Cyber Voyer
"... E o buraco da fechadura
é, realmente, a minha ótica de ficcionista..." (Nélson
Rodrigues)
Ana Maria Gonçalves (*)
Colaboradora
Aurélio
que me desculpe, mas prefiro Nélson ao falar de voyerismo.
É mais próprio, ou impróprio, como quiser. O voyerismo
curioso, permissivo e narcisista, que transformou a Internet - ferramenta
de informação e pesquisa militar e acadêmica - na mídia
dos olhares eletrônicos. Os olhares através da fechadura,
ou, no caso, da moldura da tela do computador.
Pergunto a Nélson se posso
dar um novo sentido à sua ótica ficcionista, afinal os tempos
mudaram. Ele me responde com outra pergunta:
- É batata?
- Sim, Nelson, é batata que
hoje em dia ficção e realidade estão ali, misturadas,
do lado de dentro e de fora do buraco da fechadura. Aliás, na Net,
qual é o lado de cá e qual é o lado de lá?
- Minha pequena, mas aí já
é promiscuidade...hahahahaha
Está aí, outra palavra
- promiscuidade, que também deve ser redefinida sob o novo conceito
da internet. A rede está provando que as pessoas estão procurando
um número maior de parceiros para se relacionar. E não apenas
no escurinho das salas de bate-papo, que aliás é quase assunto
proibido. Mas também abertamente, nos sites, nos blogs, nas listas
de discussão, nos fóruns e conferências. A diversidade
é grande: brancos, negros, amarelos, homens, mulheres, homossexuais,
adultos, adolescentes, crianças, religiosos, ateus, ricos, pobres,
intelectuais, banais etc. etc. etc.
Monitor protetor - Estas parcerias
virtuais, de algum modo, são até mais produtivas, mais verdadeiras,
mais abertas. Temos afinal, um biombo de 14 ou mais polegadas a nos proteger,
permitindo que possamos nos relacionar mais abertamente, simultaneamente
e com segurança.
Pois, sim, aqui também há
vírus e anti-vírus. Diria que talvez, em termos de comportamento
social, voltamos aos idos anos 60, o flower power, o amor livre
se transformando em conhecimento livre. E a Net é o palco onde todos
podem ter os seus 15 minutos de fama. Ou talvez, permita-me inverter o
que disse Andy Warhol: a Net pode ser onde todos tenham os seus 15 minutos
de anonimato, dentro desta grande vitrine sociológica e multifacetada.
Peço uma interview a Andy, perguntando se isto é possível.
Ele me responde com 4 de suas famosas frases, acho que concordando comigo
:
"Sou extraordinariamente passivo.
Aceito as coisas como elas são. Limito-me a olhar; eu observo o
mundo", e também "Sou do tipo que ficaria sentado em casa assistindo
a todas as festas a que sou convidado por um monitor no meu quarto", porque
"Sou do tipo que ficaria feliz indo a lugar nenhum desde que estivesse
certo que saberia exatamente o que estava acontecendo nos lugares onde
não estou", na verdade "Quero ser uma máquina".
Então, que tal uma extensão
da máquina, Andy? Aqui estou eu, conectada à minha, escrevendo
este artigo e morrendo de vontade de entrar em alguns sites por aí,
ver o que está acontecendo no mundo. E também com vontade
de ver este artigo publicado e ver o que as pessoas acham dele. Protegida
pelo meu computador, confesso: a Net desperta o meu lado voyer ávido
em bisbilhotar o conhecimento alheio e exibicionista em querer dizer o
que penso.
Anonimato? - Alguém
vai atirar a primeira pedra? Que pare com ela na mão e observe o
sucesso da sociedade digital.
As empresas estão investindo
em programas de conversação e imagem via webcams,
como é o caso do NetMeeting, da Microsoft e Netscape Comunicator,
da Netscape. Inicialmente projetados para vídeo-conferências
empresariais, proliferam mais rapidamente no ambiente caseiro, sendo coadjuvantes
em casos como daquela webcam girl, que dividia a intimidade de seu
quarto com internautas que se dispunham a pagar US$ 15.00, ou do dotcomguy.
A supervia da informação
possibilita um Show de Truman ao vivo, 24 horas por dia, numa Janela Indiscreta
moldada por pixels, onde os atores do ciberespaço fazem um troca-troca
de papéis, ora passivos e ora ativos no trânsito da informação,
desterritorializando geométrica e socialmente a detenção
do conhecimento.
E estão formando um novo tipo
de sociedade, onde uma multidão solitária estabelece um novo
tipo de relação que, embora estabelecida e materializada
através de unidades binárias, tem uma interface muito mais
amigável e sem preconceitos.
Muito mais que uma rede de conexões,
a Internet é uma rede de pessoas, que vivenciam e partilham emoções
e conhecimento e que, tal qual um simulacro do mundo real, também
têm seus pecadinhos da vida real.
Mas há ainda muito a ser mudado,
principalmente em algumas mentes preconceituosas, que ainda insistem em
barrar a troca de informações, achando que ações
como estas continuarão valorizadas.
São estas as janelas fechadas
que acabarão arrombadas - ou ignoradas, quem sabe? - pela curiosidade
voyerística
que impulsiona esta revolução que estamos presenciando. Ou
melhor: atuando. Ou melhor ainda: tanto faz.
(*) Ana
Maria Gonçalves é publicitária e escritora
em Jundiaí/SP. |