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NOTÍCIAS 2002

Atendimento cinematográfico

Mário Persona (*)
Colaborador

DUAS HORAS e quarenta minutos. Um filme tão longo quanto o vestido de Maria Antonieta, cujo farfalhar concorria com o ruído dos soluços. E dos narizes, que teimavam em chamar de volta mucos fugidios. Em alguns minutos os olhos marejados do público veriam a fria lâmina da guilhotina traspassar o pescoço da Rainha da França.

Aliás, Norma Shearer, que contracenava com Tyrone Power num filme produzido pela MGM em 1938. Dois milhões de dólares, noventa e oito sets de filmagem, cento e cinqüenta e dois atores, milhares de extras, mil duzentas e cinqüenta roupas e cinco mil perucas. Tudo para arrancar da platéia lágrimas aos borbotões na cena final da execução.

Mas cinco jovens queriam mudar aquele trágico desfecho, torná-lo mais alegre. Atentos ao comportamento de Maria Antonieta, viram quando ela subiu a escada do patíbulo, de costas pela platéia. Observaram quando parou no terceiro degrau e se virou para o público. Antes de seguir para a morte.

Segredo - Observar o comportamento é também um segredo do bom atendimento. Daquele que não leva o cliente às lágrimas, nem o negócio à morte. Mas sabe quando e como agir. O bom atendimento usa palavras de calor humano, não a lâmina fria de um script decorado, sem anistia ou perdão.

Como o que ouvi de um operador de call center, tentando vender os serviços de um banco. Normalmente evito ser grosseiro com alguém que não tem culpa por ter sido mal treinado. Portanto pedi que pulasse para a última parte do script. Para minha surpresa, ele obedeceu. Mecanicamente epilogou oferecendo a visita de um gerente que só tomaria quinze minutos do meu tempo. Além da eternidade que já me roubara por falta de treino.

Treinamento é vital ao atendimento. Além de inteligência, claro. Há quem gaste dois dias para treinar seus vendedores. Um e meio para ensiná-lo a atender o computador e a cadastrar o cliente. Nada de errado até aí. Na última ida à floricultura, meu ramalhete murchou e quase perco a data do aniversário, enquanto esperava a vendedora se lembrar da tecla que devia apertar.

O meio dia que sobra de treinamento serve para aprender a agradar o gerente. Atendimento ao cliente fica para ser aprendido na prática. Na base da tentativa e erro. Uma tentativa, um erro, um ex-cliente. Outra tentativa, outro erro, outro ex-cliente. Se o movimento for bom, no final do dia o neófito se gabará de ter atendido cinqüenta pessoas.

O bom vendedor é observador. Vê o cliente indeciso entrar na loja. Não aborda, ainda. Entrou, mas está em dúvida. Sensibilidade à flor da pele. As mãos estão dentro, mas os pés apontam para a saída. Um olho no produto, outro na porta. Se for abordado, responderá logo: "Estava só olhando. E sairá correndo, sem nem mesmo fechar aspas.

Momento certo - É preciso dar tempo ao tempo. Deixar a curiosidade do olhar chegar aos dedos do tatear. E voltar ao cérebro como certeza de comprar. Produto na mão, o cliente levanta a cabeça e varre a loja com o olhar. É o sinal para que o vendedor flutuar até lá. Sem braços cruzados ou discursos exagerados, mas com um sorriso no olhar. E a palavra certa, no momento exato, para desencadear uma reação que só aguardava o calor de uma atenção. Esse cliente compra e volta.

Como voltaram aqueles rapazes ao cinema na próxima sessão. A mesma Maria Antonieta, as mesmas duas horas e quarenta, as mesmas cinco mil perucas. Tudo igual, menos o final. A tristeza que dominava a platéia estava para terminar. Pela primeira vez, o final seria feliz. Graças à observação e sincronismo dos jovens, que souberam esperar o momento certo para a palavra exata.

De costas para a platéia, Maria Antonieta chegou ao esperado terceiro degrau. E do fundo do cinema partiu o chamado: "Maria Antonieeetaaaaaa...". A rainha da França obedeceu e virou-se para olhar. "Não é nada, não!", desculpou-se a voz. Como das outras vezes, o clássico da MGM levou a platéia às lágrimas. Dessa vez, de tanto rir.

(*) Mário Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis.