Estratégia de negócios
eletrônicos e os limites da Internet pura
Mário Manuel Ferreira (*)
Colaborador
A inevitável
sensação de vazio que tomou conta do universo das chamadas
"PontoCom" desde o desabamento da Nasdaq, há pouco mais de um ano,
vem repercutindo para muitos na avaliação precipitada de
que as estratégias de negócios eletrônicos seriam hoje
a lembrança de um modismo que passou.
Entretanto, esgotado o nervoso momento
de contabilizar as perdas, é hora de procurar uma luz que permita
visualizar os principais motivos que afetaram o curso histórico
da economia-Internet. É preciso reconhecer, de uma vez por todas
que, à parte derrapagens e tropeços, a estrada que leva aos
negócios eletrônicos é uma via inexorável. E
mais: o sucesso empresarial futuro estará fatalmente condicionado
à capacidade dos administradores em trilhar este caminho através
de estratégias consistentes e objetivas.
A propósito, cabe ainda reconhecer
que o "choque da realidade" sofrido pelo mundo da Internet funciona, em
contrapartida, como um balizador para quebrar os paradigmas e acabar, por
exemplo, com a divisão depreciativa que a mídia havia estabelecido
entre as chamadas "nova" e "velha" economias.
Raiz do problema - Esta divisão,
aliás, está na raiz de uma ilusão que ofuscou a visão
da realidade do mercado, ou seja, o apregoamento de um modelo de negócios
eletrônicos quase inteiramente condicionado pelas virtudes próprias
de Internet associada à mercadologia "pura", sem ter em conta outras
camadas vitais da cadeia de valor das empresas, como a logística,
o chão de fábrica, os recursos humanos e o planejamento estratégico.
De fato, num rápido inventário
do que restou da economia-Internet, verifica-se, em primeiro lugar, o desaparecimento,
ao menos em parte, de grandes impérios corporativos que se basearam
exclusivamente na fantástica capacidade de mercadologia direta da
Internet e se esqueceram da chamada "porção velha".
De outro lado, constata-se o estrondoso
e silencioso sucesso de estratégias baseadas num tipo de integração
mais abrangente, que soube tirar vantagens da Internet associando-a a uma
retaguarda "física" igualmente evoluída. Inscrevam-se aí
os muitos exemplos em setores como automobilística, papel e celulose,
cimento, aeronáutica, eletroeletrônica e outras tantas empresas
"de ferro".
Uma lição que se pode
tirar destas experiências promissoras é a de que uma estratégia
revigorante poderá misturar a ousadia e o dinamismo da comunidade
Nasdaq, com a sabedoria e o rigor da comunidade Dow Jones.
Caminho - Vale dizer que o
caminho mais sólido dos negócios eletrônicos é
o que tem a produção e o cliente como duas pontas indissociáveis
e que se habilita a praticar uma mercadologia "não pura", isto é:
não uma estratégia de tecnologia para enquadrar o negócio
fim das empresas, mas uma estratégia de negócios que encare
o ambiente de tecnologia como um diferencial competitivo e privilegiado
de desenvolvimento de valor.
Em decorrência, para encontrar
o caminho da maturidade e acompanhar a inevitável digitalização
de todos os negócios, as plataformas de negócios eletrônicos
oferecidas à indústria terão de buscar o caminho da
especialização e um nível de integração
que vá da máquina de controle numérico à mercadologia
eletrônica, sem esquecer, é claro, a capacidade de planejar,
a flexibilidade dos sistemas de informação e a visão
de conjunto em tempo real de toda a cadeia de valor.
É claro que sempre haverá
aquela empresa de grande sucesso calçada na Internet "pura". Aí
estão os grandes portais de informação e entretenimento,
cujos alicerces resistiram bem ao furacão e cujo sucesso tende a
se acentuar com o próprio crescimento da rede.
Mas neste cauteloso universo empresarial,
que nasce depois da euforia e da ressaca da "nova economia" não
será mais possível transportar para o ambiente industrial
uma estratégia de negócios que foi inicialmente projetada
para a mercadologia de catálogo, para o atendimento via central
de chamadas, ou para a conexão de indivíduos e entidades
de negócio ou convivência.
O CRM (N.E.: gerenciamento de relações
com os clientes), o ERP (N.E.: planejamento de recursos empresariais),
a cadeia de suprimentos, e toda esta sopa de letras que compõem
o ideário da economia digital, irá agora passar por um processo
de integração com foco no negócio-fim e na missão
empresarial. Não resta dúvida de que a personalização
e as facilidades da Internet podem contribuir para ampliar novos mercados
e a promover a satisfação dos clientes. O que se procura
agora é encontrar um modelo economicamente viável.
(*) Mário
Manuel Ferreira é presidente da Baan Brasil. |