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NOTÍCIAS 2002

E por falar em público...

Mário Persona (*)
Colaborador

Quando vi a platéia, tremi. Pela primeira vez iria falar em público. Ainda não era palestrante, mas mágico de um grupo de universitários metidos a teatro amador. Bota amador nisso. Um circo mambembe que saía em vésperas de Natal para entreter o respeitável público de crianças em orfanatos, hospitais e escolas de periferia. Meu papel era fazer desaparecer a tristeza e tirar da cartola a alegria. Era um começo.

Pessoas me perguntam sobre como falar em público e ser palestrante profissional, atividade que hoje ocupa boa parte de meu tempo. Acho que falar se aprende falando e também imitando, como fizemos quando crianças. Quanto a se profissionalizar, nunca pensei em ser palestrante. Quando menos esperava, já era. O conselho é o mesmo que daria a um iniciante em qualquer carreira: Pense grande e comece pequeno.

Minha carreira começou pequena e diminuiu. De mágico de crianças desci a pregador de cabras e galinhas. No dia seguinte iria pregar o evangelho a seres humanos, mas antes queria ensaiar com uma platéia de seres vivos. Falei para as cabras e galinhas em meu sítio. A experiência deu-me confiança para enfrentar qualquer público. A cabras ficaram atentas e recebi uma salva de "bééés". Das galinhas, nenhuma ovação. Mais de vinte anos se passaram desde então.

Tradutor - Palestrar está para o palestrante assim como escrever está para o escritor. O jornalista escreve sobre o que viu, quem entrevistou, quando ouviu, onde esteve, como foi e por que aconteceu. Você abre a revista e lá está o João de Tal escrevendo sobre clonagem. Na semana anterior, João de Tal assinava sobre comércio exterior. Na seguinte, opina sobre trabalho, educação ou nutrição. Depois, vira correspondente de guerra. Mais adiante, fala de moda. Afinal, quem é o João de Tal?

Um tradutor, que sabe como obter do macro as tendências certas, para assá-las no micro das necessidades prementes. E depois servi-las em digeríveis fatias essenciais, enfeitadas com o glacê de suas observações pessoais. O palestrante faz o mesmo. Por isso, posso falar em diferentes eventos, sobre diferentes assuntos, para diferentes públicos, passando para a platéia a síntese do que precisa ser dito. Envolto em bom humor, o tempero da informação que busca uma cadeira cativa no cérebro.

As novas tecnologias devem afetar bastante o trabalho do palestrante. Elas prometem enlatar, via TV, Internet ou videoconferência, o que antes chegava ao vivo. Mas é sempre mais estimulante falar para gente do que para a lente. Pois enquanto falo, observo a reação de quem ouve e vou corrigindo o rumo para manter o prumo. Só que falar ao vivo me deixa apreensivo. Nunca sei quando serei obrigado a interromper meu discurso na metade por causa da garganta. Caso o público queira cortá-la.

É preciso algum esforço para manter a platéia acordada em um ambiente iluminado apenas pela luz de um projetor. Pior ainda se for após o almoço em um dia frio. Aí corro o risco de fazer, para meus ouvintes, a palestra de seus sonhos. Em ocasiões assim aviso a recepcionista para não pedir silêncio aos retardatários que estão entrando. Algum engraçadinho poderia perguntar: "Por que? Já estão todos dormindo?"

Públicos variados me ajudam a manter a flexibilidade no falar. Falo semanalmente para crianças de uma escola dominical e leciono marketing em uma faculdade de administração. Além do público habitual em eventos e empresas que me contratam. Além de ser eclético quanto a temas e públicos, devo estar pronto a reconhecer que alguém poderá fazer um aparte com maior brilhantismo do que o meu blá-blá-blá. Nessas horas é preciso humildade para reconhecer que não sei tudo. Quem se propõe a ensinar deve saber que ainda tem muito para aprender.

Mas nem sempre é fácil escapar ileso de situações embaraçosas. Em minha primeira experiência de falar em público - como mágico do circo mambembe - passei por um sufoco que não estava no programa. Ao mostrar rapidamente o interior aparentemente vazio de uma caixa para o respeitável público de um orfanato, perguntei: "O que tem aqui dentro?" "Nadaaaa!", gritaram todos. Quando o grito terminou, uma vozinha tardia e solitária na primeira fila denunciou estridente: "Um espelhoooo!".

(*) Mário Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis.