NOTÍCIAS 2002
Gestação do conhecimento
Mário Persona (*)
Colaborador
Houve um tempo em que a força física tinha valor. A força
estava no braço. Com a revolução industrial as apostas sorriram para a habilidade técnica. A força estava na ferramenta. Veio a
comunicação fácil - Viva a era da comunicação! - a informação abundante - Viva a era da informação! - e todos ficaram capitalizados
intelectualmente - Viva a era do conhecimento! Onde estamos agora? Depois do banquete. Chegamos à era do arroto.
Estou bem servido, cheio, inchado de informação. Começo a sentir os efeitos colaterais.
Sinto-me enfastiado. Durmo acordado para pensar em tudo o que penso. Acordo dormindo para fazer tudo o que faço e no fim do dia
minha lista cresceu. Tenho gigabytes de informação no micro, no notebook, no Palm, na Internet, na revista do banheiro. Aonde
quer que eu vá, ela está. Para um papo só, emoção passageira, nada sério, só verão. Quando vejo, não ficou nada, não houve gestação.
Falamos de gestão do conhecimento sem saber como gerir essa gestão. Muito menos parir sua
gestação. Encantados com o meio, nem pensamos no fim. Conhecimento não é informação acumulada. Esta é barriga d'água, parece bebê
mas não é. Ou gases. Quem tem se gaba, até botar pra fora. Conhecimento tampouco é tecnologia. Esta ajuda a fazer a gestão, não a
gestação. No parto do conhecimento ela vira fórceps para quem o dano humano que se dane.
Inerente - Não são os dados que dão valor ao conhecimento, mas os resultados. O
conhecimento é inerente ao humano. Corte o cordão umbilical e o conhecimento já era. O que resta é a placenta, a informação
dissociada da criação, intuição e razão. Alguns a acalentam como filha, mas não é. É no rebento que está o conhecimento, fluido,
como são os humores vitais. Quem corta o casulo da borboleta para economizar ao inseto o esforço hercúleo do parto - "esforço
hercúleo" em borboleta?! - não faz favor algum. A pobrezinha acaba aleijada das asas.
Ser espremida na saída ativa os humores que regam as asas e as fazem funcionar. O
conhecimento é assim. Está condicionado ao ambiente, às forças que se opõem, a uma conjunção de fatos e fatores que o tornam útil.
Não basta abrir a torneira. É preciso sorver, digerir e fazer fluir. Só quando flui é que é bom. Caso contrário não passa de
informação.
Daí a importância do ser humano no processo. E do processo ser humano. Conhecimento brota de
fontes humanas, alimentadas de nutrientes de fora, de dentro e de dentre seu ambiente. Neste sentido a corporação é um organismo
vivo, fértil e fertilizador. Há quem pense que comunicar seja desperdiçar segredos. Eremitas, seguem a escola "Mar Morto" de gestão
do conhecimento.
O Mar Morto é morto porque suas águas estão saturadas de sais. A sonora melodia das águas
mananciais perde ali o compasso. Só saem evaporadas, dispersas e silenciosas, por força de um sol maior, já que não podem dar ré
pelo sustenido Jordão. Nenhum desfecho retumbante, nenhum efeito cascata, nenhuma energia gerada ou terras fertilizadas. Águas
cativas num banco dos dados cristais de sal. O mar é morto porque só recebe. Nunca dá.
Entre orelhas - Gestão do conhecimento não é gestão de estoque de peças de reposição.
É gestão da produção - de fábricas construídas entre orelhas. Que falam e ouvem, riem e choram, sonham e se apaixonam, criam e
deduzem, inferem e intuem. Um tesouro impossível de se armazenar sob o risco de estagnar. E a tecnologia? Ora, serve para bombear
esse ouro líquido, ou vira uma sina para quem não a domina. O conhecimento não vale o quanto pesa, mas o quanto flui. E só flui se
os vasos forem comunicantes e as cabeças pensantes. Saber onde colocar essas cabeças é vital na gestão do conhecimento.
Saber onde colocar a cabeça era algo que a jovem humilde, atendida pela primeira vez por meu
amigo dentista, não sabia fazer. Ao entrar no consultório, recebeu a ordem simples de se reclinar na poltrona e colocar a cabeça
sobre o apoio. Quando meu amigo percebeu, ela já estava com o corpo absurdamente transversal e a cabeça sobre a pequena pia de
cuspir. Talvez achando que os cabelos seriam lavados antes que os dentes fossem tratados.
(*)
Mário Persona é consultor, escritor e
palestrante, além de autor dos livros Crônicas de uma Internet de verão,
Receitas de grandes negócios e Gestão de mudanças em tempos de oportunidades. Esta crônica faz parte dos temas
apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém
endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis. |