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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 06/14/02 12:23:38
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NOTÍCIAS 2002

Embalagem cinco estrelas

Mário Persona (*)
Colaborador

Detesto fazer compras. Não tanto pelo dinheiro, mas por dar pouca atenção ao apelo. São poucas as coisas que eu gostaria de possuir ou que conseguem me seduzir. Comprar roupa seguramente não é uma delas. A vendedora que me enfia numa cabina deve ter a impressão de estar enfiando um gato numa tina. É comum eu precisar trocar metade do que compro por ter comprado com metade da cintura que uso. Em estado de choque, não sinto a pressão na barriga.

Mas, eventualmente sou obrigado a renovar minha embalagem e valorizar a imagem. Da última vez comprei também uma camisa verde-oliva de mangas compridas. Caiu bem, apesar de sempre ter evitado a cor, por medo de combinar com minha tez em dias de fígado ruim. Porém, como acontece com o espinafre no Popeye, aquela camisa verde-oliva até que deu uma injeção de vitamina em minha já combalida auto-estima. Nunca pensei que o miolo pudesse ficar tão importante só com a troca da capa.

Aconteceu com o livro "A Civil Action", de Jonathan Harr, lançado em 1995 para ser um fracasso de bilheteria antes mesmo de virar filme. Aí a editora decidir lançar novamente o mesmo miolo com uma capa colorida, diferente da capa anêmica da primeira edição. Foi um sucesso de vendas. Até o início de 1999 tinha vendido um milhão e meio de cópias, chegando a ficar cento e quatorze semanas na lista dos mais vendidos do New York Times. Acabou estrelado por John Travolta no filme que no Brasil teve o nome de "A Qualquer Preço". Graças a uma nova capa.

Valorizar o miolo - Como acontece com o livro, outros produtos também precisam de uma casca que valorize o miolo. Falo da embalagem, este simples invólucro que é hoje um elemento-chave na promoção. Principalmente para produtos vendidos em supermercados, perdidos em labirintos de prateleiras repletas de iguais. Ali a embalagem precisa gritar para quem passa: "Eu sou melhor, eu lavo mais branco, eu dou mais energia..."

Empresas que negligenciaram o poder da embalagem já empacotaram. Esqueceram-se de que a embalagem transporta a imagem. "Mas quem paga esse custo?", gritará alguém de dentro de sua caixa de papelão ondulado. O cliente, se a embalagem transportar segurança, comodidade e conveniência, além da imagem. Nenhum de nós gosta de tomar bolas de sorvete servidas na palma da mão, por isso pagamos pelo copinho.

Mas não é fácil criar uma embalagem. Primeiro é preciso conceituar: o que ela é e o que fará ao produto. Depois, dimensionar, decidir a forma, material, cores, texto, marca. Dependendo do produto, entra o quesito segurança. Como naqueles remédios ou produtos de limpeza americanos, cuja tampa nenhum adulto consegue abrir. Só crianças. Embalagens confusas podem causar desastres. Uma marca de amendoim precisou ser retirada do mercado por estragar máquinas de moer café. É que a embalagem era idêntica à do café em grãos e os clientes faziam confusão.

Antes de ir para a prateleira, o teste visual da embalagem é importante. Comprei uma caixa de flocos de milho que trazia a imagem de um floco redondo e ampliado, com um desenho de um brilho energético irradiando do centro. De longe o desenho parecia mais uma laranja cortada, comprometendo a mensagem visual que quiseram passar. Outro teste é o da influência da cor no sabor. Numa pesquisa com um mesmo café servido em xícaras diante de embalagens de diferentes cores, os clientes acharam o café da embalagem marrom mais forte, o da branca mais fraco.

Percebi o quanto a cor da roupa que nos embala pode impressionar quando vesti minha camisa verde-oliva para visitar um cliente. Para ganhar tempo, peguei um atalho, uma estrada que atravessava uma academia militar. Ao me aproximar do posto de guarda, percebi que o soldado me fixava com um interesse incomum. Ao passar por ele lentamente, o jovem empertigou-se todo, juntou os pés num sonoro bate-botas, estufou o peito e travou uma continência daquelas que só general cinco estrelas costuma merecer. Na certa devia estar esperando por alguém desse naipe, embalado num carro igual ao meu. E vestido numa camisa verde-oliva.

(*) Mário Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis.