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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 06/02/01 13:12:30
"APAGÃO"
Sobre a legalidade do plano de racionamento 

Douglas Mondo (*)
Colaborador

Quando o governo federal apresentou o plano de racionamento de energia elétrica para que – indistintamente – toda a população brasileira seja atingida pelas medidas ali anunciadas, na verdade propôs um pacto social com objetivos de diminuição de consumo de um determinado serviço público.

O plano seria perfeitamente legal se tivesse havido qualquer fato com nexo de causalidade entre o imprevisível e a necessidade de diminuição do fornecimento do citado serviço público.

Seria a chamada "Teoria da Imprevisibilidade". Quer dizer, o imprevisível afetando o fornecimento do serviço, de maneira tal que não fosse possível seu conhecimento dentro da administração do bem público.

Qualquer que seja o desdobramento do plano de racionamento, pode-se afirmar que o mesmo encontra-se eivado de ilegalidades, já que tal pacto carece de sustentação jurídica, na medida em que o excesso de demanda acima da produção de energia elétrica era perfeitamente previsível e de conhecimento da administração pública.

Tanto assim, para que o exemplo seja o óbvio a ser demonstrado, seria a suposição de racionamento de energia elétrica por conta da queda de meteorito no lago que abastece a Hidrelétrica de Itaipú, danificando suas turbinas. Quer dizer, haveria o nexo de causalidade entre a imprevisível queda do meteorito e o corte de fornecimento por conta de tal acontecimento.

Nos moldes apresentados pelo governo, temos que não houve a imprevisibilidade do acontecimento, nem tampouco a responsabilidade da administração pública quanto ao fato do racionamento, já que juridicamente foi ele repassado ao consumidor final, que tem agora que diminuir seu consumo, sob pena de dupla penalidade.

O contrato inicial entre a administração pública e o consumidor de serviço público, quer seja pessoa física ou jurídica, tem como objeto a venda e compra de energia elétrica, devidamente garantida pela concessionária de serviço público, ao preço altamente elevado, e que foi rompido unilateralmente, sem sequer dar à parte mais fraca qualquer pré-aviso ou demonstração de tal alteração.

A quebra das normas contratuais sem a aplicação da teoria da imprevisibilidade, face sua ausência, enseja a busca da prestação jurisdicional por parte do lesado, eis que não deu causa a qualquer alteração das condições do fornecimento do serviço público. 

Cabe ao governo governar. É para isso que ele existe. A função primordial do Estado é arrecadar – de forma justa – e distribuir riquezas em serviços essenciais, e qualquer desvio de finalidade, quanto à arrecadação e destinação das verbas públicas, cabe a ele o ônus da responsabilidade e má aplicabilidade de tais recursos.

É sabido que o Estado só pode fazer aquilo que estiver prescrito em lei, e contrato firmado entre ele e o consumidor através de concessionária de serviço público não pode ser rompido mediante força e ser-lhe impingido qualquer penalidade pela má administração da coisa pública por parte do próprio Estado. Isso fere direitos e garantias individuais.

Além do mais, aplicar dupla penalidade por descumprimento de nova norma contratual, sem que haja o devido aceite por parte do consumidor final do serviço público, quebra todas as normas de direito, já que coloca sobre ele novas condições não acordadas e de difícil cumprimento.

Esse foi o plano de racionamento apresentado pelo governo federal. Repassou ao consumidor o ônus de diminuição do consumo de energia elétrica e ao mesmo tempo impingiu-lhe dupla penalidade, em caso de não atendimento à dita diminuição: pagamento de multa e corte de energia por alguns dias.

Nada mais arbitrário e inconstitucional. Ou aceita-se o pacto social, arcando com os ônus da redução do consumo de energia elétrica, ou paga-se mais pelo consumo, a título de multa e ainda corre-se o risco de ter cortado o fornecimento do aludido serviço público.

A forma apresentada, em que pesem suas falhas jurídicas, vem lastreada na condição de ocorrerem os apagões de qualquer jeito, já que o Estado não aplicou recursos na geração de energia elétrica, nem tampouco na construção das linhas de transmissão que abasteceria o sistema.

Com isso a responsabilidade dos apagões será do consumidor final do serviço público, já que, como parte do pacto social, não conseguiu cumprir o acordado na diminuição de consumo, havendo então por parte do governo a utilização de medidas mais sérias, como mandatário da administração pública.

Nada mais autoritário. Nada mais maquiavélico. Acabou-se o Estado de Direito. Estamos todos mortos na cadeira elétrica do governo.

(*) Douglas Mondo é advogado civilista e empresarial, fundador e presidente do Conselho de Segurança de Jundiaí/SP, além de fundador e presidente da Academia Jundiaiense de Letras Jurídicas e palestrante jurídico. 

Artigo divulgado via boletim eletrônico Varejo Século 21. Esse fórum conta com mais de 1.100 participantes e o objetivo dos trabalhos é apresentar idéias, tendências, experiências e opiniões que contribuam para a melhoria do comércio varejista brasileiro.