NOTÍCIAS 2002
Trombeteando a cuíca
Mário Persona (*)
Colaborador
Mary Stuart é uma americana típica de meia-idade. Bem, digamos
que minha amiga está mais para a terceira ou quarta metade da idade. E que também não seja tão amiga assim, já que só a conheço pelo
caso contado por um amigo comum. Só o nome eu inventei, para proteger sua privacidade e tornar verossímil a verdade.
Ela e duas amigas da mesma geração - "the girls", como Mary as chama - saíram às
compras, no melhor estilo americano e com chapeuzinhos quase idênticos. Depois de abastecido o porta-malas do velho Oldsmobile de
coloridas sacolas, partiram para o almoço habitual no restaurante usual.
Trafegando por uma tranqüila rua arborizada, ouviram um "Thump!". Aproveitando os recursos
multimídia que a moderna onomatopéia inglesa oferece, o som seguinte foi um "Bump!". Quem estivesse fora do carro, teria escutado um
"Smash!". O último som que escutou o gato na última de suas vidas.
Os octogenários olmos daquela Elm Street imaculadamente limpa evitaram olhar. Qualquer folha
derrubada à guisa de lágrima mancharia a rua. As senhoras, tão idosas quanto as árvores, e asseadas quanto o asfalto, decidiram
levar o gato - numa sacola de griffe - para enterrar no quintal. O féretro seguiu até o restaurante, onde deixaram a sacola
sobre o capô para evitar mau cheiro.
Não sei se aqui teríamos igual cuidado. Em algumas ruas seria difícil identificar o gato do
resto. A preocupação com a limpeza pública nos países do Norte vem de toda uma cultura de cuidado com o bem comum. Uma preocupação
com o social que vai impregnando empresas de lá e daqui. Com ou sem sacolas de griffe.
O motivo - Mas como é que o social chega a comover grandes corporações que saem por
aí plantando árvores, cuidando de crianças ou distribuindo casas? Segundo Adam Smith, "não é pela benevolência do açougueiro, do
cervejeiro ou do padeiro que nos é garantido o jantar, mas pelo egoísmo deles". Ou empresas existem para quê?
Ah, sim. Existe a pessoa física do empresário, com motivos humanos para limpar a consciência
importunada pela fumaça das chaminés e que tira da rua os gatos que atropelou ou não. Neste caso, é ao pequeno preocupado com o
social que cabe o crédito real. O pouco que ele faz é muito, se comparado às grandes corporações e valerem as intenções. Para ele,
será difícil recuperar o que gastar para reparar o bem-estar.
Acompanhe meu raciocínio, mas não muito de perto, pois posso estar errado. Quando o grande
investe milhões no social, investe outros milhões no marketing do social. Que revertem em duplos milhões para sua razão
social. Dá, toca trombeta, arrecada. "Play it again, Sam".
Quando o pequeno investe seus centavos no social, fica sem ar para tocar trombeta e
capitalizar em cima da ação. Nenhum outdoor nem reclames na TV. Para as liliputianas, marketing social significa
contas a pagar, nunca a receber. Dinheiro jogado no olvido por empresários sem boca. Pergunte ao Aurélio se achar que errei.
Mas com a Internet é possível fazer marketing social sem atropelar o orçamento. Seu
grande poder de propagação tira som de trombeta até de pele de cuíca. Os gatos que me perdoem. Nela você consegue imantar sua ação e
atrair simpatizantes que passem sua sacola e griffe de mão em mão. É claro que alguns irão levá-la por mero interesse, como
predadores da boa ação alheia. Como no estacionamento.
Conteúdo - Pela vidraça, as velhinhas viram a madame chegar de carrão, colares e
anéis. A sacola de griffe esquecida sobre o capô atraiu o rímel de seus olhos. Discretamente passou a mão na alça e entrou no
restaurante sem perder o charme. Pousou a sacola no chão ao lado e enfiou a mão, tateando a pele de seu interior. Uma estola?
Sobre os chapeuzinhos das velhinhas o balãozinho dos pensamentos era um só: "I can't
believe!". Então a cor do rosto da madame ficou cada vez mais distante do sangue que via em seus anéis. "SQUEEEEAAAAK! Crash!
Smash! Crack!..." No restaurante, foram muitos os ruídos anglo-saxônicos que se seguiram ao grito de cuíca e desmaio da madame.
Antes que todos terminassem de exclamar "Oh my gosh!", ou você conseguisse dizer "through
unconstitutional means", os paramédicos chegaram e ataram a mulher à maca. Acomodaram cuidadosamente sobre sua barriga a sacola,
que julgaram conter os pertences da desmaiada, e dispararam rumo ao hospital. Seguidos por três pares de olhinhos que sorriam
brejeiros.
(*)
Mário Persona é consultor, escritor e
palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico
Crônicas de Negócios e mantém endereço próprio
na Web, onde seus textos estão disponíveis. |