Um novo modelo de indigestão
empresarial
Mário Persona (*)
Colaborador
Aquela era
minha modesta incursão na contravenção. Auxiliado
por minha rede de relacionamentos, estava prestes a praticar um daqueles
delitos que costumamos chamar de jeitinho. Que poderia manchar minha reputação.
Eu planejava uma fuga. Não muito
audaciosa, mas que me livraria definitivamente daqueles exercícios
matinais no pátio anexo. Não que eu não gostasse de
tomar sol. Gostava. Mas não queria estar ali. Como acontece com
qualquer plano criminoso, não consegui ficar calado.
Minha rede de relacionamentos divulgou
o plano, até me apresentarem à pessoa certa. Sua mãe,
uma médica, forneceria o atestado para minha fuga. Logo eu estaria
livre! Livre de acordar cedo para as aulas de educação física
da faculdade.
A contravenção é
mestra na rede de relacionamentos. Organizações terroristas
funcionam bem em redes estranhamente organizadas. Ainda que a comunicação
seja limitada, as condições adversas e a improvisação
uma constante, cada pequeno elo sabe o que fazer. E faz.
Empresas também têm
suas organizações em rede. Umas terríveis de boas.
Outras terroristas de más. Pessoas que trabalham com um objetivo
e senso comum de cumprimento do dever. Ou de boicote a ele. Ajudam-se para
manter as coisas funcionando - ou emperrando - sem precisar de estímulo
externo. Todo administrador deve saber como cortar os elos das redes malignas
sem importunar o funcionamento das redes benignas.
Intromissão - Infelizmente
alguns cortam a jugular quando tentam eliminar varizes. Demitem ou transferem
alguém sem importância no organograma corporativo, mas vital
no "organicograma" ativo. Departamentos inteiros desmoronam assim. Peter
Drucker escreveu que "A maior parte do que hoje chamamos de gestão
não passa de intromissão na maneira como as pessoas já
fazem o trabalho".
Enquanto os cortes destróem
as redes dentro das empresas, os cortados se organizam fora delas. Surge
uma nova empresa com as características do "inimigo sem rosto" do
terrorismo. São profissionais que se amarram em uma rede de relacionamentos.
Uma rede mais extensa, mais rica e mais eficiente, fora dos limites convencionais.
Vínculos casuais viram nós permanentes. E continuam informais.
É difícil hoje, para
um exército convencional, competir com uma estrutura terrorista
em rede. O problema é descobrir onde acaba o pescoço da minhoca
e começa a cabeça pensante. Pois a própria rede pode
ser o cérebro pulsante. O modelo organizacional e de gestão
do terrorismo pode servir de modelo para a gestão deste século.
Capaz de competir com vantagem no campo de batalha da falta de empregos
perenes, da diluição das marcas, e dos negócios desmontáveis.
Adaptação -
Versatilidade é fator de sobrevivência no parque da mutação
contínua. Adaptar ou morrer. Baratas conseguem. Dinossauros não.
Quando tiraram a pedra que abrigava a sociedade agrícola, as baratas
correram a se esconder sob a indústria. Quando a robotização
chegou, o negócio foi se abrigar em processos e serviços.
Chega a vez do colarinho branco ser pulverizado pelo aerossol dos sistemas
inteligentes. Algumas baratas morrem. A maioria se adapta.
Sob a branca pia da gestão
convencional, surge um modelo de empresa sem marca e sem face. Onde cada
um conhece o seu papel e missão. De quartéis voláteis,
líderes momentâneos coordenam ataques bem definidos a problemas
localizados, se alternando entre gestão e produção,
ora comandantes, ora comandados. Um modelo que os xiitas da gestão
convencional dificilmente irão engolir. Poderão considerar
uma imitação barata, uma antigestão, marginal e indigente.
Uma indigestão empresarial.
Todo esse monta-desmonta de empresas
acena para um novo perfil também do profissional. Sem a sombra protetora
de uma grande marca, ele deve ser gestor de sua própria imagem e
competência. Se quiser continuar na marginal sem virar um. Porque
sempre haverá aquela tentação de sucumbir ao jeitinho.
Que pode se transformar em arma letal contra sua reputação.
A minha ruiu assim, ao me apresentar
para a aula de educação física com uma ensaiada expressão
nauseabunda. Na mão, o envelope fechado com o atestado médico
que minha colega conseguira. Envelope branco, com ar de confidencial. O
professor abriu, leu e sorriu. "Desde quando você vai a esse tipo
de médica? Vá se trocar para o aquecimento!", sentenciou
ele. O atestado acabara de virar atentado. Contra minha reputação.
Saí de fininho, enfiando no meio das pernas o rabo, e no bolso o
papel timbrado, de uma clínica de senhoras. Não sabia que
a mãe de minha colega era ginecologista.
(*) Mário
Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica
faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico
Crônicas
de Negócios e mantém endereço
próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis. |