Cliente satisfeito é amigo
do peito
Mário Persona (*)
Colaborador
Era uma
extração em série. Verdadeira linha de desmontagem
de dentes brancos das mais variadas cores. Desde amarelo-nicotina até
preto-cárie. Cor predileta de Henry Ford, criador da linha de montagem.
Que quando indagado se havia alguma proibição para seus carros
serem de outra cor, respondia: "Os carros podem ser produzidos em qualquer
cor, desde que sejam pretos".
Na aula prática da faculdade
de Odontologia, meu amigo fazia parte dos discípulos de Tiradentes.
E aprendia a técnica colonial de se extrair o mal pela raiz. As
cobaias, apelidadas de pacientes, eram pessoas que não podiam ou
não queriam pagar por uma extração privada. Sobrava
aquela alternativa. Mais pública, porém mais grátis
que a privada.
Na sala cor marfim, uma fileira de
poltronas trêmulas sustentavam pacientes boquiabertos com o palavreado
"dos doutor". Qualquer linguagem produzida na "Área de Broca" do
cérebro de professores e alunos tinha som de broca na compreensão
dos pacientes. O abismo de comunicação ali só não
era maior que as cáries. Verdadeiras cavernas onde ecoava a dor.
A falta de uma comunicação
clara é a principal razão do isolamento de algumas empresas.
Só são achadas pelos credores. Mas, mesmo quando encontradas,
lhes falta saliva para informar, encantar, explicar e gerar uma ação
da parte dos clientes. E o problema começa dentro. Pergunte aos
seus funcionários o que sua empresa faz. Não sabem? Então
nem perca tempo em perguntar ao mercado. Como sairia da boca a palavra
que não existe na garganta?
Impressão - Há
empresas que usam uma linguagem carregada de tecnicismos para impressionar
o cliente. E impressionam. Divirto-me nas feiras de tecnologia, cheias
de clientes impressionados. Com sacolas derramando prospectos criptografados,
só decifráveis pelos concorrentes. Que também se esforçam
para explicar como fazem, sem dizer o quê, para clientes que passam
incólumes, vão embora potenciais, e permanecem virgens de
qualquer influência. Mas impressionados.
O problema ocorre porque falamos
do que gostamos de falar, não do que o cliente gostaria de ouvir.
Despejamos informação, quando deveríamos criar comunicação.
Aquela de mão dupla, que só começa quando completada
a conexão. Antes disso não passa de informação
à disposição. Como santinho em mão de boca
de urna de partido ruim. Ninguém pega.
Há empresas que conversam
com o mercado em linguagem de advogado. Com rodeios, palavras difíceis
e termos técnicos. Parecem gostar de manter o cliente na posição
de demente. Com discursos que sublinham a ignorância, gostam de manter
distância. Mas cliente à distância não é
cliente. É consumidor. Cliente, com ente maiúsculo e que
vive satisfeito, é aquele tratado como amigo do peito.
Veja a evolução da
tecnologia da comunicação. Começou no tête-à-tête
do contato pessoal. Depois gritaram de longe, bateram tambores e fizeram
sinais de fumaça. Num dia de chuva, alguém decidiu transformar
a linguagem em símbolos. Surgiu a escrita. Durante séculos
foi a única forma de comunicação à distância,
até a invenção do extrato de tomate.
Pelo menos era essa a minha idéia
quando criança, já que meus telefones de barbante eram feitos
com as latinhas de extrato de tomate Elefante. Porém descobri que
Graham Bell já tinha criado algo mais eficiente, retornando o contato
pessoal ao tête-à-tête. Era a tecnologia trazendo
a boca de volta para junto do ouvido. E aproximando pessoas.
No seio maxilar - Mas a tecnologia
só aproxima. Cabe à empresa criar um discurso bem mastigado
para seu mercado. Principalmente se o cliente não puder mastigar.
Como aquela senhora, com duas mãos dentro de sua boca e sem entender
o que "os doutor" falavam. E pensar que ela havia entrado ali só
para "distrair o dente do cisne"!
O professor procurou acalmá-la,
explicando que as radiografias periapicais mostravam uma área radiopaca
na região do terceiro molar, que tinha raízes volumosas abraçando
o osso interradicular. Mas tudo seria feito sem causar a invasão
da tuberosidade pelo antro, ou uma comunicação oro-antral
com rotura dos vasos palatinos. A paciente ficou mais tranqüila.
Enquanto trabalhava, meu amigo procurava
manter o rosto longe da boca da mulher. Não por força do
hábito, mas por força do hálito. Sob a vigilância
constante do professor, que o admoestava a ter cuidado e não deixar
o dente cair no seio maxilar. A paciente escutou e não titubeou.
Isso ela entendeu. E, com um movimento brusco, fechou o decote.
(*) Mário
Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica
faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico
Crônicas
de Negócios e mantém endereço
próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis. |