, ir trabalhar, voltar para casa, tirar o macacão e dormir. No dia seguinte o apito da fábrica pede bis.
Um psicólogo importado diagnosticaria que sofrem de blues, uma melancolia. Eu, mais
marketeiro, talvez sugerisse motivá-los a investir na imagem. O macacão carece de uma identidade própria? Vamos criar um
nome, para impressionar. Em lugar de "macacão", vamos chamá-lo de "Big Monkey". A cor? "Grease blue", ou azul-graxa. Azul é modo de
dizer. A coisa está mais para preta.
Mas Antonio confabula com seus botões que o problema não está na roupa, embora pretenda
usá-la para chegar à raiz. Escolhe alguém da produção para vestir uma camisa branca. "Camisa branca, chefe?! Vai sujar..." E sujou.
Descobriu a razão e solucionou. De tanto suja-descobre-soluciona, a fábrica muda. Ou melhor, o que muda é a atitude. A princípio, é
só um que ganha a camisa. Os outros começam a pedir. Um curso, uma cerimônia de entrega com a presença da família, e está criado o
ícone, uma ode à qualidade.
Nova bossa - Para não sujar a camisa, cada um mantém sua máquina absurdamente limpa,
e o piso também. Menos horas paradas por causa de vazamentos, máquinas quebradas e faxina. Peças grandes, antes carregadas no abraço
e apoiadas na dobra da barriga, agora são levantadas por equipamentos próprios. Alguns criados pelas mesmas cabeças cujos pescoços
são esfregados no banho, para não sujar o colarinho. Fim dos problemas de coluna com injeções de criatividade.
A revolução continua. Em reuniões periódicas, quem fala é a produção e quem ouve é a
direção. O conhecimento é trocado numa gestão participativa, protagonizada pelos responsáveis pela atual sala de visitas da empresa:
o chão de fábrica. Dá-lhe injeção de auto-estima. Em casa, cada esposa descobre que seu marido é mais que um macacão perdido na
multidão. É o fim da melancolia, do "Big Monkey's Blues". A bossa-nova começa a conquistar o mundo.
Por dois anos, Antonio Guerreiro viaja, implantando a filosofia "Camisa Branca" em mais de
duzentas fábricas da Rockwell em todo o mundo. Peter Drucker, em entrevista à Wired Magazine, diz que uma organização precisa
ser como banda de jazz - todos criando a partitura enquanto tocam. "Soa bonito, porém ninguém realmente descobriu como fazer isso",
considerou. Alguém descobriu. Um brasileiro do interior dá o tom, e a turma toca. Nem jazz, nem blues, a solução é sertaneja.
Xique nu úrtimu.
Estamos na Flórida. David Ulrich, guru da administração, termina sua palestra. Antonio
Guerreiro sobe ao palco, dá dois tapinhas no microfone e começa a falar. Na tela, os slides mostram o que era chão de
fábrica, agora piso de fábrica, mais limpo que a pia de minha cozinha. Empilhadeiras, com pneus revestidos por capas de tecido para
não marcar o piso, circulam entre máquinas operadas por pessoas vestidas com camisas brancas desde 1984 - trocadas todos os dias,
evidentemente.
Guerreiro termina sua palestra e a garganta dá um nó. Diante dele, os cento e vinte
principais executivos da Rockwell International aplaudem de pé. Antonio pensa nos verdadeiros homenageados, aqueles que literalmente
vestiram a camisa e conquistaram prêmios no mercado internacional. Em Detroit, Lee Iacocca se admira com os prêmios de qualidade de
um fornecedor da Chrysler. É uma fábrica numa tal de Limeira. "Where is Limeira?" indaga. "Brazil", responde um assessor. Não
pergunta mais nada. Nem da selva, nem das cobras ou macacos. Nem dos macacões.
(*)
Mário Persona é consultor, escritor e
palestrante, além de autor dos livros Crônicas de uma Internet de verão,
Receitas de grandes negócios e Gestão de mudanças em tempos de oportunidades. Esta crônica faz parte dos temas
apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém
endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis. |