A gênese de um livro
Mário Persona (*)
Colaborador
Meu editor
estava entusiasmado. Enquanto o escutava ao telefone, pensei em meus alunos
de marketing na faculdade. Precisaria correr, se quisesse chegar
na hora. Mas não dava para perder todo aquele entusiasmo. Se ele
vibrava, imagine eu!
O momento era especial. Dávamos
as últimas pinceladas na estratégia de lançamento
de meu livro. Meu primeiro, após muitas árvores e três
filhos. Mesmo tendo trabalhado por dez anos em uma editora, aquela era
uma nova emoção. Quando o livro é de outro, você
é parteira e doutor. Quando é seu você é o genitor.
O rebento nascia de minha experiência
de escriba e palestrante de negócios, marketing e Internet.
Enxugado em uma criteriosa toalha que deixava de fora todo e qualquer muco
de um entusiasmo infundado. Que não poderia fazer parte de um livro
sobre Internet para uma economia pós-onda. Quando até surfista
já tinha vendido a prancha.
Queria abordar os vários estágios
da onda e filtrar sua espuma e as sujidades oportunistas. Para revelar
toda a profundidade do mar de negócios, que permanece o mesmo depois
de toda aquela agitação. Deixando o leitor à vontade,
para sorver com prazer os conceitos sempre atuais de negócios e
até humor. Muito humor.
Sempre atual - Além
de ser um livro imune ao envelhecimento, teria que ser adequado à
nossa época. Para qualquer um, em qualquer lugar, ler e entender.
O sempre atual estilo de crônica seria perfeito. Uma crônica
tem o poder de tornar perene aquilo que é mutante, efêmero
e volátil. Como ondas, por exemplo.
Lourenço Diaféria,
de quem cresci fã, descreveu o gênero
assim: "Rápido, mas não apressado; leve, mas não volátil;
rasteiro, mas não desmazelado... capaz de transmitir sentimentos
pessoais, até íntimos, mas ao mesmo tempo transferíveis
a qualquer leitor... para ser lido, com complacência, e até
prazer, pelo dono do jornal, pela mulher do dono do jornal e pela mãe
do dono do jornal. Essa é a crônica perfeita."
O livro teria que ser um jardim de
variedades, atraente para quem chegasse de qualquer lado. Para ser lido
do começo, do fim, do meio, não importa. E adequado para
se parar de ler, com pausas sombreadas para pensar. Suas páginas
translúcidas deveriam ser traspassáveis ao olhar de quem
quisesse contemplar o vazio. Que já não seria mais, quando
o olhar chegasse lá. Um livro para visionários com sandálias
que não soltam as tiras. Querem voar, mas com os pés no chão.
Se eu iria alcançar esses
objetivos, não sei. Com ousadia ou sem ela, o trabalho seria o mesmo.
Só sei que tanta pretensão carecia de capa e da magia da
ilustração. Escolhi Murilo Maluf, cujo traço me fazia
recordar a nordestina literatura de cordel. Aquele estilo anguloso, que
come o espírito da história e o cospe no entalhe. Não
de madeira xilográfica, mas de bits e bytes. Imagem perfeita para
se pendurar no varal de uma rede mundial.
Faltava um título. Mas não
um qualquer. Devia carregar todo o romantismo de uma época efêmera.
E soar familiar. "Serve Shakespeare?", pensei em voz alta. "Serve!", respondi
para mim. E foi aí que surgiu "Crônicas de uma Internet de
verão". Subtítulo? "Um livro de negócios para ler
na praia". O olhar marketeiro percebeu que o lançamento precederia
as férias de verão.
Por isso tudo fico entusiasmado,
mas não embriagado. Meu livro é só mais um entre milhões.
Minha preferência continuará depositada em outro livro, que
por mais de duas décadas tem sido a vela de minha nau temporária.
Tecida de pontos temporais com linha eterna. A Bíblia. Falar deste
livro traz mais que entusiasmo.
Mas embora eu seja um homem de comunicação,
nem sempre consigo comunicar o seu valor. Certa vez errei ao querer impressionar
um humilde agricultor. Apontei para o exemplar que tinha em mãos,
impostei a voz, e declarei: "Valdevino, este livro tem mais de quatro mil
anos". Só para ouvir seu comentário, de genuína simplicidade:
"E até que está bem conservado, sô!".
(*) Entrevista
a Rony Farto Pereira para o Proleitura, publicação bimestral
do Grupo Acadêmico "Leitura e Literatura na Escola", do Departamento
de Literatura da Faculdade de Ciências e Letras - UNESP, Campus de
Assis.
(*) Mário
Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica
faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico
Crônicas
de Negócios e mantém endereço
próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis. |