NOTÍCIAS 2002
Pelotas conquista Turim
Município reformula política de Saúde Mental
Projeto italiano começou em 1971
Joana Lúcia Maciel (*)
Colaboradora
Pela primeira vez, uma prefeitura participa apoiando um acordo
de cooperação entre Estado e Universidade. Trata-se da Prefeitura de Pelotas/RS:
durante missão em Turim (Itália), no início de 1/2002, o prefeito Fernando Marroni assinou o protocolo onde confirma a participação
desse município no 1° Projeto Internacional de Cooperação e Intercâmbio na Reabilitação Psicossocial, Piemonte/Pelotas.
A cooperação e o intercâmbio serão em parceria com o Assessorado Sanitário da
Região Piemonte, através da Direção do Controle das Atividades, Promoção e educação
sanitária, junto com a Universidade Federal de Pelotas e Universidade dos Estudos de Turim (Università
degli Studi di Torino), que tem como objetivo cooperar e intercambiar as técnicas para o fechamento do Hospital Psiquiátrico.
De acordo com o secretário da Saúde e Bem Estar Social de Pelotas, Dr. Luiz Augusto
Facchini, o projeto em questão "mostrará um Brasil com capacidades não somente de aprender, mas de trocar experiências neste setor,
visto que no Brasil ganhamos o prêmio de melhor serviço à Saúde Mental".
"Sou de pleno acordo com Luiz Augusto, pois as técnicas usadas no Brasil são diferentes das
nossas, mas acredito que seja esta diferença cultural e profissional o fator positivo para compormos uma cooperação rica e positiva
para ajudá-los no processo de fechamento dos hospitais psiquiátricos, visto a nossa experiência com o Hospital Psiquiátrico
de Collegno...", afirma o Dr. Silvio Venuti, co-autor do projeto e diretor responsável pela reintegração psicossocial dos
deficientes físicos e psíquicos, em 12 cidades da Região Piemonte.
O projeto de Cooperação e Intercâmbio em Reabilitação Psico-social terá duração de dois anos
de formação e um ano de estágio na Itália, em particular em Turim, e pretende ser o projeto-piloto para outras cidades brasileiras.
(*)
Joana Lúcia Maciel é jornalista, correspondente de
Novo Milênio baseada em Turim, na Itália. Ela vem desenvolvendo os contatos com
os municípios brasileiros interessados na formulação de parcerias como a firmada com Pelotas.
Município reformula política de Saúde Mental
Carlos Pimentel Mendes
Editor
O município de Pelotas está localizado no Rio Grande do Sul,
no extremo Sul do Brasil, com área de 1.647 km² e população de 320.000 habitantes. O município é pólo econômico regional em um
território de 28 municípios que totalizam cerca de 1 milhão de habitantes, sendo que 75% tem renda familiar média de até US$ 400 e
2% da população superior a US$ 2 mil, segundo dados contidos no próprio projeto apresentado em Turim.
Pelotas se destaca em produção agropecuária, industrialização de alimentos, comércio e
serviços, especialmente em Educação e Saúde. Na Saúde, é referência em cuidados de média e alta complexidade. Na área educacional,
conta com uma universidade pública e uma particular, 23 escolas de nível médio e 170 escolas de ensino fundamental.
A população usa os serviços de saúde da rede básica, composta por 52 unidades, 7
ambulatórios especializados, 4 hospitais gerais e 2 hospitais psiquiátricos. A atenção à Saúde Pública se dá através de programas e
ações, buscando contemplar as necessidades da população avaliada por estudos epidemiológicos de base populacional e banco de dados
de registro contínuo (ex. mortalidade, nascimentos), que orientam os cuidados, considerando a prevalência, gravidade, repercussão
social e vulnerabilidade dos problemas de Saúde.
Por mais de 50 anos, as ações de saúde mental do município de Pelotas foram prestadas
predominantemente em hospitais psiquiátricos (dois, com cerca de 200 leitos cada um). Estes hospitais atendem quase uma centena dos
497 municípios do Rio Grande do Sul. A relação custo-benefício dos cuidados hospitalares (aspecto importante do uso dos recursos de
Saúde) não era considerada. Dados locais mostram internações de longo tempo (média de 57 dias no ano 2000, com custo diário de cerca
de US$ 10), representando 90% dos recursos públicos locais destinados à saúde mental. Tratando-se de uma cidade universitária, a
formação universitária vem se desenvolvendo principalmente na Psiquiatria e na Enfermagem, com predomínio do enfoque hospitalar.
Em 1991, a Secretaria Municipal de Saúde passou a desenvolver ações em Saúde Mental
Comunitária, para atuar junto a rede básica. Para ampliar a assistência a toda a população, a atual administração municipal
(iniciada em 1/2001) reestruturou a política de Saúde Mental, regionalizando os atendimentos através da criação de seis distritos
sanitários e da formação de uma rede de atenção integral em saúde mental.
CAPS - A rede de saúde em Pelotas dispõe de seis Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS) na zona urbana e cada um destes é referência em Saúde Mental para uma população de aproximadamente 50 mil habitantes. O
CAPS-Centro é um centro de formação universitária, composto por uma parceria entre Secretaria Municipal de Saúde, Universidade
Católica de Pelotas e Hospital Universitário São Francisco de Paula, contando com profissionais de diversas áreas, definindo-se como
um CAPS-Escola.
A zona rural conta com a atuação de uma equipe específica de saúde mental responsável pelo
atendimento de aproximadamente 20 mil habitantes.
Em cada território constituiu-se um serviço de atenção diária que responsabiliza-se por todo
atendimento em Saúde Mental da sua área de abrangência (reabilitação psicossocial e ambulatório de saúde mental). Sendo este
referência para as unidades básicas de Saúde do distrito, também é realizado pela equipe de Saúde Mental o trabalho volante
para o desenvolvimento de ações de promoção de saúde, prevenção e consultoria integrado com as equipes básicas de saúde.
A atenção à criança e ao adolescente é organizada através da rede distrital, centrada na
escola e nos serviços básicos de saúde, contando com centro de referência especializado para atenção secundária a esta faixa etária.
A Associação de Usuários, Familiares e Amigos de Saúde Mental inaugura uma experiência de auto-gestão, através de iniciativas de
comercialização, de inserção no mercado produtivo e de exercício pleno de cidadania, através do resgate de seus direitos. A
experiência de cooperativa social, gerenciada pelos usuários, é uma realidade no CAPS-Castelo. A Política de Saúde Mental do
Município planeja e garante o acesso aos psicofármacos utilizados pelo programa.
As metas para o ano de 2002, além da capacitação proposta por esta cooperação, prevêem a
criação de serviço de urgência em Saúde Mental, organização de serviços de Saúde Mental em hospital geral com disponibilização de
leitos, indicando desta forma a superação do modelo tradicional, centralizado no hospital psiquiátrico.
Pioneirismo - Durante o Ano Internacional da Saúde Mental, Pelotas sediou, de 8 a
11/11/2001, a II Conferência Estadual de Saúde Mental, reunindo 1.300 delegados de todo o Rio Grande do Sul, além de 200 convidados
e trabalhadores em Saúde, e que serviu como preparação para a III Conferência Nacional,
apontando as ações gaúchas no setor.
O Rio Grande do Sul é o primeiro estado brasileiro a ter uma lei - de número 9.716 - que
regulamenta a assistência em Saúde Mental, de acordo com a Reforma Psiquiátrica que vem ocorrendo em todo o mundo. Em 3/2001, o
Movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira, que há anos busca essas mudanças, obteve importante vitória com a aprovação do
substitutivo do Senado à lei 3.657/89, assegurando a extinção progressiva dos manicômios e sua substituição por outros recursos
assistenciais, além de regulamentar a internação psiquiátrica compulsória.
Em 1992, quando ocorreu a primeira Conferência Nacional de Saúde, 130 municípios gaúchos
possuíam serviços de saúde mental. Hoje, 402 das 497 cidades daquele estado sulino têm programas específicos para portadores de
transtornos mentais.
Projeto italiano começou em 1971
Com a promulgação (em 1971 e 1976) de leis que aboliam as
classes diferenciais e as escolas especiais para crianças portadoras de deficiência física e/ou mental - que passaram a ser
integradas em classes normais - e (em 1978) de uma lei prevendo o fechamento dos hospitais psiquiátricos e a superação destes
através de um sistema regional de prevenção e tratamento -, foi criado na Itália um sistema aberto que facilitava a integração
social dessas pessoas.
A importante experiência em reabilitação psicossocial adquirida desde então na região
italiana de Piemonte, especialmente na Unidade Sanitária Local (ASL, na sigla italiana) número 5 - cujo território inclui os
ex-hospitais psiquiátricos de Collegno (um dos maiores da Itália, situado em Turim) e Grugliasco - teve características peculiares,
pois contou com a colaboração da universidade local. Em 1995, a Clínica Psiquiátrica da Universidade de Turim, dirigida pelo
professor-doutor Pier Maria Furlan, foi envolvida nesse processo e se juntou ao Departamento de Psiquiatria no qual fora integrado o
hospital psiquiátrico.
Também foi organizado pela ASL-5 e pelo Departamento de Saúde Mental 5B um curso de
requalificação para os operadores das cooperativas que trabalham no campo da Psiquiatria e da incapacidade em comunidades.
Esse projeto contou com o financiamento da Região Piemonte e objetivou fazer com que os operadores pudessem adquirir um diploma de
educador profissional. Os operadores da área da incapacidade forneceram grande contribuição para este curso, pois desenvolveram
experiências didáticas que, de qualquer maneira, tinham já amadurecido em outros contextos.
Congressos - Já em 1987 foi organizado o primeiro congresso sobre saúde mental
naquela região, para transmitir a experiência adquirida no uso da figura do educador profissional no contexto da reabilitação dos
pacientes do hospital psiquiátrico - fato inédito num âmbito tão fechado como eram os manicômios. "Foi assim possível desenvolver um
confronto construtivo com os parceiros europeus e adquirir boa experiência nas relações internacionais", relataram os organizadores
do encontro.
Durante recentes edições desse congresso, alguns estados brasileiros demonstraram interesse
num projeto de intercâmbio, que teve imediata adesão da Região Piemonte. Até mesmo o Departamento Universitário de Saúde Mental de
Collegno (Turim) considerou muito interessante incentivar essa iniciativa de cooperação com uma universidade brasileira (a Unisinos,
de São Leopoldo/RS), no desenvolvimento dos processos de internacionalização. Além disso, tal iniciativa corresponde aos objetivos
assinalados pelo ministério italiano da Educação e Cultura relativos aos planos de cooperação internacional. O primeiro acordo, com
Pelotas, começou a ser montado durante o congresso realizado em Turim em 11/2001. |