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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 11/26/01 18:44:36
Ao mestre, um carrinho 

Mário Persona (*)
Colaborador

O menino tinha os olhos fixos nas mãos do avô. Pescoço esticado, tentava compensar os menos de quatro anos de estatura. A oficina improvisada no quintal era o seu reino encantado e o passatempo do aposentado. "Por que você está fazendo esse furo?", "O que vai fazer com o parafuso?", "Para que serve essa ferramenta?". Cada pergunta disparava o sinal para mais uma aula.

Meu sobrinho parou, pensou e sonhou, rompendo trinta segundos de um raro silêncio: "Vovô, se eu tiver duas tábuas e um pedaço de vidro, vou fazer um carrinho de pipoca". Era sua síntese da lição aprendida, inflada pelo sonho de uma ainda pequena vida. Aprender e sonhar, ingredientes de quem ousa e quer ousar. Meu pai sorriu e aparafusou a frase no coração.

Aprendizado diuturno - Crianças aprendem e sonham vinte e quatro horas por dia. Até quando dormem não deixam de aprender com os sonhos. E é quando elas dormem que sonham os sonhos maiores. Sei disso porque era sempre mais difícil carregar meus filhos quando dormiam. Ficavam mais pesados.

Aprender é subproduto da humildade. Algo que as crianças podem nos ensinar, se quisermos aprender. Antes de ser mestre, preciso ser aprendiz. Esticar o pescoço para enxergar mais, sem ter vergonha de perguntar. Porque, não sei, mas sempre que penso que sei, cai um problema difícil que jamais pensei precisar resolver. E quase sou reprovado.

Quem pensa que sabe não aprende, não sonha novos sonhos, nem ousa novas ousadias. Considero meu diploma um atestado de incapacidade. Um documento que diz: "Vejam! Foi só até aqui que o Mário chegou!". É a tentadora poltrona de uma etapa alcançada, quando aquela voz sem razão diz: "Pare, você merece um descanso".

Sem parar - Peter Drucker disse que seus antepassados, gráficos de 1510 a 1750, não precisaram aprender nada de novo naquele período. Nada mudava. Hoje a obsolescência está invadindo o conhecimento humano. Testemunho disso são aqueles livros e manuais de software esquecidos na prateleira. Só é alguma coisa quem sabe, só sabe quem aprende e só aprende quem não pára.

Aprender não é tirar um novo certificado de versão. É preciso uma atualização constante, formal e informal, que acrescente funcionalidades que a primeira versão não previa. Ainda me lembro da versão em que Mc Luhan apresentou a aldeia global da era da comunicação. Depois Alvin Toffler avisou que estávamos na era da informação. Aí veio Peter Drucker nos introduzir à era do conhecimento ou do capital intelectual. Agora chegamos a uma era que não era, mas é. A do aprendizado contínuo.

Mas nenhuma escola consegue nos preparar para um futuro que não foi inventado. Foi só na idade em que os médicos nos ensinam a falar números - trinta e três - que aprendi a usar um computador. Já na primeira foto que tenho de meu filho sentado em frente a um micro, seus pés mal tocam o chão. A tecnologia que ele irá usar aos trinta e três ainda não foi inventada. A que seus filhos usarão, sequer sonhada.

Artista? - Em uma experiência em escolas, o professor perguntou à primeira série: "Quem for artista levante a mão". Todos levantaram. Na segunda série, metade levantou. Só 30% na terceira e apenas dois alunos levantaram a mão na sexta série. Será que o salto alto do saber inibe a capacidade criativa? Não responda. Nem eu, nem você, sabemos a resposta.

Nossa avaliação pode estar errada. Como a avaliação do pai, na propaganda americana na TV. "Pai, quero ser professor", diz o menino entusiasmado. "Por que não quer ser médico?", sugere o pai, dando a entender que a profissão é mais importante. "Mas não são os professores que fazem os médicos?", indaga o pequeno encerrando a conversa.

Aprendo, quando dobro a esquina do que sou para encarar os desafios do que serei. Dobrar essa esquina exige flexibilidade. Tanta, que o orgulho daquilo que já sei precisa ser dobrado junto, e eu me tornar aprendiz de um mestre avô. O grau mínimo necessário para se construir um carrinho de sonhos. Além de duas tábuas, um pedaço de vidro e a ousadia de quem sonha.

(*) Mário Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis.