NOTÍCIAS 2002
Marketing de simbiose
Mário Persona (*)
Colaborador
O caçador parou ao ouvir o canto. Dos muitos sons da floresta
africana, nenhum outro tornava sua vida mais doce. Guardou a flecha e sorriu para a ave exibicionista que fazia tamanho
estardalhaço. Tudo aquilo para chamar a atenção do humano e ser seguida, e o nativo sabia que devia ser assim. Embora nenhum dos
dois tivesse assistido Lassie.
Quando a ave finalmente pousou sobre uma árvore morta, o homem entendeu que era a sua vez de
preparar o fogo e espantar as abelhas. Por não ter lábios, o pássaro lambia o bico a cada favo dourado que era retirado do interior
do tronco. Antes de partir, o homem deixou um favo cair e sorriu para a ave. Era a recompensa. O Pássaro-do-Mel havia indicado o
caminho e agora podia se refestelar com a cera, seu prato predileto.
Essa simbiose homem-pássaro é muito diferente de algumas estratégias predatórias de
marketing, as quais há quem compare a uma caçada. O mercado é a selva, o cliente a caça. O marketeiro é o caçador que
perscruta a selva com pesquisas, para abater o maior número de vítimas. Depois de estudar os padrões de comportamento da caça em seu
habitat, posiciona seus produtos, as armadilhas.
Enquanto isso, publicitários cevam o terreno com as iscas da publicidade e promoção. E
vendedores saem como batedores, abrindo picadas no mercado e disparando armas de persuasão, para exterminar qualquer espécime dentro
e fora da mira do marketeiro. Que acompanha tudo do alto de seu elefante branco, o "QuatroPês".
"Pês" - O nome foi uma homenagem às quatro patas que o sustentam: Produto, Preço,
Promoção e Ponto. Alguns afirmam ter visto exemplares com uma quinta pata: Pessoas. Apenas não souberam dizer se eram elas sob a
pata.
Será que ouvi alguém perguntar se esse safári é ecológico? Humm... acho que está mais para
egológico. É imediatista e beneficia apenas uma das partes; um marketing predatório, de cadeia alimentar, diferente da
relação de ajuda e compartilhamento que encontramos na rara simbiose.
Para que a simbiose ocorra, alguém precisa dar primeiro, ainda que isso envolva riscos. Como
os corridos pelo Pássaro-do-Mel, que desafia seu instinto de sobrevivência ao se exibir para o caçador. Não tenho estatísticas de
quantos deles têm sua carne comida por nativos diabéticos.
Mas acredito ser possível um marketing de simbiose. Apesar de contrário à natureza
egoísta da relação comercial, denunciada por Adam Smith. Mas se a natureza humana é egoísta e o mercado não passa de um reflexo
disso, por que alguém adotaria um modelo de marketing assim?
No caso de algumas empresas, só para contrariar. Afinal, esta já seria uma razão afinada com
a natureza humana, não seria? "Se malandro soubesse como é bom ser honesto, seria honesto só de malandragem", cantaria Jorge BenJor.
Mas outras podem adotar o modelo para encantar.
A febre do momento é obter o máximo de informações do cliente para tê-lo na mão. Mas que mão
você estende ao cliente, para criar nele uma imagem e um relacionamento de confiança? Não, não estou falando do blá-blá-blá do "Quem
Somos", que invariavelmente diz que somos os melhores e maiores. Falo de dar ao cliente algo que lhe permita tirar conclusões de
como você é. Ou gostaria de ser.
Gavião - Meu pai gostava de falar de suas viagens de trem na década de quarenta,
quando a composição da Companhia Paulista passava rigorosamente no horário por um trecho próximo a Nova Odessa. Ali os passageiros
começavam a olhar pelas janelas e examinar o céu. "Olha ele lá!", gritava alguém. Então tinha início o momento mágico.
Com um mergulho gracioso, o pequeno gavião sincronizava seu vôo livre de amarras com o
resfolegante gigante preso aos trilhos. Leveza e força viajavam lado a lado por alguns minutos, até surgir um braço estendido da
janela do vagão restaurante. Era o cozinheiro, com um pedaço de carne na mão. Por alguns instantes, dedos e bico se encontravam na
transferência suave daquela dádiva. Então o gavião dava uma volta acrobática no céu e desaparecia em direção ao ninho, observado por
um trem de testemunhas. Era quando todos voltavam a respirar.
(*)
Mário Persona é consultor, escritor e
palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico
Crônicas de Negócios e mantém endereço próprio
na Web, onde seus textos estão disponíveis. |