Eliminando intermediários
no contato com o cliente
Mário Persona (*)
Colaborador
Nem sei
como descrever aquela sala de espera. Era tão escura que demorei
a perceber que estava só. Na janela, grossas cortinas de veludo
só viam a luz do sol pelas costas. Do lado de dentro, uma lâmpada
prisioneira tentava em vão esticar seus raios por entre as barras
da cela formada por seu lustre. Uma masmorra de vidro cuja cor ia do verde-petróleo
ao breu. Com pingentes cor de asa de graúna.
O cenário dantesco não
estaria completo sem as duas enormes caixas de som vomitando rock. Talvez
para abafar os gemidos da sala ao lado. Se aquela era a sala de espera,
a próxima era a de torturas, a julgar pelo que vi. Ou não
vi, por absoluta falta de luz. Universitário e desconhecido em terra
estranha, fui parar no dentista barato do casarão no centro de Santos
por sugestão de alguém que o conhecera criança. Provavelmente
não viu no que deu depois que cresceu.
E como cresceu. Se existia um ser
humano atrás daquela barriga, estava em total desvantagem. Frestas
numa camisa branco escuro com botões desesperadamente agarrados
às casas, deixava entrever uma amostra das redondezas do seu ventre.
A única parte da anatomia que apareceu na porta quando ele grunhiu
"Próximo!". Tremi.
Em minhas crônicas e palestras
sobre atendimento ao cliente, uso histórias reais para ilustrar
algo de positivo. Mas esta é negativa demais até para isso.
Vou limitar-me a contá-la, esperando que você consiga extrair
dela um grama de aprendizado de como tratar seus clientes. Ou uma tonelada
de como não tratá-lo.
Impressão - No atendimento
ao cliente, a primeira impressão é a que fica. A segunda,
a que vai embora. Nesse caso, não fui e me arrependo. Sua sala de
espera, seu site, show-room ou call center criam a primeira
impressão. Se você conseguir imprimir logo no cliente a sensação
de que todo o suor gasto em seu negócio foi para tornar a vida mais
fácil para ele, terá cumprido boa parte de sua missão.
Justiça seja feita, suor era
o que não faltava naquele dentista. Empapava a camisa, com direito
a bônus extra nas axilas. A não ser pela caveira sobre a mesa
desarrumada, seu consultório parecia normal a qualquer pessoa que
tivesse vivido um século antes. Ou assistido "Família Adams".
Não vi uma secretária ou auxiliar, mas evitei associar o
fato à presença da caveira sobre a mesa.
Minha estupidez fez com que eu voltasse
outras vezes para completar o tratamento, se é que podemos chamá-lo
assim. Nunca vi outro cliente. Quando ele abria a porta e chamava "Próximo!",
eu nem imaginava o que teria sido feito do anterior. Antes que você
me interprete mal, a caveira na mesa era sempre a mesma.
Pressão - Aguardei
com ansiedade a vez que seria a última. Apenas para colocar o bloco
no que havia sobrado de meu dente. Numa tentativa prévia, com a
perícia da pata de um mastodonte, a criatura havia quebrado parte
do dente ao tentar encaixar o bloco usando um martelo desses que o médico
usa para bater no joelho. Se fosse no joelho, teria chutado, por reflexo
ou não. Ele fora obrigado a refazer a peça e nem pensei em
reclamar, já que o resultado ficava cada vez mais valioso. Menos
dente e mais ouro.
Com o esforço para encaixar
o segundo bloco, a criatura começou a suar mais. Sim, havia mais
suor guardado naquele barril para ocasiões assim. Por alguns momentos
ele saiu de meu campo de visão, abandonando-me na cadeira. Teria
ido buscar um novo instrumento de tortura? Voltou mais à vontade,
com os movimentos mais soltos. Em poucos minutos encaixou o bloco no lugar,
enquanto eu tentava me esquivar das gotas de suor.
Mas era impossível me mover.
Sua mão esquerda mantinha minha cabeça devidamente imobilizada
com a bochecha espremida contra sua barriga, enquanto a outra mão
manobrava sob o céu de minha boca. Não, eu não estava
com minha bochecha em contato com sua camisa empapada de suor. Pior. Ele
eliminou qualquer intermediário no contato com o cliente. Já
havia tirado a camisa no parágrafo anterior.
(*) Mário
Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica
faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico
Crônicas
de Negócios e mantém endereço
próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis.
N.E.: o atendimento ao cliente,
na maioria dos consultórios odontológicos de Santos, melhorou
consideravalmente nas últimas décadas... |