"Ora (direis) ouvir estrelas!"
Mário Persona (*)
Colaborador
"Ora
(direis) ouvir estrelas!
Certo
perdestes o senso!"
E eu
vos direi, no entanto,
Que,
para ouvi-las, muita vez desperto
E abro
as janelas, pálido de espanto..." |
Olavo Bilac
não usava Windows, mas já falava em ouvir estrelas abrindo
janelas. "Todos conhecemos clientes que desejam um produto cinco estrelas,
mas que possuem uma mentalidade três estrelas", afirmou Arnold Chan,
especialista em iluminação de hotéis. Se vamos falar
de clientes, vamos falar baixo, pois algum pode escutar. Portanto, feche
a porta e a janela. Se estiver lendo esta crônica em seu micro, feche
só a porta.
Será que há clientes três
estrelas querendo serviços cinco estrelas? Bem, às vezes
sim. Aquele garotão que critica o Brasil por estar no terceiro mundo,
enquanto joga sua lata de cerveja vazia pela janela do carro, é
um exemplo disso. Típico comedor de mortadela querendo arrotar peru.
Mas mesmo que todos os clientes fossem assim, as empresas deveriam procurar
exceder as exigências dos mais exigentes. Incluam-se aí os
hotéis, de poucas ou muitas estrelas.
Não sou cliente exigente.
Minha única exigência agora é uma tomada de telefone
para conectar meu notebook à Internet. No hotel onde estou
hospedado pensaram em tudo. Na TV a cabo, frigobar, som, secador de cabelo.
Até no sabonetinho e no shampoozinho, desses que a gente
coleciona, mas não admite. Pensaram em tudo, menos numa tomada de
telefone. Acaba de me ocorrer uma dúvida. Para o hóspede,
de que servem as estrelas?
O gerente informou que havia uma
tomada extra, no banheiro. Imagine se vou trabalhar sentado na privada
com meu notebook no colo! Seria um trabalho literalmente feito nas
coxas. Aliás, expressão deturpada por quem não sabe
que sua origem está nas antigas telhas coloniais, mal-feitas e irregulares
por serem moldadas nas coxas dos escravos.
Acrobacias - Meu faro me diz
que banheiro não é lugar para se trabalhar. Descubro uma
ligação para telefone atrás do criado-mudo. Afasto
a cama. Êpa! Descobri o esconderijo da faxineira! Agora só
falta ligar na corrente elétrica. Você adivinhou. A tomada
de força fica na parede oposta. Por pouco o fio não dá.
Agora exageraram - há duas! Posso escolher entre a da TV ou do frigobar.
Inauguro meu novo escritório
equilibrando o notebook sobre uma pilha de travesseiros. Entre fios
esticados, parece roupa no varal. Conecto num provedor grátis. Aguardo
alguns
e-mails importantes, enquanto arranco os cabelos do peito
com pinça. É que meu modem apenas goteja as enormes mensagens
de propaganda e motivacionais em Power Point que nunca solicitei. Estou
desmotivado.
Será que os hotéis
não estão preparados para o futuro do presente? Não.
Nem as lojas, fábricas e empresas em geral. Que o digam os vendedores
que já carregam um notebook e precisam transmitir pedidos
para a matriz. Um amigo diz que muitos vendedores são avessos à
tecnologia. Não saberiam o que fazer com uma tomada de telefone
juntinha a uma de eletricidade. Devem ser profissionais três estrelas.
Ou menos?
Talvez estejam traumatizados. Foram
mal assessorados por técnicos de informática que fazem questão
de manter o resto da empresa na mais tenebrosa e medieval ignorância.
Você conhece pessoas assim. Não querem perder as honrarias
que os nativos lhes rendem, quando se aproximam para consultar os oráculos
recebidos diretamente da temível deusa Mainframe, no assustador
Templo de CPD.
Nova ordem - Do mundo acadêmico
às empresas, passando por hotéis, deveria ser obrigatório
simplificar, traduzir, descomplicar. E colocar tomadas de telefone e força
sobre a escrivaninha. Pode ser mania, mas adoro simplificar e digerir as
coisas antes de colocá-las para fora. Em meu último livro,
"Crônicas de uma Internet de Verão", fiz isso com a tecnologia
da informação aplicada aos negócios. Descontraí
o que causa contrações em alguns. Daí o subtítulo
na capa: "Um livro de negócios para ler na praia".
Numa entrevista, descrevi as crônicas
do livro como ideais para leituras rápidas. Para aqueles momentos
de "Pensador de Rodin" que todos temos. Cujo modelo devia ser analfabeto
ou apressado, já que não levou nada para ler. Textos fluidos
e na medida exata. Nem mais, nem menos, fisiologicamente falando. Que não
nos façam ver estrelas, talvez ouvi-las apenas. Mas minha explicação
não convenceu a jornalista, que cortou essa parte da entrevista.
Fez bem, dirá você. Também não convenceu minha
filha, que falou o que a jornalista talvez só tenha pensado: "Mas
pai, não era um livro para ler na praia?"
(*) Mário
Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica
faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico
Crônicas
de Negócios e mantém endereço
próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis. |