Gestão de mudanças
em tempos de crise
Mário Persona (*)
Colaborador
Naquela
época, o muro de nossa casa era mais baixo e nossos filhos também.
À meia-noite a campainha tocou. A vizinha vira dois homens pulando
o muro e fugindo, levando o velocípede de meu filho. Ainda podia
vê-los, dobrando a esquina a poucas quadras dali.
Com a adrenalina atropelando o bom senso,
resolvi tentar uma vaga para vítima do noticiário policial.
Peguei minha viatura e saí em perseguição aos meliantes
que haviam adentrado meu recinto para subtrair um veículo. O velocípede.
Aquele paladino da valentia, saltando
pela porta escancarada de um carro de faróis altos e freada estridente,
assustou os bandidos. Do bolso do casaco, eu apontava o inofensivo cano
de meu indicador. Que nem sequer era oco. Eles tinham por líquido
e certo que eu era policial. Líquido e certo foi o que quase fiz.
Quando vi a cara dos marginais.
Adrenalina demais e cautela de menos
são a receita certa para o desastre. Não importa se o tempo
é de paz ou de guerra, basta nosso negócio sofrer um atentado
do mercado e queremos partir para o ataque. Mas atacar o que?
Quando a economia à frente
pára de repente, é loucura responder com o pé na tábua
da insensatez. Ou com a freada brusca do susto. O estrago pode ser maior.
Em momentos assim é preciso serenidade para saber o quanto frear,
para onde desviar e quando voltar a acelerar. Escapando do engavetamento
do mercado.
Como fazem os tubarões, é
preciso estar sempre em movimento. Mas atento, sem se deixar levar pelo
pânico. Investigando, ponderando, e agindo com lucidez. Todo negócio
exige coragem para começar, persistência para permanecer e
ousadia para sair ou mudar. Com entusiasmo e cabeça fria. O entusiasmo
nos motiva para o sucesso. Decisões emotivas nos levam ao fracasso.
Persistir e mudar - Quando
o Dr. Seuss decidiu escrever livros infantis, seus manuscritos foram recusados
vinte e oito vezes. Qualquer um teria desistido, mas não o Dr. Seuss.
Ele persistiu, e hoje celebra mais de duzentos milhões de livros
vendidos em todo o mundo.
Todavia, a persistência cega
é tão prejudicial quanto a parada ou mudança de direção
sem razão. Um campeão de hóquei no gelo, a quem perguntaram
como conseguia esquiar tão bem, respondeu: "Mantendo os olhos fixos
no disco". Ele parava ou mudava de direção quando tinha um
motivo forte para fazê-lo.
Sem desprezar os competidores, nem
perder de vista o gol, às vezes é preciso estar preparado
para desvios e retrocessos. Um acatamento estratégico de perdas
que apenas posterguem os ganhos. Porque às vezes tomamos decisões
erradas e precisamos saber como lidar com as conseqüências do
erro.
Por isso, após pegar o velocípede
e colocá-lo no carro, sem tirar os olhos dos bandidos que continuavam
com as mãos levantadas, fiz a pergunta mais idiota do mundo: "Por
que vocês roubaram o velocípede?" Fiz de conta que acreditei
quando um deles contou que estava sem dinheiro para comprar um presente
para o aniversário do filho doente.
Aqueles ladrões sabiam onde
eu morava. E poderiam aprontar uma represália para quem quase os
matara do coração. Armado de um dedo no bolso. Em momentos
assim, o melhor é tomar uma direção completamente
nova. Que surpreenda, ainda que nos custe algo. Trocar de produto, escolher
outra atividade ou dissolver uma sociedade. Às vezes é preferível
sair no prejuízo só para evitar dor de cabeça no futuro.
Foi o que fiz. Os dois deram um passo
atrás, quando levei a mão livre ao bolso traseiro. Tirei
a carteira, saquei dela uma nota e a estendi ao ladrão. "Tome" -
disse eu com pose de Robin Hood - "compre um presente para seu filho".
Aproveitei para sair dali, enquanto eles estavam algemados pela surpresa.
Já podia dormir sossegado. Com algum prejuízo, mas sossegado.
(*) Mário
Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica
faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico
Crônicas
de Negócios e mantém endereço
próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis. |