A última palavra em embalagem
Mário Persona (*)
Colaborador
O pacote
era suspeito. Vinha dos Estados Unidos, com remetente e conteúdo
desconhecidos. Como destino, o nome de meu filho, seguido de um misterioso
sobrenome americano. Meu tato denunciava um objeto flexível, envolto
em plástico e oculto no envelope. Influenciada pelo noticiário
da "terrorvisão", a família assumiu sua sinistrose contumaz:
"É uma bomba de antraz!".
Felizmente meu filho se lembrou do concurso
para ganhar uma capa para seu Pocket PC. Salva na última hora, a
capa quase teve destino igual ao presente que comprei para minha irmã.
Sem papel adequado, embrulhei-o em papel pardo. Como era cedo para tocar
a campainha, enfiei o pacote na caixa de correspondência. Para depois
avisar.
Esqueci. Na dúvida entre ser
uma bomba ou um trabalho de macumba, meu cunhado não pensou duas
vezes. Num arremesso olímpico, lançou o pacote por cima do
muro de uma construção próxima. Para alegria de algum
pedreiro, que pensou estar sendo bombardeado por Papai Noel.
Hoje qualquer produto que falhe em
dar uma indicação clara e honesta de seu conteúdo
cai na vala comum dos objetos suspeitos. Daí a importância
de um projeto adequado de embalagem. Que, pelo exterior, convença
o cliente a comprar seu propagado teor.
Comercial instantâneo
- A evolução da embalagem ganhou impulso quando o armazém
da esquina empacotou. Na gôndola do supermercado, a embalagem deixou
de ser um saco pardo para ganhar status de comercial instantâneo.
Ali, caixas coloridas disputam a atenção das condutoras de
carrinhos de arame. Se ainda não assediam, algumas já piscam
seus leds para as donas de casa.
Mas embalagem também é
sinônimo de conveniência. Pagamos por conveniência, quando
esta vem na forma de segurança, higiene e integridade do produto.
Quando eu era criança, tudo era embalado na hora da compra. Fazer
compras para a mãe era voltar andando sobre ovos e não chorar
sobre o leite derramado. O único produto que vinha embalado de fábrica
era o frango. Envolto em penas.
Embalagem hoje é sinônimo
de prestígio. Eu e minha esposa marcamos encontro com uma amiga
no aeroporto, onde esperaríamos outra vinda do exterior. Aproveitamos
para levar alguns objetos que ela tinha esquecido em nossa casa. Acondicionados
em uma prática sacolinha plástica de supermercado.
Nossa amiga, sempre elegante, só
tocou na sacola na hora de ir embora. Lá dentro, quem carregou fui
eu. Ela preferia morrer a ser vista desfilando com uma sacolinha de supermercado
no saguão de um aeroporto internacional. Se fosse uma sacola de
grife,
ela teria insistido em carregar.
A embalagem também faz do
cliente um veículo da marca. Somos inocentes úteis, principalmente
nas feiras e exposições. Ali recepcionistas gentilmente arrancam
a sacola que trazemos na mão, para enfiá-la na sacola de
sua empresa. Com a qual desfilamos até o próximo estande,
onde outra sacola nos espera. Como a maior sempre contém a menor,
saímos da feira com a última sacola, a gigante. Transformados
em outdoor de pernas.
Cada embalagem tem sua razão
de ser. Desde a famosa garrafa de Coca-Cola, cuja silhueta virou sinônimo
de marca, até rótulos de aparência antiga que transmitem
a credibilidade da tradição. Mesmo a trivial rolha continua
indispensável. Acreditamos que vinho plebeu seja o coroado com tampinha
de lata.
Nas aulas de marketing, levo
um arsenal de objetos para servir de ilustração, como o copo
de uso diário que um dia guardou requeijão. Levo garrafas,
latas e caixas, para mostrar detalhes curiosos de cada um. Para carregar
tudo aquilo pela faculdade, uso uma grande sacola. De grife.
Função dinâmica
- O ponto alto da aula é a embalagem com função dinâmica.
Tiro da sacola copinhos plásticos de leite ou café, com fundo
falso contendo produtos químicos. Aperta-se o fundo e uma reação
química esquenta o café ou gela o leite do copo. É
a embalagem virando geladeira e fogão.
Mas nada suplanta as embalagens fabricadas
por uma indústria local, que anuncia suas atividades com uma grande
placa: "Embalagens Especiais". Fiquei curioso para descobrir que embalagens
especiais são aquelas. Descobri. É o que eu chamaria de a
última palavra em embalagem. Urnas funerárias.
(*) Mário
Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica
faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico
Crônicas
de Negócios e mantém endereço
próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis. |