"APAGÃO"
Sobre a legalidade do plano de racionamento
Douglas Mondo (*)
Colaborador
Quando o
governo federal apresentou o plano de racionamento de energia elétrica
para que – indistintamente – toda a população brasileira
seja atingida pelas medidas ali anunciadas, na verdade propôs um
pacto social com objetivos de diminuição de consumo de um
determinado serviço público.
O plano seria perfeitamente legal
se tivesse havido qualquer fato com nexo de causalidade entre o imprevisível
e a necessidade de diminuição do fornecimento do citado serviço
público.
Seria a chamada "Teoria da Imprevisibilidade".
Quer dizer, o imprevisível afetando o fornecimento do serviço,
de maneira tal que não fosse possível seu conhecimento dentro
da administração do bem público.
Qualquer que seja o desdobramento
do plano de racionamento, pode-se afirmar que o mesmo encontra-se eivado
de ilegalidades, já que tal pacto carece de sustentação
jurídica, na medida em que o excesso de demanda acima da produção
de energia elétrica era perfeitamente previsível e de conhecimento
da administração pública.
Tanto assim, para que o exemplo seja
o óbvio a ser demonstrado, seria a suposição de racionamento
de energia elétrica por conta da queda de meteorito no lago que
abastece a Hidrelétrica de Itaipú, danificando suas turbinas.
Quer dizer, haveria o nexo de causalidade entre a imprevisível queda
do meteorito e o corte de fornecimento por conta de tal acontecimento.
Nos moldes apresentados pelo governo,
temos que não houve a imprevisibilidade do acontecimento, nem tampouco
a responsabilidade da administração pública quanto
ao fato do racionamento, já que juridicamente foi ele repassado
ao consumidor final, que tem agora que diminuir seu consumo, sob pena de
dupla penalidade.
O contrato inicial entre a administração
pública e o consumidor de serviço público, quer seja
pessoa física ou jurídica, tem como objeto a venda e compra
de energia elétrica, devidamente garantida pela concessionária
de serviço público, ao preço altamente elevado, e
que foi rompido unilateralmente, sem sequer dar à parte mais fraca
qualquer pré-aviso ou demonstração de tal alteração.
A quebra das normas contratuais sem
a aplicação da teoria da imprevisibilidade, face sua ausência,
enseja a busca da prestação jurisdicional por parte do lesado,
eis que não deu causa a qualquer alteração das condições
do fornecimento do serviço público.
Cabe ao governo governar. É
para isso que ele existe. A função primordial do Estado é
arrecadar – de forma justa – e distribuir riquezas em serviços essenciais,
e qualquer desvio de finalidade, quanto à arrecadação
e destinação das verbas públicas, cabe a ele o ônus
da responsabilidade e má aplicabilidade de tais recursos.
É sabido que o Estado só
pode fazer aquilo que estiver prescrito em lei, e contrato firmado entre
ele e o consumidor através de concessionária de serviço
público não pode ser rompido mediante força e ser-lhe
impingido qualquer penalidade pela má administração
da coisa pública por parte do próprio Estado. Isso fere direitos
e garantias individuais.
Além do mais, aplicar dupla
penalidade por descumprimento de nova norma contratual, sem que haja o
devido aceite por parte do consumidor final do serviço público,
quebra todas as normas de direito, já que coloca sobre ele novas
condições não acordadas e de difícil cumprimento.
Esse foi o plano de racionamento
apresentado pelo governo federal. Repassou ao consumidor o ônus de
diminuição do consumo de energia elétrica e ao mesmo
tempo impingiu-lhe dupla penalidade, em caso de não atendimento
à dita diminuição: pagamento de multa e corte de energia
por alguns dias.
Nada mais arbitrário e inconstitucional.
Ou aceita-se o pacto social, arcando com os ônus da redução
do consumo de energia elétrica, ou paga-se mais pelo consumo, a
título de multa e ainda corre-se o risco de ter cortado o fornecimento
do aludido serviço público.
A forma apresentada, em que pesem
suas falhas jurídicas, vem lastreada na condição de
ocorrerem os apagões de qualquer jeito, já que o Estado
não aplicou recursos na geração de energia elétrica,
nem tampouco na construção das linhas de transmissão
que abasteceria o sistema.
Com isso a responsabilidade dos
apagões
será do consumidor final do serviço público, já
que, como parte do pacto social, não conseguiu cumprir o acordado
na diminuição de consumo, havendo então por parte
do governo a utilização de medidas mais sérias, como
mandatário da administração pública.
Nada mais autoritário. Nada
mais maquiavélico. Acabou-se o Estado de Direito. Estamos todos
mortos na cadeira elétrica do governo.
(*)
Douglas
Mondo é advogado
civilista e empresarial, fundador e presidente do Conselho de Segurança
de Jundiaí/SP, além de fundador e presidente da Academia
Jundiaiense de Letras Jurídicas e palestrante jurídico.
Artigo divulgado via boletim eletrônico
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