"Fidelitas quae sera tamem"
Mário Persona (*)
Colaborador
Quando nasci,
meu pai já era funcionário do Banco do Brasil. Ao falecer,
estava aposentado da mesma empresa. Como era comum na época, o funcionário
ficava casado com o emprego. Ninguém falava em divórcio.
Empregos não eram chuvas de verão ou concertos banais. Por
isso minha mãe me aconselhava a trabalhar no banco quando crescesse.
Em uma relação que influenciava
toda a família, perdi a conta das festas, jogos e papais noéis
que vi. Nós, crianças, tentávamos adivinhar quem era
o funcionário atrás da barba branca daquele Natal. Conhecíamos
todos pelo nome. Sabíamos que uma fantasia de profissão sempre
esconde uma pessoa real com alma e coração.
Sem a necessidade de treinamentos,
palestras ou técnicas de motivação, os funcionários
se orgulhavam da marca que levavam. Que lhes garantia o arroz com feijão,
e o prestígio de sobremesa. Eram fiéis. A fidelidade estava
tão incorporada às pessoas que ninguém falava no assunto.
Outros tempos, aqueles.
Apesar do desejo de minha mãe,
para que eu trabalhasse no banco, acabei seguindo outros caminhos. Atravessei
alguns invernos profissionais, sempre acompanhado da preocupação
materna pelo agasalho. Que, profissionalmente, tinha outro tom: "Meu filho,
por que você não trabalha no banco?".
Novos tempos - A empresa hoje
é diferente daquela que minha mãe conheceu. Nem poderia ser
igual, porque o mundo mudou. As empresas, as pessoas, o mercado, tudo está
diferente. Ninguém mais pensa em fazer carreira numa mesma empresa.
Tudo é muito rápido. Profissionais devem mudar porque empresas
precisam se transformar.
O discurso do momento é fidelização
do cliente. Justo a ponta onde a relação é mais volátil
e interesseira. Cliente quer a satisfação própria.
Só isso. Enquanto empresas fazem da fidelização uma
estratégia de longo prazo, o cliente agarra a vantagem que estiver
ao alcance da mão. Por isso investe-se tanto em fidelizar o cliente.
Porque, do lado deste, a fidelidade é tão perene e comprometida
quanto uma chuva de verão cantada por Fernando Lobo.
Atrás do balcão, os
valores continuam a ser os de uma relação duradoura. Ou pelo
menos deveriam continuar os mesmos que meu pai conheceu na época
e no banco onde trabalhou. Onde minha mãe queria que eu trabalhasse.
Ainda que alguns pensem que amores do passado, no presente, repetem velhos
temas tão banais, empresas não são como as chuvas
de verão. Existem compromissos mútuos dentro daquelas paredes.
Não creio que empresa e funcionário
possam ser amigos simplesmente, nada mais. É um relacionamento de
muitas conseqüências, nada banais. Se presto um serviço
a uma empresa, não posso considerá-la uma estranha no meu
peito, uma estranha na minha alma. A menos que não a deseje mais.
Enfim... - Fidelidade hoje
é um bem escasso. Tão escasso, que volta e meia precisamos
recordar como cultivá-la. Estamos tão condicionados a conquistar,
no cotovelo, aquilo que sacie nossos primeiros desejos, que acabamos pelados
das mínimas virtudes. Sem bolso para guardar o que não conseguimos
reter. O relacionamento, moeda que só descobrimos ser forte na próxima
volta que o mundo com certeza dá.
Gosto de vestir a camisa nos lugares
onde trabalho. Ainda que seja pelo prazo que dure uma palestra, um treinamento
ou uma consultoria. Ali meu vocabulário adota "nossa empresa", "nosso
produto", "nosso problema", "nossa estratégia". Entro numa relação
harmônica de interesse comum, para oferecer uma fidelidade que gere
confiança. Essa fiança mútua que garante o relacionamento.
Os tempos mudam mas as necessidades
continuam as mesmas das pessoas. Sejam físicas ou jurídicas.
Todas precisam manter um relacionamento de fidelidade para complemento
mútuo. Um investindo no outro. Meu pai investia na empresa que o
vestia.
Nas minhas andanças, talvez
um dia preste algum tipo de serviço por lá. Se acontecer,
já tenho meu plano traçado. Tirarei do baú algo que
minha mãe sempre quis ouvir, só para não deixar o
momento passar em branco. E de um cantinho qualquer, ligarei dando a notícia:
"Mãe, estou trabalhando no banco." Para mostrar que fidelidade sempre
traz alegria. Ainda que tardia.
(*) Mário
Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica
faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico
Crônicas
de Negócios e mantém endereço
próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis. |