I want to go back to Bahia
Mário Persona (*)
Colaborador
Em meus
tempos de estudante, teatro universitário só falava da pobreza
do Nordeste. Temas clássicos sobre o sertão, a fome e a migração,
permitiam aos atores denunciar as desigualdades sociais e evitar hematomas.
Quem arriscasse temas mais explícitos corria o risco de ser convidado
a participar da peça "O ciclo da borracha", muito popular nos quartéis.
Virou clichê a imagem de um Nordeste
sem água, saúde ou esperança. Uma espécie de
peso morto para o Brasil. Na cabeça do brasileiro só tinha
um jeito de nordestino ficar rico. Ganhando na sena ou indo para São
Paulo. Como a sena ainda não existia, o jeito era ir para São
Paulo.
E foi o que aconteceu. Muitos desceram
para vencer em São Paulo. Outros venceram na própria terra.
Poucos foram emplacar em Brasília. O dinheiro suado que cada Severino
genuíno enviava à mãe no sertão foi crescendo,
crescendo, e virando novos e nordestinos negócios. Era a vez da
mulher rendeira ensinar investidor sulista a fazer renda. Numa terra de
enamorar.
Cada viagem que faço ao Nordeste
é uma nova descoberta. Se antes a paisagem me encantava, hoje é
o desenvolvimento que me impressiona. O êxodo virou migração
de retorno. A volta para um nordeste que acena com oportunidades e qualidade
de vida. A volta é de nordestinos, mas é também a
volta dos que não foram. Tenho um amigo paulista que foi ver o que
é que a baiana tem e nunca mais voltou.
De volta - Voltar é
palavra de ordem também para alguns profissionais de Internet. Foram
tentar a sorte grande e encontraram o infortúnio antes da fortuna.
Desprezando conselheiros, seguiram gurus estrangeiros e naufragaram quando
o mar virou sertão. Agora sacolejam no pau-de-arara da volta, na
esperança de encontrar vaga no balde que um dia chutaram. Se ficou
uma lição, é a de que nunca se deve destruir pontes.
Podemos ter de voltar por elas.
Mas ter trabalhado nas falidas ponto-com
pode ser vantagem. Marinheiros de valor são os que exibem cicatrizes
de antigos naufrágios. Estiveram onde muitos queriam estar, mas
jamais ousaram tentar. Enfrentaram a onda, viram tudo virar espuma, e naufragaram.
Mais por culpa da onda do que por falta de habilidade em navegar.
Se na volta as pessoas olharem para
você como olham para um náufrago, não se preocupe.
Gostamos de náufragos. Pagamos para ler seus livros. Fazemos fila
para ver seus filmes. Todos querem aprender de suas experiências.
Não tente destruir a imagem que fazem de você. Você
não é contratado pelo que pensa ser, mas pelo que pensam
que você é. A você cabe atender e exceder essa expectativa.
Doutor Diretor - Aprendi isto
na Bahia, quando ainda jovem. Trabalhando para um grande banco, recebi
a tarefa de comprar um imóvel de um grande grupo industrial do Nordeste,
numa das áreas mais valorizadas de Salvador. Viajei vestido em um
de meus dois melhores ternos, calçando um Vulcabrás 757 e,
de peito cheio e maleta vazia, invadi com passo firme a recepção
da empresa. Quando a recepcionista pediu o nome, por pouco não soltei
um "Bond - James Bond".
Na sala refrigerada, empertigados
diretores não esperavam que alguém menor que o dono do banco
aparecesse para cuidar do negócio. Desconfiavam de alguém
com menos de trinta anos. Fui apalpado dos pés à cabeça
pelo olhar gélido dos que tentavam adivinhar o calibre de minhas
armas. Então o presidente rompeu o silêncio da revista com
a pergunta que eu temia: "O doutor Mário é diretor de qual
área do banco?"
Meu registro na carteira profissional
ainda trazia um simples e genérico "escriturário". Que escapou
num fio de voz: "Não sou diretor, sou escriturário". E sorri
um sorriso de réu. O presidente riu de gargalhar. E os diretores
riram de gargalhar, só porque o presidente riu de gargalhar. "Muito
brincalhão esse doutor Mário", concluiu o presidente, antes
de passarmos às negociações.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet, editor da Widebiz
Week e moderador da lista de debates
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