A Teoria da Aparência
nas empresas on line
Ângela Bittencourt Brasil
(*)
Colaboradora
Quando
o internauta clica em seu mouse e direciona a sua ação para
um endereço comercial da Web, abre-se para ele uma página
colorida, verdadeiro outdoor com apelos promocionais e aplicações
de tecnologia avançada de
forte impacto visual. Esta aparência
leva o usuário a imaginar uma forte empresa por trás de todas
aquelas cores e usando de boa fé é levado a aceitar a proposta
ali inserida, certo de que está fazendo um bom negócio.
Esta situação fática
representa uma situação jurídica verdadeira, e o Direito
trouxe para nós a Teoria da Aparência, a fim de proteger o
bem jurídico tutelado de quem de boa fé foi iludido por aquele
conjunto de cores, sons e técnicas expostas na home page.
A aparência, para o nosso Direito,
está acima da própria realidade e confere os mesmos vínculos
de responsabilidade aos contratantes e, mesmo parecendo incoerente que
o direito dê ênfase à aparência em detrimento
da realidade, esta é a tendência do Direito Moderno hoje abraçada
pelo Código do Consumidor.
Tutelar a boa fé de terceiros
envolvidos em uma situação aparentemente jurídica
é a explicação doutrinária para reconhecer
a eficácia dos negócios e a responsabilidade civil de quem
induz o outro de boa fé a erro.
Propaganda enganosa - Existe
hoje em nosso ordenamento jurídico uma legislação
específica para os casos de propaganda enganosa no Código
do Consumidor, nos casos de venda de produtos ou de serviços que
mostram uma aparência diversa da realidade daqueles realmente existentes.
Porém, para outras situações
temos que nos socorrer das várias disposições particulares
do Código Civil e que por analogia podem ser estendidas às
situações semelhantes, inclusive aquelas ocorridas no ambiente
virtual.
Somente para ilustrar, citamos o
artigo 1600 do Código Civil, que acolheu a Teoria da Aparência.
Outros dispositivos, como, por exemplo, os artigos 1.318, 221 e 935, igualmente
nos indica o mesmo caminho, e - como admite o artigo 4º da Lei de
Introdução ao Código Civil - nada impede o uso da
analogia na matéria.
Problema que tem afligido os que
pretendem negociar na rede, principalmente no que se refere a grandes somas
envolvidas, é saber se do outro lado do monitor está uma
pessoa com poderes de concretizar o negócio e, caso contrário,
se o negócio é juridicamente válido.
A representação é
a atuação de uma pessoa em nome e no interesse de outra com
a intenção de fazer válido este ato, como se estivesse
sendo praticado por esta outra pessoa e na pessoa de quem vai recair os
seus efeitos.
No entanto, esta representação
pode ser igualmente aparente, ou seja capaz de induzir alguém de
boa fé a pensar que está concretizando o negócio e
acreditando estar transacionando com a pessoa certa.
A representação aparente,
facilitada pelo ambiente virtual, cria uma situação de fato
onde uma pessoa se faz passar por outra, sem poderes para tal ou delegação
do suposto contratante. Para o internauta, é difícil verificar
se quem está falando em nome da empresa é o verdadeiro representante
ou apenas alguém com aparente representação, sem poderes
para contratar.
Aqui, da mesma forma aplica-se a
teoria da representação aparente, pois, se alguém
puder supor que está negociando com um representante legal que assim
se apresente, deve ser beneficiado com a teoria da aparência, a fim
de que se tenha como válido o negócio realizado.
"A
responsabilidade patrimonial conseqüente do negócio feito por
meio de sites de e-commerce e com base da teoria da aparência
é do representado, como se os tivesse realizado pessoalmente"
|
Artigo 75 - Vemos com isso
que, como a comunicação eletrônica dificulta ainda
mais a identificação pessoal do interlocutor, nada mais conveniente
do que aplicar o mandamento do artigo 75 do Código Comercial, que
consagra a representação ou mandato aparente, ao afirmar
que "os proponentes são responsáveis pelos atos dos feitores,
guarda-livros, caixeiros e outros quaisquer prepostos, praticados dentro
das suas casas de comércio, que forem relativos ao giro comercial
das mesmas casas, ainda que se não achem autorizados por escrito".
Seguindo os ditames do artigo que
se encontra em vigor, todos aqueles que se disserem representantes ou mesmo
falarem por toda a empresa, seja virtual ou não, estarão
obrigando contratualmente o representado.
Se no ambiente off line se
discute se é preciso prova da representação, no clima
virtual esta dificuldade é de tal monta que, no nosso entender,
basta que os elementos aparentes de um lado e a boa fé do contratante
do outro estejam presentes para a validade e eficácia do acordo.
Como o terceiro, que se encontra
fora do ângulo de visão, poderá aferir se está
lidando com um falso diretor, ou falso gerente? A hipótese do recurso
de videoconferência não derruba esta hipótese porque,
da mesma forma, poderá haver indução a erro, excluindo-se
casos de pessoas impossibilitadas de comerciar, tais como crianças
e doentes mentais. Evidentemente, torna-se necessário que o comportamento
do falso administrador incite o de terceiros, levando-os à crença
de que tratam com alguém que exerce legitimamente a função.
Negligência e culpa
- A negligência do representado, ao deixar que outras pessoas - ao
manusearem a máquina - adentrem nos negócios do seu e-commerce,
implica para nós em culpa in vigilando e, em conseqüência,
na sua responsabilidade civil em responder pelos resultados do negócio
articulado na rede.
Surge no entanto a questão
da responsabilidade objetiva, onde o representado nem tem conhecimento
de que está sendo objeto de acordos, como pode acontecer num site
de e-commerce por onde circulam webmasters, editores, programadores
e outros que poderiam em nome da empresa estar fechando negócios.
Então, outra corrente sustenta
que esta responsabilidade, surgida da aparência de representação,
não tem como pressuposto a culpa do representado, pois neste caso
não há que se atribuir à teoria da aparência
para justificar a responsabilidade do representado, uma vez que esta se
verifica tão só pela sua culpa.
O argumento mais forte é de
que o pseudo representante cria para o usuário de boa fé
uma realidade fática com efeitos jurídicos. Esta crença
ilusória - que induz o terceiro de boa-fé em erro - não
deve ser usada, porque o mais importante é a garantia e a segurança
das transações comerciais.
Como todo negócio oferece
riscos, este é mais um que o comerciante corre, esteja seu negócio
nas ruas ou apenas da rede Internet, pois o que não se pode é
deixar que o usuário arque com estes riscos.
Sabemos que é imprescindível
uma causa que justifique a confiança de terceiro em relação
ao suposto poder do representante, mas o que poderia ser mais justificável
do que um negócio fechado dentro do site, onde apenas pessoas de
estrita confiança podem manusear os computadores da empresa virtual?
Assim, concluindo, a responsabilidade
patrimonial conseqüente do negócio feito por meio de sites
de e-commerce e com base da teoria da aparência é do
representado, como se os tivesse realizado pessoalmente.
(*) Ângela
Bittencourt Brasil é especializada em Direito de Informática,
membro do Ministério Público do Rio de Janeiro e editora
do site Ciberlex. |