Reflexões sobre a derrocada
das ponto.com
José Fernando Boucinhas
(*)
Colaborador
A queda
livre das ações das empresas da chamada nova economia leva
a refletir sobre os mitos e as novas verdades que com ela se esvaíram
em fumaça. Falava-se numa nova era do capitalismo, na economia de
gravidade zero que inexoravelmente sucatearia as empresas tradicionais.
No Fórum Econômico Mundial, de fevereiro de 2000, os executivos
das empresas de Internet eram cortejados como os novos heróis do
milênio e desfilavam arrogantemente entre os demais mortais, dando
longas e definitivas entrevistas sobre o admirável mundo novo, sobre
as redes mundiais de notícias. Eram as celebridades empresariais
que a todos ensinavam como ficar milionários em poucos meses.
Hoje, a empáfia acabou e muitos
deles sumiram, para não ter de explicar o inexplicável. O
patrimônio das incubadoras que haviam, eufemisticamente, se transformado
em aceleradoras, encolheu espetacularmente. E os analistas dos grandes
bancos de investimentos, oráculos da nova economia, que em março
de 2000 ainda previam grandes valorizações das empresas ponto.com,
principalmente dos papéis que faziam parte da carteira de seus empregadores,
hoje são objeto de comentários irônicos dos jornalistas
que há bem pouco os incensavam. Os mesmos institutos de consultoria,
que previam negócios na casa dos trilhões de dólares
para o B2B (N.E.: negócios entre empresas), hoje prognosticam que
nenhuma empresa estritamente virtual sobreviverá.
No Brasil não foi diferente:
números mirabolantes, empreendimentos que iriam mudar definitivamente
a cara da economia, todos fazem água. O acesso grátis à
Internet, anunciado como o novo padrão, já virou coisa do
passado. Uma importante revista de negócios chegou a decretar a
obsolecência de todos os executivos de mais de quarenta anos! Aqui,
então, o desastre é maior, seja porque na ampla parte dos
casos foram copiados modelos americanos de negócio, ignorando as
peculiaridades dos hábitos de compra dos consumidores brasileiros,
as práticas de negócio e, principalmente, a baixa penetração
da Internet.
Na ausência de venture capital,
os financiadores foram poucos bancos de investimento que aplicaram recursos
em inúmeros projetos sem viabilidade. Muitos perderam dinheiro neste
verdadeiro encilhamento. Em Esaú e Jacó, Machado de
Assis comenta a euforia do encilhamento: "Cascatas de idéias, de
invenções, de concessões rolavam todos os dias, sonoras
e vistosas para se fazerem contos de réis, centenas de contos, milhares
de milhares, milhares de milhares de milhares de contos de réis.
Todos os papéis, aliás ações, saíam
frescos e eternos do prelo.......". E depois, tudo acabou, como se não
tivesse acontecido.
A primeira conclusão a tirar
desta débâcle é que os velhos princípios
econômicos continuam valendo. Mesmo nas empresas ponto.com. O valor
das ações de uma empresa, por exemplo, mantém correlação
direta com a sua capacidade de gerar lucros e fluxos de caixa e não
com o número de acessos à sua página. Também
ficou claro que, no meio competitivo, criar uma marca é uma árdua
tarefa que não se resolve com uma milionária verba publicitária.
A Internet, ninguém contesta, é uma evolução
tecnológica que impactará fortemente o modo de fazer negócios,
e as empresas tradicionais dela se beneficiam aumentando, em primeiro lugar,
sua competitividade e, em seguida, ampliando seus mercados.
Mas, afinal de contas, quem ganhou
com a onda da nova economia? Em artigo publicado na revista Fortune,
denominado "Betrayal in Wall Street", Shawn Tully mostra que os grandes
ganhadores foram os bancos de investimento, que faturaram 8 bilhões
de dólares com a intermediação de IPOs no valor de
121 bilhões de dólares nos últimos dois anos. Estes
ganhos chegam a 62 bilhões de dólares se se considerar que
a valorização dos papéis no primeiro dia do lançamento
foi de 71% em 1999 e de 57% em 2000.
Estes números colocam em xeque
a credibilidade destas instituições perante seus clientes.
Este processo, além de acabar com a fantasia de muitos jovens, envolveu
milhares de investidores que, com as perdas patrimoniais que sofreram,
passaram a consumir menos, podendo levar a economia americana à
recessão, o que o Federal Reserve tenta evitar. Mas que é
uma concreta ameaça ao crescimento da economia mundial.
(*) José
Fernando Boucinhas é presidente da Boucinhas & Campos Consultores. |