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NOTÍCIAS 2002

Nem tudo que reluz é ouro

Mário Persona (*)
Colaborador

"Jovem universitário, dezenove anos, simpático, condução própria, procura garota para relacionamento afetivo." Eu me sentia assim quando o recepcionista do Casa Grande Hotel, no Guarujá, abriu a porta de meu Corcel 74 para eu descer. A garota, colega de faculdade em férias na mesma cidade, estava hospedada ali e aceitara meu convite para uma tarde juntos. Meu sonho se transformando em realidade.

Nem bem a recepção anunciara minha chegada, vi um membro da tropa de batedores marchando em minha direção. Era a mãe, reconhecendo o terreno. Percebi que nem minha melhor calça boca-de-sino, nem minha camisa justa ou o meio tubo de desodorante que gastei iriam ajudar. O negócio era apelar.

"Qual o seu nome?" - começou o interrogatório. "Mário Buzolin", respondi como se perguntasse se gostou. Eles eram judeus e achei que a terminação "in" do sobrenome materno iria soar mais familiar naquela hora do quebra-gelo. Felizmente a garota chegou antes da pergunta. Teria ficado evidente que meu estratagema de tentar parecer o que eu não era tinha a solidez de uma geléia.

Empresas também costumam usar de estratagemas para parecerem o que não são. E a tecnologia tem ajudado. Antigamente era preciso investimento para se criar uma imagem respeitável. Sede própria, catálogos impressos, telefonistas, assessoria de imprensa, publicidade. Ficar conhecido no bairro já custava caro. Visto no mundo, impensável.

Sonho/pesadelo - E hoje? Bem, com a tecnologia da informação ficou fácil trabalhar em casa. Qualquer um pode imprimir catálogos com qualidade fotográfica, ter uma telefonista digital, fachada na Internet e recursos de comunicação para falar até com Marte. Com pouco investimento é possível criar uma empresa que é um sonho. Literalmente falando.

Ou um pesadelo, realmente falando. Se a tecnologia esticou a perna dos negócios, também encurtou a perna da mentira. Ela agora tem perna mais curta. Clientes têm igual poder tecnológico para recomendar ou arrasar. Só que multiplicado pelo número dos que forem ludibriados.

Credibilidade é fruto de habilidade edificada sobre o alicerce da verdade. Quando visito um cliente, quero conhecer que lastro de realidade existe por trás de sua capacidade. Meu avô já dizia que nem tudo que reluz é ouro e nem todo sapato é de couro. Se eu não ficar convencido, será que consigo convencer alguém com uma estratégia de comunicação?

Consigo, mas não devo. Quando jovem, trabalhei em vendas para uma empresa cujo catálogo estava visivelmente ultrapassado. As fotos eram de pessoas da década de quarenta, mas eu não era tão velho assim. Nem a empresa. Descobri depois que era tudo forjado, até a foto da fábrica, que nunca existiu. Solidez e tradição, só na aparência.

Alguém poderia chamar isso de marketing, mas não é. O verdadeiro marketing procura dourar, não a pílula da ilusão, mas os resultados de uma solução. Cria valor. Em minha profissão corro esse risco de parecer o que não sou. Por me valer das letras, da oratória e da tecnologia da informação, há quem pense que sei mais do que conheço. A tentação de me deixar embalar nesse regaço é grande, e às vezes me pego cofiando a barba de uma sabedoria emprestada.

Como a barba do irmão da garota. É, além da mãe, ela tinha um irmão. Garotas despojadas de acessórios, só no cinema. Na vida real elas saem de fábrica com sogras e cunhados. Encontramos o jovem que eu queria para cunhado na fila do cinema. Ia assistir um filme proibido para menores. Sim, ele era menor.

Tão menor, que parecia precoce com aquela barba por fazer. Cujos pêlos, vistos de perto, tinham crescido nas mais impossíveis direções. Estratagema denunciado pela irmã, que consistia numa mistura de cola e pó de barba retirado do barbeador do pai. Segundo o garoto, entrar no cinema com aquele disfarce era uma barbada. Acreditei.

E você acreditaria se eu dissesse que a garota estava apaixonada? Estava. Ela transpirava isso. Seus olhos verdes brilhavam com o colírio da emoção. Sua pele, qual nuvem flagrada por tentar esconder o sol da paixão, denunciava um rubor só comparado à cor ruiva de seus cabelos. E quando falava... Ah!

Aliás, foi o que ela mais fez. Falou a tarde toda de um tal fulano que conhecera uns dias antes e a pedira em namoro. O que eu achava? Sugeri que aceitasse. Devia ser um cara legal.

(*) Mário Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis.