Conflito: registro de domínios
e Direito Marcário
Ângela Bittencourt Brasil
(*)
Colaboradora
A
Resolução nº 1 do Comitê Gestor Nacional, logo
em seu artigo 1º, estampa a seguinte diretriz: "Art. 1º. O Registro
de Nome de Domínio adotará como critério o princípio
de que o direito ao nome do domínio será conferido ao primeiro
requerente que satisfizer, quando do requerimento, as exigências
para o registro do nome, conforme as condições descritas
nessa resolução e seus anexos".
Vê-se que o legislador administrativo
adotou o princípio do "first to file" onde o primeiro que
registrar será o possuidor do domínio requerido.
Porém, a postura da instituição
delegada - Fapesp - em não registrar determinados domínios,
tendo como espelho a Lei de Propriedade Industrial, veio em decorrência
da mesma Resolução 1/88 do Comitê Gestor, que em seu
art. 2º, inciso III do Anexo I, relaciona domínios irregistráveis
e entre eles, palavras que possam induzir terceiros a erro, como marcas
de alto renome ou notoriamente conhecidas. Somente para argumentar, queremos
lembrar que trata-se de uma norma administrativa que não está
imune à apreciação judicial.
Como toda Resolução,
a do Comitê Gestor tem a natureza dos atos administrativos cuja abrangência
se dá em relação aos administrados e é espécie
do gênero ato jurídico que tem como escopo a aquisição,
o resguardo, a transferência, a modificação ou extinção
de direitos em matéria administrativa.
Inferior à lei em hierarquia,
o ato administrativo emana, via de regra, do Executivo e, no caso a Resolução
Administrativa, é um ato administrativo formal e que não
pode se contrapor às normas legais vigentes.
Lei e regulamento - Bandeira
de Mello ensina que, "se o regulamento não pode criar direitos ou
restrições à liberdade, propriedade e atividades dos
indivíduos que já não estejam estabelecidos e restringidos
na lei, menos ainda poderão fazê-lo instruções,
portarias ou resoluções. Se o regulamento não pode
ser instrumento para regular matéria que, por ser legislativa, é
insuscetível de delegação, menos ainda poderão
fazê-lo atos de estirpe inferior, quais instruções,
portarias ou resoluções. Se o chefe do Poder Executivo não
pode assenhorear-se de funções legislativas nem recebê-las
para isso por complacência irregular do Poder Legislativo, menos
ainda poderão outros órgãos ou entidades da Administração
direta ou indireta." (Curso de Direito Administrativo, Malheiros,
10ª ed., p. 224).
Como se percebe, a Resolução
do Comitê Gestor, ao criar direitos de registro de domínio,
não observou a prescrição legal insculpida no Direito
Marcário, que dá ao dono da marca poderes exclusivos sobre
o uso do nome. E não se fale em marca notória ou desconhecida
do público, já que a Lei de Propriedade Industrial e a de
Direito Autorais não restringe o poder do dono, dando-lhe completos
direitos sobre a marca e o nome resgistrados, respectivamente.
"...ousamos
perguntar se o INPI registraria as marcas Coca Cola ou Microsoft como uma
griffe
de roupas..."
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Nulo - Se o ato administrativo
não observa a lei, e com ela se conflita, está eivado de
nulidade, já que estamos vivendo um estado de direito, onde a hierarquia
das normas há que ser observada.
Assim, mesmo que a marca não
seja notória ou de alto renome, basta que ela esteja registrada
para dar ao seu proprietário o direito de impedir que qualquer pessoa
o use para exploração comercial ou mesmo com fins de divulgação,
eis que a lei, como falamos, não pode ser derrogada por um ato administrativo.
E quanto ao limite de aplicação
da marca, ousamos perguntar se o INPI registraria as marcas Coca Cola ou
Microsoft como uma griffe de roupas ou marca de calçados,
por exemplo, já que estas atividades nada têm a ver com as
citadas. Podemos apostar que não!
Assim também deve se portar
quanto às marcas registradas de uma maneira geral, já que
não podemos tratar com desigualdade as pessoas iguais. O que vale
mais: o nome já registrado ou a notoriedade da marca? O direito
marcário não faz diferença entre eles e assim deve
seguir os atos administrativos, sob pena de estarem subvertendo a ordem
jurídica e criando um campo jurídico onde ele não
existe.
Portanto, seguindo o ensinamento
do Prof. Bandeira de Mello, se o regulamento não pode criar direitos
ou restrições à liberdade, propriedade e atividades
dos indivíduos que já não estejam estabelecidos e
restringidos na lei, menos ainda poderão fazê-lo instruções,
portarias ou resoluções, como é o caso da Resolução
do Comitê Gestor do Brasil.
(*) Ângela
Bittencourt Brasil é especializada em Direito de Informática,
membro do Ministério Público do Rio de Janeiro e editora
do site Ciberlex. |