NOTÍCIAS 2002
A essência de um atendimento essencial
Mário Persona (*)
Colaborador
"E não se esqueça de trazer algum troco, 'seu' Odemir". É
assim que termina o telefonema que minha mãe faz periodicamente a uma mercearia de minha cidade. Viúva, e com alguma dificuldade de
locomoção, ela depende da mercearia para coisas que não encontra nas prateleiras dos grandes supermercados: atenção, carinho e
consideração. Além de algum troco para o cheque, que ela sempre faz com valor maior para evitar ir ao caixa eletrônico. Como já não
dirige, o banco drive-through não ajudaria.
A mercearia do 'seu' Odemir traz no nome a sugestiva palavra "Essencial". É evidente que
aquilo que é essencial para minha mãe vai muito além da grande variedade de produtos e promoções alardeadas pelos supermercados.
Essencial, para quem pertence ao grupo que chamamos de terceira idade, é um atendimento humano, atenção e ouvidos pacientes. Além da
companhia para um cafezinho, quando o próprio 'seu' Odemir, sua esposa ou ambos fazem a entrega da semana.
Vivemos numa época de deslumbramento por empresas grandes e poderosas. Até os livros e
cursos de administração e marketing dão pouca atenção a empresas pequenas e despretensiosas. O paradoxo é que são elas que
geram a maioria dos empregos em nosso País. As estatísticas mostram que dos dois milhões de novos empregos gerados em cinco anos,
apenas cem mil teriam sido criados por grandes empresas. Dá para perceber com que pernas caminha o progresso?
Seja imitado - O problema do pequeno empreendedor começa quando ele quer imitar o
grande. Começa perguntando "o que devo fazer para ser igual ao grande?", quando deveria perguntar "o que o grande está tentando
fazer para ser igual a mim?" Conseguir forjar o atendimento humano e carinhoso de uma mercearia de bairro é o sonho das grandes
empresas. Mas não conseguem e nem conseguirão, a menos que se pulverizem em pequenos ambientes de atendimento, cercados de calor
humano como a mercearia do 'seu' Odemir.
Ou como a barbearia do 'Bastião', que cortou meu cabelo desde a infância. Com o mesmo
carinho com que nossos pais guardavam uma mecha de cabelo, ele ainda conserva a pequena tábua que colocava sobre os braços da
cadeira para deixar seus mini-clientes mais altos. O avental era um bônus para compensar a vergonha de sentar na tabuinha. Cobria
tudo, fazendo eu me sentir adulto. 'Bastião' guarda a tábua e as lembranças de milhares de meninos que, como eu, adoravam ir ao seu
salão para ler gibi ou rir com O Amigo da Onça na revista O Cruzeiro.
Será possível um renascimento dos negócios pessoais, personalizados e essenciais como a
mercearia ou a barbearia? Creio que sim, e o raciocínio é simples. A tecnologia, a custos cada vez mais acessíveis, permite que
pequenas empresas desfrutem de todo um sistema de informação e logística de distribuição que as torna competitivas. Principalmente
se estiverem dispostas a oferecer café e serviços informais, que podem ir do divã do analista ao caixa eletrônico.
Nos Estados Unidos, o Umpqua Bank - não me pergunte como se pronuncia - se reinventou na
forma de uma mercearia. Lançou uma marca própria de café, transformou suas 28 agências em lojas de conveniência, com sala de leitura
e acesso à Internet, e revolucionou o atendimento ao cliente. Criou uma atmosfera semelhante à da mercearia do 'seu' Odemir, ou da
barbearia do 'Bastião'. Fazer isso no Brasil seria resgatar uma atividade que deixou saudade em muitos idosos: ir ao banco para
tomar um cafezinho e bater papo. Hoje, ninguém de sã consciência iria querer conversar com um caixa eletrônico.
Pequenas empresas levam vantagem quando adotam novas tecnologias, que as grandes têm, sem
abrir mão do atendimento pessoal, que as grandes não têm. Um exemplo disso é o drive-through. Antes você só entrava com o
carro em uma loja em caso de acidente, mas o sistema começa a aparecer em pequenas farmácias e lanchonetes. O serviço já não era
novidade nos grandes bancos, e eu mesmo passei a usá-lo depois que descobri o quanto ele é importante para meu automóvel. Foi no
drive-through do banco que meu carro teve a chance, pela primeira vez, de conhecer seu verdadeiro dono.
(*)
Mário Persona é consultor, escritor e
palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico
Crônicas de Negócios e mantém endereço próprio
na Web, onde seus textos estão disponíveis. |