O sonho utópico de uma rede
sem fronteiras
Ângela Bittencourt Brasil
(*)
Colaboradora
"Governos
do mundo industrial, em nome do futuro, pedimos que nos deixem sós.
Não são vocês personas gratas entre nós. Falta-lhes
soberania e legitimidade ética para implantar regras ou métodos.
Temos motivos de sobra para temer-lhes. O ciberespaço não
se ajusta em suas fronteiras".
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Esta
manifestação, que faz parte da "Declaração
de Independência da Internet", foi proclamada em fevereiro de 1996
pelo ativista norte americano de ciber direitos Perry Barlow. Mais do que
uma manifestação utópica, a declaração
apresenta uma força simbólica que merece, depois de quase
6 anos passados, uma pausa para meditarmos sobre isso.
Na China, o acesso a páginas
estrangeiras da Web está extremamente controlado e tudo o que se
publica por lá é escrupulosamente monitorado pelas autoridades
de Pequim. Em Singapura e na Arábia Saudita existem filtros e censuras
para os conteúdos, e no Irã as crianças estão
proibidas de acessar a Internet, além do impedimento geral à
consulta em sites que possam ser contrários à moral islâmica.
E mesmo na civilizadíssima
Europa, o governo da Bélgica aprovou uma norma legal que permite
a aprovação ou não de textos jurídicos que
serão disponibilizados na rede, para reforçar o seu poder
local. A Espanha não perdeu a oportunidade para estender a Internet
o mesmo controle que usou em numerosos casos concretos, nem sempre de forma
democrática.
Estas barreiras impostas na rede
se afastam cada vez mais do sonho de liberdade do mundo de livre transmissão
de dados e conteúdos onde não existiriam leis, mas apenas
respeito aos direitos humanos.
Como fazer o controle estatal?
O filtro de conteúdos e de
tecnologias para localizar a posição do usuário está
ganhando terreno à cada dia, em parte apoiado por membros do poder
judiciário destes países, como se viu em novembro de 2000,
quando um Tribunal francês ordenou ao Yahoo que não publicasse
artigos preconceituosos, venham eles do país que vierem. O argumento
do portal foi de que sites mundiais não poderiam ajustar-se às
leis específicas de cada país. No entanto a sentença
prevaleceu e abriu precedente para que um conteúdo vindo de outro
local seja censurado logo na entrada do país censurador.
Esta sentença torna-se ainda
mais relevante porque, por mais que hoje existam tecnologias para impedir
a localização geográfica do usuário, os portais
que tenham filiais dentro de certas fronteiras terão que se submeter
aos ditames da lei local.
Sim ou não? - É
seguramente necessário a existência de normas protetoras dos
consumidores e do comércio virtual, mas regular os conteúdos
e o funcionamento da atividade normal da rede, para nós parece um
tanto utópico, eis que a versatilidade da tecnologia e a liberdade
de navegação impediriam uma fiscalização efetiva
por parte dos governos locais. Se grandes e conhecidos portais ficam sob
a fiscalização governamental, é muito difícil
a monitoração de outras páginas estrangeiras menores
onde o braço da lei não pode alcançá-los de
imediato, porque não estão localizados geograficamente dentro
daquelas fronteiras.
Então caberia a pergunta:
se o internauta pode driblar os filtros, porque não faz o mesmo
em sede de comércio eletrônico e contratos virtuais? A resposta
é simples: nestes caso é de interesse do internauta ficar
seguro sob o manto da norma legal, por razões óbvias.
Na verdade, os países ao abrigo
da preocupação de combater o ciber-crime estão se
aproveitando da situação para estabelecer barreiras à
liberdade de expressão e difusão. E o perigo é passar-se
de uma liberdade total para um estado de completa restrição,
que vai ocasionar o aparecimento de novas tecnologias capazes de fazer
do internauta um grande violador das leis.
É a tendência....
(*) Ângela
Bittencourt Brasil é especializada em Direito de Informática,
membro do Ministério Público do Rio de Janeiro e editora
do site Ciberlex. |