Independência e Sorte
Mário Persona (*)
Colaborador
Gosto de
ensinar. É gratificante poder dar algo a alguém. Principalmente
conhecimento, que você não subtrai quando divide. Mas soma
e multiplica. Hoje ensino marketing para universitários. Mas já
lecionei de tudo um pouco numa escola secundária. Foi há
mais de vinte anos, quando era professor voluntário no mais interior
dos interiores. Muito além das Gerais dos Inconfidentes.
Eu era um dos quatro únicos professores
formados, numa cidade onde o quinto diplomado era o Tiradentes local. Um
título que lhe cabia bem, em meio às tantas cavidades daquela
descalcificada população. Tamanha era a independência
de dentes proclamada pelas bocas locais, que até algumas dentaduras
postiças sorriam suas vagas.
Com minha esposa e um casal de jornalistas,
éramos os estrangeiros do lugar. Jovens empreendedores e idealistas,
segundo o nosso julgar. Irresponsáveis e inconseqüentes, no
julgar de nossos pais. A verdade é que não medíamos
esforços nem riscos. E nem ligávamos para as convenções
e obrigações, como organizar aquele desfile do 7 de Setembro.
Um feriado que só com criatividade ficaria prolongado.
Ideal? - Empreendedorismo
rima com idealismo. São coisas parecidas. Talvez você diga
que o ideal do empreendedor é mais mesquinho. Obter lucro a qualquer
custo. Será? Se o lucro fosse a meta, muitos teriam parado no primeiro
milhão. Idealista e empreendedor buscam independência. Para
empreender e sonhar. A meta não passa de um botão que aciona
a satisfação.
Independência e sorte é
o ideal do empreendedor. Liberdade, ainda que tarde, o empreendimento do
idealista. Mas ambos querem desembainhar seu próprio rumo. Decidir
como trabalhar, o que produzir, quando parar. Parecem buscar uma nova fronteira.
Mas não pretendem parar ali. Para eles, alvo é como balde.
Se chegar perto, chutam para mais longe.
Enquanto muitas empresas dizem estimular
o funcionário empreendedor, a prática da teoria é
outra. Mais ao estilo de Frederick Taylor, pai do gerenciamento científico.
Ele sugeria que o trabalho cerebral fosse banido do ambiente de produção
e deixado para gerentes. Operários não eram pagos para pensar,
mas para produzir.
O grito característico desta
doutrina é "Lucratividade ou morte". Para quem estiver ao alcance
da lâmina. No vácuo moral da antiga administração
só cabem números. Para encher o vácuo moral da antiga
administração. Pessoas são reles vassalos que existem
para servir cegamente a coroa.
Negócio de valor -
Mas há empresas descobrindo que valorizar gente é bom negócio.
E não estou falando aqui da valorização do cliente.
Porque todos já estamos cansados de saber que o cliente está
em primeiro lugar. Mas... cá entre nós, está?
É claro que não. Os
interesses dos acionistas estão em primeiro lugar. Se não
acredita, pergunte ao Papai Noel. Na prática, o acionista vem primeiro,
depois o cliente. Por último, o funcionário. Aquele que a
empresa espera que seja empreendedor. Talvez trazido por uma cegonha.
E se alguém alterar esta ordem?
Tirar do trono o acionista e colocar o funcionário lá? Será
que ele viraria empreendedor? Sendo valorizado, talvez trabalhe melhor.
Com liberdade para criar, pode ousar sem medo de errar. E se trabalhar
satisfeito, sua satisfação pode contaminar o cliente. Que
dará mais lucro para o acionista. Que ri por último.
Esqueça. Acho que estou delirando.
Ninguém produz mais se for valorizado. Nem fica mais criativo se
lhe dão espaço. Uma liberdade assim levaria o funcionário
a pensar fora dos limites conhecidos. Um verdadeiro desastre e um ultraje
para os padrões, normas e convenções estabelecidas.
Ou não?
Ultrajante mesmo foi a solução
que encontramos para visitar nossos familiares, sem privar a população
do feriado e desfile de 7 de Setembro. Marchamos com a fanfarra da escola
até nossa Kombi, estrategicamente estacionada numa bifurcação.
Dali o desfile seguiu para a direita. E nós seguimos o coração.
Por sorte aquela independência
não acabou em morte. Para nossas carreiras, quando ouvimos da delegada
de ensino um brado mais bravo que o do Ipiranga. Avisando aqueles jovens
inconseqüentes que seu desejo de viajar os tinha levado longe demais.
Quando conseguiram convencer uma cidade inteira a antecipar o 7 de Setembro
para o dia quatro. Culpa do desejo de liberdade. Ainda que cedo.
(*) Mário
Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica
faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico
Crônicas
de Negócios e mantém endereço
próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis. |