A prova dos documentos digitais
em juízo
Ângela Bittencourt Brasil
(*)
Colaboradora
Embora
não tenhamos leis específicas, como muitos países
que já as têm, os documentos digitais em nosso País
são trocados normalmente pela rede em forma de contratos de compra
e venda nos sites de comércio eletrônico, contratos de trabalho
por empreitada e até mesmo serviços de todas as espécies,
como se pode observar nas ofertas espalhadas pela Internet.
Em sede de doutrina, veremos o conceito
de documento que nos dá Chiovenda, ao definí-lo em sentido
amplo, como toda a representação material destinada a reproduzir
determinada manifestação do pensamento, como uma voz fixada
duradouramente (Chiovenda, Instituições de Direito Processual
Civil, vol. 3º, São Paulo, 1945). Assim sendo, o documento
é produto da atividade humana, destinado a preservar, ao longo do
tempo, um fato ocorrido no mundo fenomenológico.
Carnellutti, por sua vez, em sua
magistral obra de Direito Civil, nos diz que documento é o registro
do fato, não discernindo neste conceito em que suporte este registro
é feito, isto é, se material ou qualquer outro repositório.
Partindo desta premissa, portanto,
podemos dizer que os documentos eletrônicos podem ser entendidos
como a representação material de uma dada manifestação
do pensamento, fixada, contudo, em um suporte eletrônico.
Dificuldades - Como, em nosso
Código de Processo Civil, o termo "documento" é consignado
como sinônimo de escrito (como sendo algo que pode ser anexado ao
processo), surge a primeira dificuldade para que possamos fazer uma interpretação
sistemática em benefício do documento virtual e, portanto,
devemos entendê-lo sob um prisma diverso dos constantes nas leis
civis. E, como podemos constatar, o direito comparado, ao cuidar do documento
eletrônico, não o relaciona às disposições
referentes aos documentos escritos, dando a este um tratamento diverso.
Aduz-se a isso que qualquer lei que
aborde o tema em questão deve obrigatoriamente contemplar uma série
de fatores de natureza técnico-informática que não
se encontram nas nossas leis vigentes e, portanto, onde o legislador não
previu, o intérprete não pode criar.
Em conseqüência do acima
discorrido, fica dificultada uma interpretação ampliativa
das normas processuais referentes aos documentos, posto que, para elas,
em sua maioria, documento é sinônimo obrigatório de
escrito.
Porém para que o documento
- em que suporte estiver - seja considerado válido, não vemos
nenhum óbice na aplicação do próprio Código
Civil, datado de 1916, onde está prevista a validade do contrato
verbal, e assim, o contrato realizado em meio eletrônico - igualmente,
por maior razão - deverá ter o mesmo tratamento, pois em
direito quem pode o mais pode o menos
A dificuldade surge quanto à
eficácia probatória destes documentos, dada a natureza volátil
e etérea dos meios virtuais. A garantia da originalidade do escrito
está insegura na rede pois pelos caminhos e atalhos percorridos
pela mensagem esta pode ser modificada, não se podendo comprovar
de maneira simples as adulterações porventura realizadas.
Além disso, é de difícil aferição a
autoria de um documento eletrônico, pois nele não está
inserido qualquer traço personalíssimo que possa unir o autor
à sua obra. Os sistemas de cifragem podem ser usados com uma grande
dose de segurança, mas não trazem para o documento a presunção
legal de autenticidade, por absoluta falta de normas próprias.
Isto, porém, não quer
dizer que os documentos eletrônicos não possam ser admitidos
como meio de prova, pois o art. 332, do Código de Processo Civil
(CPC), diz que "todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos,
ainda que não especificados neste Código, são hábeis
para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou
defesa".
O que ocorre é que esta prova
será "iuris tantum", isto é, não terá
valor probante plenamente e terá que ser sopesada juntamente com
outros elementos para o convencimento do juiz, reconhecida que está
como meio genérico de prova - evidentemente, desde que não
esteja maculado por qualquer ilicitude.
Por termos tratado resumidamente
deste assunto, concluímos que não existe qualquer vedação
legal para o reconhecimento judicial dos documentos eletrônicos e,
mesmo não havendo forma específica prescrita em lei, por
enquanto, eles são perfeitamente admissíveis como uma forma
válida e eficaz de produzir os efeitos visados pela partes envolvidas.
(*) Ângela
Bittencourt Brasil é especializada em Direito de Informática,
membro do Ministério Público do Rio de Janeiro e editora
do site Ciberlex. |