Clique aqui para voltar à página inicial  http://www.novomilenio.inf.br/ano01/0107b007.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 07/18/01 11:16:30
Cyber Voyer 

"... E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista..." (Nélson Rodrigues)

Ana Maria Gonçalves (*)
Colaboradora

Aurélio que me desculpe, mas prefiro Nélson ao falar de voyerismo. É mais próprio, ou impróprio, como quiser. O voyerismo curioso, permissivo e narcisista, que transformou a Internet - ferramenta de informação e pesquisa militar e acadêmica - na mídia dos olhares eletrônicos. Os olhares através da fechadura, ou, no caso, da moldura da tela do computador.

Pergunto a Nélson se posso dar um novo sentido à sua ótica ficcionista, afinal os tempos mudaram. Ele me responde com outra pergunta:

- É batata?

- Sim, Nelson, é batata que hoje em dia ficção e realidade estão ali, misturadas, do lado de dentro e de fora do buraco da fechadura. Aliás, na Net, qual é o lado de cá e qual é o lado de lá?

- Minha pequena, mas aí já é promiscuidade...hahahahaha

Está aí, outra palavra - promiscuidade, que também deve ser redefinida sob o novo conceito da internet. A rede está provando que as pessoas estão procurando um número maior de parceiros para se relacionar. E não apenas no escurinho das salas de bate-papo, que aliás é quase assunto proibido. Mas também abertamente, nos sites, nos blogs, nas listas de discussão, nos fóruns e conferências. A diversidade é grande: brancos, negros, amarelos, homens, mulheres, homossexuais, adultos, adolescentes, crianças, religiosos, ateus, ricos, pobres, intelectuais, banais etc. etc. etc.

Monitor protetor - Estas parcerias virtuais, de algum modo, são até mais produtivas, mais verdadeiras, mais abertas. Temos afinal, um biombo de 14 ou mais polegadas a nos proteger, permitindo que possamos nos relacionar mais abertamente, simultaneamente e com segurança. 

Pois, sim, aqui também há vírus e anti-vírus. Diria que talvez, em termos de comportamento social, voltamos aos idos anos 60, o flower power, o amor livre se transformando em conhecimento livre. E a Net é o palco onde todos podem ter os seus 15 minutos de fama. Ou talvez, permita-me inverter o que disse Andy Warhol: a Net pode ser onde todos tenham os seus 15 minutos de anonimato, dentro desta grande vitrine sociológica e multifacetada. Peço uma interview a Andy, perguntando se isto é possível. Ele me responde com 4 de suas famosas frases, acho que concordando comigo :

"Sou extraordinariamente passivo. Aceito as coisas como elas são. Limito-me a olhar; eu observo o mundo", e também "Sou do tipo que ficaria sentado em casa assistindo a todas as festas a que sou convidado por um monitor no meu quarto", porque "Sou do tipo que ficaria feliz indo a lugar nenhum desde que estivesse certo que saberia exatamente o que estava acontecendo nos lugares onde não estou", na verdade "Quero ser uma máquina".

Então, que tal uma extensão da máquina, Andy? Aqui estou eu, conectada à minha, escrevendo este artigo e morrendo de vontade de entrar em alguns sites por aí, ver o que está acontecendo no mundo. E também com vontade de ver este artigo publicado e ver o que as pessoas acham dele. Protegida pelo meu computador, confesso: a Net desperta o meu lado voyer ávido em bisbilhotar o conhecimento alheio e exibicionista em querer dizer o que penso. 

Anonimato? - Alguém vai atirar a primeira pedra? Que pare com ela na mão e observe o sucesso da sociedade digital.

As empresas estão investindo em programas de conversação e imagem via webcams, como é o caso do NetMeeting, da Microsoft e Netscape Comunicator, da Netscape. Inicialmente projetados para vídeo-conferências empresariais, proliferam mais rapidamente no ambiente caseiro, sendo coadjuvantes em casos como daquela webcam girl, que dividia a intimidade de seu quarto com internautas que se dispunham a pagar US$ 15.00, ou do dotcomguy.

A supervia da informação possibilita um Show de Truman ao vivo, 24 horas por dia, numa Janela Indiscreta moldada por pixels, onde os atores do ciberespaço fazem um troca-troca de papéis, ora passivos e ora ativos no trânsito da informação, desterritorializando geométrica e socialmente a detenção do conhecimento. 

E estão formando um novo tipo de sociedade, onde uma multidão solitária estabelece um novo tipo de relação que, embora estabelecida e materializada através de unidades binárias, tem uma interface muito mais amigável e sem preconceitos. 

Muito mais que uma rede de conexões, a Internet é uma rede de pessoas, que vivenciam e partilham emoções e conhecimento e que, tal qual um simulacro do mundo real, também têm seus pecadinhos da vida real.

Mas há ainda muito a ser mudado, principalmente em algumas mentes preconceituosas, que ainda insistem em barrar a troca de informações, achando que ações como estas continuarão valorizadas. 

São estas as janelas fechadas que acabarão arrombadas - ou ignoradas, quem sabe? - pela curiosidade voyerística que impulsiona esta revolução que estamos presenciando. Ou melhor: atuando. Ou melhor ainda: tanto faz.

(*) Ana Maria Gonçalves é publicitária e escritora em Jundiaí/SP.