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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 06/25/01 11:30:34
A prova dos documentos digitais em juízo

Ângela Bittencourt Brasil (*)
Colaboradora

Ângela Bittencourt BrasilEmbora não tenhamos leis específicas, como muitos países que já as têm, os documentos digitais em nosso País são trocados normalmente pela rede em forma de contratos de compra e venda nos sites de comércio eletrônico, contratos de trabalho por empreitada e até mesmo serviços de todas as espécies, como se pode observar nas ofertas espalhadas pela Internet.

Em sede de doutrina, veremos o conceito de documento que nos dá Chiovenda, ao definí-lo em sentido amplo, como toda a representação material destinada a reproduzir determinada manifestação do pensamento, como uma voz fixada duradouramente (Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol. 3º, São Paulo, 1945). Assim sendo, o documento é produto da atividade humana, destinado a preservar, ao longo do tempo, um fato ocorrido no mundo fenomenológico.

Carnellutti, por sua vez, em sua magistral obra de Direito Civil, nos diz que documento é o registro do fato, não discernindo neste conceito em que suporte este registro é feito, isto é, se material ou qualquer outro repositório.

Partindo desta premissa, portanto, podemos dizer que os documentos eletrônicos podem ser entendidos como a representação material de uma dada manifestação do pensamento, fixada, contudo, em um suporte eletrônico.

Dificuldades - Como, em nosso Código de Processo Civil, o termo "documento" é consignado como sinônimo de escrito (como sendo algo que pode ser anexado ao processo), surge a primeira dificuldade para que possamos fazer uma interpretação sistemática em benefício do documento virtual e, portanto, devemos entendê-lo sob um prisma diverso dos constantes nas leis civis. E, como podemos constatar, o direito comparado, ao cuidar do documento eletrônico, não o relaciona às disposições referentes aos documentos escritos, dando a este um tratamento diverso.

Aduz-se a isso que qualquer lei que aborde o tema em questão deve obrigatoriamente contemplar uma série de fatores de natureza técnico-informática que não se encontram nas nossas leis vigentes e, portanto, onde o legislador não previu, o intérprete não pode criar.

Em conseqüência do acima discorrido, fica dificultada uma interpretação ampliativa das normas processuais referentes aos documentos, posto que, para elas, em sua maioria, documento é sinônimo obrigatório de escrito.

Porém para que o documento - em que suporte estiver - seja considerado válido, não vemos nenhum óbice na aplicação do próprio Código Civil, datado de 1916, onde está prevista a validade do contrato verbal, e assim, o contrato realizado em meio eletrônico - igualmente, por maior razão - deverá ter o mesmo tratamento, pois em direito quem pode o mais pode o menos

A dificuldade surge quanto à eficácia probatória destes documentos, dada a natureza volátil e etérea dos meios virtuais. A garantia da originalidade do escrito está insegura na rede pois pelos caminhos e atalhos percorridos pela mensagem esta pode ser modificada, não se podendo comprovar de maneira simples as adulterações porventura realizadas. Além disso, é de difícil aferição a autoria de um documento eletrônico, pois nele não está inserido qualquer traço personalíssimo que possa unir o autor à sua obra. Os sistemas de cifragem podem ser usados com uma grande dose de segurança, mas não trazem para o documento a presunção legal de autenticidade, por absoluta falta de normas próprias.

Isto, porém, não quer dizer que os documentos eletrônicos não possam ser admitidos como meio de prova, pois o art. 332, do Código de Processo Civil (CPC), diz que "todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou defesa".

O que ocorre é que esta prova será "iuris tantum", isto é, não terá valor probante plenamente e terá que ser sopesada juntamente com outros elementos para o convencimento do juiz, reconhecida que está como meio genérico de prova - evidentemente, desde que não esteja maculado por qualquer ilicitude. 

Por termos tratado resumidamente deste assunto, concluímos que não existe qualquer vedação legal para o reconhecimento judicial dos documentos eletrônicos e, mesmo não havendo forma específica prescrita em lei, por enquanto, eles são perfeitamente admissíveis como uma forma válida e eficaz de produzir os efeitos visados pela partes envolvidas.

(*) Ângela Bittencourt Brasil é especializada em Direito de Informática, membro do Ministério Público do Rio de Janeiro e editora do site Ciberlex.