Ao mestre, um carrinho
Mário Persona (*)
Colaborador
O menino
tinha os olhos fixos nas mãos do avô. Pescoço esticado,
tentava compensar os menos de quatro anos de estatura. A oficina improvisada
no quintal era o seu reino encantado e o passatempo do aposentado. "Por
que você está fazendo esse furo?", "O que vai fazer com o
parafuso?", "Para que serve essa ferramenta?". Cada pergunta disparava
o sinal para mais uma aula.
Meu sobrinho parou, pensou e sonhou,
rompendo trinta segundos de um raro silêncio: "Vovô, se eu
tiver duas tábuas e um pedaço de vidro, vou fazer um carrinho
de pipoca". Era sua síntese da lição aprendida, inflada
pelo sonho de uma ainda pequena vida. Aprender e sonhar, ingredientes de
quem ousa e quer ousar. Meu pai sorriu e aparafusou a frase no coração.
Aprendizado diuturno - Crianças
aprendem e sonham vinte e quatro horas por dia. Até quando dormem
não deixam de aprender com os sonhos. E é quando elas dormem
que sonham os sonhos maiores. Sei disso porque era sempre mais difícil
carregar meus filhos quando dormiam. Ficavam mais pesados.
Aprender é subproduto da humildade.
Algo que as crianças podem nos ensinar, se quisermos aprender. Antes
de ser mestre, preciso ser aprendiz. Esticar o pescoço para enxergar
mais, sem ter vergonha de perguntar. Porque, não sei, mas sempre
que penso que sei, cai um problema difícil que jamais pensei precisar
resolver. E quase sou reprovado.
Quem pensa que sabe não aprende,
não sonha novos sonhos, nem ousa novas ousadias. Considero meu diploma
um atestado de incapacidade. Um documento que diz: "Vejam! Foi só
até aqui que o Mário chegou!". É a tentadora poltrona
de uma etapa alcançada, quando aquela voz sem razão diz:
"Pare, você merece um descanso".
Sem parar - Peter Drucker
disse que seus antepassados, gráficos de 1510 a 1750, não
precisaram aprender nada de novo naquele período. Nada mudava. Hoje
a obsolescência está invadindo o conhecimento humano. Testemunho
disso são aqueles livros e manuais de software esquecidos
na prateleira. Só é alguma coisa quem sabe, só sabe
quem aprende e só aprende quem não pára.
Aprender não é tirar
um novo certificado de versão. É preciso uma atualização
constante, formal e informal, que acrescente funcionalidades que a primeira
versão não previa. Ainda me lembro da versão em que
Mc Luhan apresentou a aldeia global da era da comunicação.
Depois Alvin Toffler avisou que estávamos na era da informação.
Aí veio Peter Drucker nos introduzir à era do conhecimento
ou do capital intelectual. Agora chegamos a uma era que não era,
mas é. A do aprendizado contínuo.
Mas nenhuma escola consegue nos preparar
para um futuro que não foi inventado. Foi só na idade em
que os médicos nos ensinam a falar números - trinta e três
- que aprendi a usar um computador. Já na primeira foto que tenho
de meu filho sentado em frente a um micro, seus pés mal tocam o
chão. A tecnologia que ele irá usar aos trinta e três
ainda não foi inventada. A que seus filhos usarão, sequer
sonhada.
Artista? - Em uma experiência
em escolas, o professor perguntou à primeira série: "Quem
for artista levante a mão". Todos levantaram. Na segunda série,
metade levantou. Só 30% na terceira e apenas dois alunos levantaram
a mão na sexta série. Será que o salto alto do saber
inibe a capacidade criativa? Não responda. Nem eu, nem você,
sabemos a resposta.
Nossa avaliação pode
estar errada. Como a avaliação do pai, na propaganda americana
na TV. "Pai, quero ser professor", diz o menino entusiasmado. "Por que
não quer ser médico?", sugere o pai, dando a entender que
a profissão é mais importante. "Mas não são
os professores que fazem os médicos?", indaga o pequeno encerrando
a conversa.
Aprendo, quando dobro a esquina do
que sou para encarar os desafios do que serei. Dobrar essa esquina exige
flexibilidade. Tanta, que o orgulho daquilo que já sei precisa ser
dobrado junto, e eu me tornar aprendiz de um mestre avô. O grau mínimo
necessário para se construir um carrinho de sonhos. Além
de duas tábuas, um pedaço de vidro e a ousadia de quem sonha.
(*) Mário
Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica
faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico
Crônicas
de Negócios e mantém endereço
próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis. |