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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 09/28/01 15:06:56
Um novo modelo de indigestão empresarial 

Mário Persona (*)
Colaborador

Aquela era minha modesta incursão na contravenção. Auxiliado por minha rede de relacionamentos, estava prestes a praticar um daqueles delitos que costumamos chamar de jeitinho. Que poderia manchar minha reputação.
Eu planejava uma fuga. Não muito audaciosa, mas que me livraria definitivamente daqueles exercícios matinais no pátio anexo. Não que eu não gostasse de tomar sol. Gostava. Mas não queria estar ali. Como acontece com qualquer plano criminoso, não consegui ficar calado.

Minha rede de relacionamentos divulgou o plano, até me apresentarem à pessoa certa. Sua mãe, uma médica, forneceria o atestado para minha fuga. Logo eu estaria livre! Livre de acordar cedo para as aulas de educação física da faculdade.

A contravenção é mestra na rede de relacionamentos. Organizações terroristas funcionam bem em redes estranhamente organizadas. Ainda que a comunicação seja limitada, as condições adversas e a improvisação uma constante, cada pequeno elo sabe o que fazer. E faz.

Empresas também têm suas organizações em rede. Umas terríveis de boas. Outras terroristas de más. Pessoas que trabalham com um objetivo e senso comum de cumprimento do dever. Ou de boicote a ele. Ajudam-se para manter as coisas funcionando - ou emperrando - sem precisar de estímulo externo. Todo administrador deve saber como cortar os elos das redes malignas sem importunar o funcionamento das redes benignas.

Intromissão - Infelizmente alguns cortam a jugular quando tentam eliminar varizes. Demitem ou transferem alguém sem importância no organograma corporativo, mas vital no "organicograma" ativo. Departamentos inteiros desmoronam assim. Peter Drucker escreveu que "A maior parte do que hoje chamamos de gestão não passa de intromissão na maneira como as pessoas já fazem o trabalho".

Enquanto os cortes destróem as redes dentro das empresas, os cortados se organizam fora delas. Surge uma nova empresa com as características do "inimigo sem rosto" do terrorismo. São profissionais que se amarram em uma rede de relacionamentos. Uma rede mais extensa, mais rica e mais eficiente, fora dos limites convencionais. Vínculos casuais viram nós permanentes. E continuam informais.

É difícil hoje, para um exército convencional, competir com uma estrutura terrorista em rede. O problema é descobrir onde acaba o pescoço da minhoca e começa a cabeça pensante. Pois a própria rede pode ser o cérebro pulsante. O modelo organizacional e de gestão do terrorismo pode servir de modelo para a gestão deste século. Capaz de competir com vantagem no campo de batalha da falta de empregos perenes, da diluição das marcas, e dos negócios desmontáveis.

Adaptação - Versatilidade é fator de sobrevivência no parque da mutação contínua. Adaptar ou morrer. Baratas conseguem. Dinossauros não. Quando tiraram a pedra que abrigava a sociedade agrícola, as baratas correram a se esconder sob a indústria. Quando a robotização chegou, o negócio foi se abrigar em processos e serviços. Chega a vez do colarinho branco ser pulverizado pelo aerossol dos sistemas inteligentes. Algumas baratas morrem. A maioria se adapta.

Sob a branca pia da gestão convencional, surge um modelo de empresa sem marca e sem face. Onde cada um conhece o seu papel e missão. De quartéis voláteis, líderes momentâneos coordenam ataques bem definidos a problemas localizados, se alternando entre gestão e produção, ora comandantes, ora comandados. Um modelo que os xiitas da gestão convencional dificilmente irão engolir. Poderão considerar uma imitação barata, uma antigestão, marginal e indigente. Uma indigestão empresarial.

Todo esse monta-desmonta de empresas acena para um novo perfil também do profissional. Sem a sombra protetora de uma grande marca, ele deve ser gestor de sua própria imagem e competência. Se quiser continuar na marginal sem virar um. Porque sempre haverá aquela tentação de sucumbir ao jeitinho. Que pode se transformar em arma letal contra sua reputação.

A minha ruiu assim, ao me apresentar para a aula de educação física com uma ensaiada expressão nauseabunda. Na mão, o envelope fechado com o atestado médico que minha colega conseguira. Envelope branco, com ar de confidencial. O professor abriu, leu e sorriu. "Desde quando você vai a esse tipo de médica? Vá se trocar para o aquecimento!", sentenciou ele. O atestado acabara de virar atentado. Contra minha reputação. Saí de fininho, enfiando no meio das pernas o rabo, e no bolso o papel timbrado, de uma clínica de senhoras. Não sabia que a mãe de minha colega era ginecologista.

(*) Mário Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis.