NOTÍCIAS 2002
O Grande Irmão
Marcelo Pessôa e Carlos Cabral (*)
Colaboradores
Na Web, nossas informações pessoais são constantemente
recolhidas e utilizadas pelos sites com os quais nos conectamos sob os mais diversos pretextos: movimentar contas-correntes,
concretizar compras em rede, realizar investimentos, pagar impostos, receber notícias de jornais, pesquisar assuntos do nosso
interesse e outros.
Esses sites utilizam as informações pessoais por nós fornecidas para nos proporcionar as
maravilhosas facilidades que a Internet trouxe para o cotidiano, como respostas mais rápidas, entretenimento, serviços
personalizados e ofertas de produtos adequados aos nossos desejos e perfis de consumo. Isto é ótimo e, em tese, não há porque se
preocupar. Afinal, somos apenas mais um dos milhões de usuários que utilizam a rede para satisfazer suas curiosidades ou
necessidades. Sentimo-nos livres como visitantes anônimos de uma grande feira mundial.
A realidade, porém, é diferente. Precisamos estar conscientes que essa coleta de dados gera
registros detalhados de nossa vida pessoal e estes registros, cada vez que navegamos, são "inteligentemente" colecionados em bancos
de dados e constantemente aperfeiçoados, com novos registros.
Movimentar contas bancárias revela nossas finanças (renda, investimentos e patrimônio),
compras em supermercados em rede revelam nosso padrão de alimentação (nossa saúde), compras em farmácias em rede revelam consumo de
remédios (nossas doenças), assuntos pesquisados revelam nossas áreas de interesse (entretenimento, profissão, política, religião,
sexo etc.) e assim por diante.
Dossiês perigosos - Esses dossiês, contendo nossos dados pessoais (nome, sexo, data
de nascimento, endereços e números de documentos pessoais), quando enriquecidos por meio do "cruzamento" com outras bases de dados
obtidas em rede ou desconectadas, produzem perfis de consumo detalhados e quase exatos sobre nós e, por isso, possuem alto valor
mercadológico na Internet – as chamadas PII (Personally Identificable Information) ou IPI (Informações Pessoais Identificáveis), em
português. IPIs completas e atualizadas possuem alto valor de negociação, pois se constituem no mais poderoso instrumento de
mercadologia no mundo da Internet.
Se esses dossiês sobre nossa vida privada e íntima sempre fossem feitos com o nosso
conhecimento e autorização, por sites confiáveis e por pessoas competentes e éticas, ou fossem usados somente para nos beneficiar,
isto também seria ótimo.
Porém, na Internet brasileira, muitos sites, além de utilizar nossos dados pessoais para nos
enviar mensagens eletrônicas comerciais sem nosso conhecimento ou permissão, podem trocar, ceder ou vender estas informações a
terceiros, como parte de sua estratégia empresarial.
Sem garantia - É aí que devemos começar a ficar preocupados. Não há garantia alguma
de que informações sobre nossos padrões de alimentação, uso de remédios, compras de bebidas alcoólicas ou assuntos de interesse
pessoal ou sigiloso sempre serão usadas dentro de determinados limites, com discernimento ético ou por profissionais preparados e
bem intencionados. O risco de falhas é muito alto e as conseqüências de tais erros podem nos causar perdas irreparáveis ou danos
morais graves à nossa vida pessoal.
Afinal, nossas informações pessoais são, metaforicamente falando, "a porta de entrada da
nossa casa" – um meio de acesso à nossa privacidade. Manter essa "porta" fechada e abri-la apenas para as pessoas de nossa confiança
é a melhor conduta.
(*) Marcelo Pessôa é especialista em Tecnologia de
Informação, professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP e presidente da Fundação Vanzolini.
Carlos Cabral é consultor de mercadologia e administrador do Programa de Privacidade OnLine da
Fundação Vanzolini. |