NOTÍCIAS 2002
Pra quê mudar, mudar pra quê?
Mário Persona (*)
Colaborador
No mercado norte-americano do século dezenove, fabricar velas
era um bom negócio. A demanda estava aquecida, mas tinha pavio curto. Logo Thomas Edison daria à luz uma vela cujo pavio não apagava
com o vento. Tão revolucionária que tiraria da vela tradicional a sua fatia do mercado de iluminação. Esta acabaria sem a fatia, mas
com o bolo. Só que de aniversário.
A indústria de velas viu seu lucro virar fumaça. Nem a ver navios ficou, já que o vapor
tinha aposentado aquela vela também. O próprio vapor já começava a se desvanecer, levado pelo vento dos motores a óleo e gasolina
que passavam a mover navios e trens. Ou automóveis, com potência calculada em cavalos-vapor, ambos defuntos na evolução tecnológica,
e pistões impulsionados por... velas! Parece confuso? Mudanças são assim. Parodiando um autor desconhecido, o progresso caminha de
velório em velório.
Oito minutos - Negócios acostumados com um sucesso linear são presa fácil das
mudanças. Repousam sobre os resultados do aqui e agora, sem se importar com o ali e depois. Não percebem que quando o Sol se apagar
ainda teremos oito minutos de praia, o tempo que a luz leva para viajar à Terra. Enquanto se bronzeiam num mercado em ebulição,
alguém está inventando a lâmpada que selará sua extinção. Para apagar a velinha de seu último aniversário.
Lucro não é salvaguarda. De tanta prata, o vidro transparente da janela que permitia
enxergar o mercado acaba virando espelho. Aí Narciso se esbalda com o reflexo de sua própria competência. Geralmente começa com uma
direção embasbacada e contamina a produção. Quem irá dizer ao chefe que é preciso mudar? Todos preferem continuar fazendo
pós-graduação em bajulação.
Há quem pense que mudar é comprar. Por isso, quando as coisas vão mal, compram, fundem e
incorporam. Mesmo correndo o risco de uma obesidade mórbida, o peso que tem seu preço. Que também costuma ser pesado. Números que
repentinamente duplicam, triplicam e quadruplicam podem impressionar investidores desavisados, mas em alguns casos não passam da
visita da saúde. Os últimos estertores do moribundo.
Mudar também não é pular de estratégia em estratégia, sem paciência para esperar o galho
parar de balançar. Isso gera confusão na cabeça da equipe, que vê cada nova direção como faz-de-conta. Desmotiva quem produz e
desmoraliza quem conduz. Mudar é preciso. Vivemos numa época que não é só de qualidade contínua, mas de mudança contínua. Só que
mudar por mudar é demolir sem construir. A diferença entre mudar para o fracasso ou sucesso fica por conta da criatividade.
De exemplos de mudança com criatividade o mercado está cheio. Empresas que mudaram
radicalmente, mas nem tanto quanto o treinador que prometeu fazer seu time dar uma guinada de 360 graus, o que o colocaria no mesmo
lugar. Em 1906 a Minnesota Mining and Manufacturing era uma mineração falida, da qual só restavam resíduos de minério e pó. Alguém
resolveu grudar aquele pó em folhas de papel e vender como lixa. Do pó renascia uma Fênix dos tempos modernos, transformando-se na
gigante 3M, que incorporou uma cultura de inovação constante.
Recheio de ar - Às vezes a solução pode vir de um incidente com prejuízo aparente,
como o causado por um operário da fábrica de velas que deixou sua máquina ligada ao ir almoçar. A matéria prima para sabão, um novo
produto para compensar o apagão das velas, virou uma massa cheia de bolhas de ar. Se ainda fosse para fabricar velas, teriam
inventado a velinha de bolo que já vem com sopro. Mas como era para sabão, decidiram não desperdiçar a produção. Sucesso absoluto.
No século dezenove, quando o rio ainda era o tanque de lavar roupa e a banheira de muita
gente, o sabão - que sabidamente é liso como tal - podia ser considerado perdido se escapasse da mão. Sem querer, aquele operário
acabara de inventar o sabão que boiava, graças à massa areada. O rio inteiro virou saboneteira. O "Ivory Soap" foi um sucesso tão
grande que desbancou a decadente vela da linha de produtos da empresa fundada em 1837 por James Gamble e Harley Procter. A Procter
and Gamble aprendia a importância de mudar e inovar.
(*)
Mário Persona é consultor, escritor e
palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico
Crônicas de Negócios e mantém endereço próprio
na Web, onde seus textos estão disponíveis. |