"APAGÃO"
Ação Civil Pública
da OAB/SP
Lembrando
que o leitor com menos tempo pode ir diretamente à conclusão,
os internautas Luiz Damiani e Sílvia Giordano enviaram à
lista eletrônica de debates Novo Milênio, em 31/5/2001,
o texto da Ação Civil Pública sobre Racionamento de
Energia proposta
pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)/Secção São
Paulo:
Ação
Civil Pública - Racionamento de Energia
Fonte: Assessoria de Imprensa
30/05/2001
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR
JUIZ FEDERAL DA VARA DA JUSTIÇA FEDERAL SECÇÃO JUDICIÁRIA
DE SÃO PAULO.
A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL -
SECÇÃO DE SÃO PAULO, por si, e por sua COMISSÃO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR, cujos respectivos titulares e advogados subscrevem
esta peça inaugural, vem, respeitosamente à presença
de V. Excia., com fundamento no art. 1.º, II e IV da Lei 7.347/85,
propor tendente a firmar preceitos cominatórios de obrigações
de fazer e não fazer, em face da:
1.UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica
de Dreito Público Interno, a ser citada,
na pessoa de seu bastante procurador;
e
2. AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA
ELÉTRICA ANEEL, a ser citada na pessoa de
quem legalmente a represente, com
sede, em Brasília, no endereço: SGAN n.603 - Módulo
J -, aduzindo, para tanto, as seguintes razões de fato e de direito:
I. DA LEGITIMIDADE ATIVA DA SECCIONAL
PAULISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
1. O artigo 44 do Estatuto da Advocacia
estabelece que a Ordem dos Advogados do Brasil exerce serviço público,
dotada de personalidade jurídica e forma federativa, competindo-lhe,
fundamentalmente, defender a Constituição, a ordem jurídica
do Estado Democrático de Direito, os direitos humanos, a justiça
social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida
administração da Justiça e pelo aperfeiçoamento
da cultura e das instituições jurídicas (cf. Inciso
I do sobredito artigo).
2. E porque sustentáculo último
dos lídimos interesses da cidadania, sempre atenta às prerrogativas
que lhe são conferidas por lei, a entidade autora, diante da forma
açodada pela qual a União Federal pretende enfrentar a crise
energética que afeta o País, com total menoscabo a preceitos
legais inderrogáveis, com gênese, inclusive, na Constituição
da República, vê-se compelida a utilizar-se da medida judicial
eleita, no afã de preservar o primado da ordem jurídica que
não pode e nem deve sofrer qualquer violação, máxime
partindo daqueles que, não sabendo prever, deixaram de prover o
Estado dos meios necessários para consecução de seus
fins.
3. Por sua vez, os limites de atuação
da autora encontram-se perfeitamente fixados no artigo 45, parágrafo
segundo do Estatuto da OAB, sendo que a presente demanda tem por escopo
a tutela dos direitos individuais homogêneos de milhares de consumidores,
contratantes do sistema de concessão de energia elétrica
em todo território nacional, que já possuem contratos firmados
com as pessoas jurídicas de direito público como privado
aqui determinadas, e que estão sendo lesados pela prestação
de serviço absolutamente inadequado, ineficiente e inseguro, sendo
que em um futuro muito próximo já se anuncia inclusive a
sua descontinuidade por parte do Governo Federal, com total desprezo ao
princípio que prevê a intangibilidade do ato jurídico
perfeito e do direito adquirido.
4. Afigura-se de vital importância
o manejamento da presente ação civil pública, na exata
medida em que os direitos dos consumidores inserem-se, na sociedade atual,
também, como direitos humanos fundamentais pela proteção
que seus destinatários necessitam, abrangendo, de igual modo, os
também chamados direitos sociais.
II. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
FEDERAL
5. Conforme disposição
expressa do art. 109 da Constituição Federal:
"Art. 109. Aos juízes federais
compete processar e julgar:
I - as causas em que a União,
entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas
na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes,
exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas
à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;".
6. Sem embargo do preceito constitucional
acima citado, a malsinada medida provisória n. 2148-1, cujos vícios
formais e materiais serão em seguida demonstrados, em seu artigo
24, expressamente estabelece que as entidades posicionadas no pólo
passivo da presente relação jurídica processual nele
deverão figurar na condição de litisconsortes.
7. Justifica-se, desta maneira, o
ajuizamento da presente ação civil pública, afigurando-se
essa Egrégia Federal com a medida certa de jurisdição
- rectius - competência - para processá-la e julgá-la.
III. DOS FATOS
8. Trata-se de ação
civil pública cuja finalidade é a de tutelar interesses e
direitos difusos assim como individuais homogêneos de milhares de
consumidores de energia elétrica deste país, que firmaram
contratos de "concessão de energia" com as pessoas jurídicas
de direito público e privado aqui apontadas.
9. Em 15 de Maio do corrente ano,
o Presidente da República editou a Medida Provisória n. 2.147,
estabelecendo as regras para o denominado Programa Emergencial de Redução
do Consumo de Energia Elétrica (vide cópia da referida Medida
Provisória - doc.1 ).
10. Na verdade, a referida Medida
Provisória estava em inequívoco descompasso com as declarações
que eram feitas pelos Ministros de Estado a respeito do Programa Emergencial
de Redução do Consumo de Energia Elétrica (vide inclusas
cópias de matérias jornalísticas - docs. / ).
11. Passados alguns dias, concluiu-se
que o Governo resolveu editar somente parte das medidas que houvera divulgado,
sendo que, dias após, mais especificamente em 22 de Maio do corrente
ano, o Sr. Presidente da República editou nova Medida Provisória
(número 2.148-1), repetindo o conteúdo da anterior Medida
Provisória 2.147 e acrescentando diversos outros dispositivos (doc.
).
12. Nessa nova Medida Provisória
2.148-1, os principais pontos, cuja constitucionalidade e legalidade afrontam
as leis, de natureza ordinária e constitucional e que compõem
nosso ordenamento jurídico positivo, são os seguintes:
exigência para que os consumidores
em geral reduzam o consumo de energia elétrica em percentuais unilateralmente
definidos em resolução da CCE, sob
pena de: corte no fornecimento da
energia, sem qualquer observância dos
principios que compõem o
imprescindível "devido processo legal"; garantia individual undisponível,
e
cobrança de "sobretaxa", que
na verdade nada mais é do que uma imputação de multa
disfarçada, na elevada alíquota de 50 % sobre o valor da
conta referente à parcela que exceder o consumo mensal de 200 kWh
e, outra vez, uma sobretaxa multa disfarçada de 200% sobre a parcela
que exceder a 500 kWh/mês.
13. No mesmo dia, a Câmara
de Gestão da Crise de Energia Elétrica - GCE, criada pela
supra mencionada Medida Provisória, editou a Resolução
número 04, cuja cópia é ora juntada à presente,
fazendo cumprir as disposições da Medida Provisória
2.148-1.
14. Infelizmente, como será
exposto adiante, o Governo Federal, ao editar a Medida Provisória
2.148-1, de 22/05/2001, e especialmente a Resolução número
04, da GCE, desrespeitou frontalmente a Constituição da República
e inúmeros dispositivos de Leis Federais que, sob o enfoque oblíquo
da ré - pessoa jurídica de Direito Público Interno
- acabassem por se revelar incompatíveis com a Medida Provisória
em apreço e demais Resoluções da GCE.
15. Vê-se, pois, deste modo,
que a autora, para resguardar os direitos coletivos e difusos lesados,
outro recurso não tem senão o de, utilizando-se da medida,
em apreço, invocar a tutela jurisdicional do Estado, no afã
de devolver aos preceitos legais, de índole constitucional malferidos
e que integram o ordenamento jurídico nacional, sua imperatividade
e atributividade, requisitos que não podem, em absoluto, sofrer
qualquer afetação, sob pena de ineficácia da lei.
IV. DAS INCONSTITUCIONALIDADES E
ILEGALIDADES DA MEDIDA PROVISÓRIA NÚMERO 2.148-1 e DA RESOLUÇÃO
NÚMERO 04, DA GCE
16. Como se verá adiante,
a Medida Provisória número 2.148-1, de 22/05/2001, bem como
a Resolução número 04, da GCE, além de contrariarem
a Constituição Federal, ferem, de morte, dispositivos de
nossa legislação federal ordinária, adiante minuciosamente
explicitados.
A. Da Disciplina
Jurídica do Fornecimento de Energia Elétrica
17. O Estado Brasileiro, nas últimas
décadas, tem passado por várias transformações
e adaptações em razão não só de internacionalização
dos mercados (processo também conhecido como globalização,
desprezando-se, neste momento, quaisquer considerações sobre
seus efeitos deletérios), como também em decorrência
da falência da estrutura que estabelecia a concentração
de investimentos e atividades em mãos do Estado.
18. Nos anos 90, após o início
da abertura do mercado brasileiro, foi gradativamente promovida a liberação
de determinadas atividades econômicas, antes controladas pelo Estado,
sendo, por outro lado, transferidas algumas atividades antes de monopólio
do Estado para a iniciativa privada, mediante o denominado processo de
privatização, cuja base constitucional já estava inserida
na Constituição de 1.988:
"Art. 175. Incumbe ao Poder Público,
na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,
sempre através de licitação, a prestação
de serviços públicos.
Parágrafo único. A
lei disporá sobre:
I - o regime de empresas concessionárias
e permissionárias de serviços públicos, o caráter
especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as
condições de caducidade, fiscalização e rescisão
da concessão ou permissão;
II - os direitos do usuário;
III - política tarifária;
IV - a obrigação de
manter o serviço adequado".
19. Mais especificamente em 1.995,
foi editada a Lei 8.987, em 13 de Fevereiro de 1.995, que estabelecia as
regras para a concessão e permissão do serviço público,
viabilizando a transferência para a iniciativa privada da prestação
de serviços antes de responsabilidade do Estado, inclusive os de
natureza essencial (serviços de energia elétrica, por exemplo)
doc .
20. Para disciplinar especificamente
a atividade relacionada com a energia elétrica, foi editada a Lei
9.074, de 07 de Julho de 1.995, que disciplinava a concessão de
serviços de energia elétrica em nosso território nacional
(doc. ).
21. Para estruturar a privatização
de empresas relacionadas com a prestação de serviços
de energia elétrica, a Lei 9.074/95, e posteriores alterações,
estabeleceu a estrutura básica para tal atividade, merecendo destaque
o seu princípio norteador, qual seja o da prestação
de serviço adequado, que, nos termos da Lei 8987/95, significa o
seguinte:
"Serviço adequado é
o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade,
eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia
na sua prestação e modicidade das tarifas" (artigo 6., parágrafo
primeiro, da referida Lei).
22. Ainda a respeito da adequação
e continuidade dos serviços públicos essenciais, vale transcrever
o artigo 22, do Código de Defesa do Consumidor:
"Os órgãos públicos,
por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias
ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer
serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais,
contínuos."
23. Da mesma forma entendem os estudiosos
das relações consumeristas: "A segunda inovação
importante é a determinação de que os serviços
essenciais - e só eles - devem ser contínuos, isto é,
não podem ser interrompidos. Cria-se para o consumidor um direito
para a continuidade dos serviços. Tratando-se de serviço
essencial e não estando ele sendo prestado com continuidade, o consumidor
pode postular em juízo que se condene a administração
a fornecê-lo" ("in" Comentários ao Código de Defesa
do Consumidor/Comentadores Toshio Mukai - Coordenador Juarez de Oliveira
- SP-Saraiva, 1991)"
24. Complementando a estrutura estatal
reguladora e fiscalizadora da atividade de energia elétrica foi
criada, por meio da Lei 9.427, de 26 de Dezembro de 1.996, com alteração
em 8 de Setembro de 1.998, a Agência Nacional de Energia Elétrica
ANEEL, ora Ré (docs. / ).
25. Assim, foi dado início
ao processo de privatização de empresas do setor elétrico,
das áreas de geração, transmissão e distribuição
de energia elétrica, mediante concessão de serviço
público e fiscalização e regulação pela
ANEEL.
26. Importante salientar que a estrutura
jurídica criada para a concessão e permissão de serviços
públicos está alicerçada nos princípios constitucionais
retro transcritos, sendo mister observá-los em qualquer modificação
ou alteração legislativa sob pena de se colocar em risco
toda a estrutura de tais atividades paraestatais com violação
aos
princípios constitucionais regulamentares, hospedados na Carta Magna.
B. Da relação
jurídica de consumo e sua regulamentação
27. A defesa do consumidor, imprescindível
em uma sociedade de massa, obteve o reconhecimento de sua importância
quando da edição de nossa Constituição Federal,
em 1.988.
28. O artigo 5o., inciso XXXII, assim
dispõe:
"XXXII - O Estado promoverá,
na forma da lei, a defesa do consumidor".
29. Além disso, o Constituinte
resolveu elevar a defesa do consumidor à categoria de princípio
da ordem econômica, como se depreende da leitura do artigo 170 e
inciso V, da Constituição Federal:
"Art. 170. A ordem econômica,
fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames
da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
V - defesa do consumidor".
30. Por fim, no artigo 48, do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT)
ficou decidido que seria editado um Código de Defesa do Consumidor
em 120 dias:
"Art. 48. O Congresso Nacional, dentro
de cento e vinte e dias da promulgação da Constituição,
elaborará código de defesa do consumidor"
31. Com essa base constitucional,
foi finalmente editado o Código de Defesa do Consumidor, anseio
de toda a cidadania, doravante simplesmente designado "CDC", editado por
meio da Lei 8.078/90, de 21/09/1990, tendo sido elaborado com base nas
mais avançadas legislações do mundo, da França,
Bélgica, Alemanha, Espanha, Portugal, Reino Unido, México,
Estados Unidos e Canadá, como bem explicado pelos seus redatores:
"A maior influência sofrida
pelo Código veio, sem dúvida, do Projet du Code de la Consommation,
redigido sob a presidência do professor Jean Calais-Auloy. Também
importantes no processo de elaboração foram as leis gerais
da Espanha (Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios,
Lei no. 26/1984), de Portugal (Lei no. 29/81, de 22 de agosto), do México
(Lei Federal de Protección al Consumidor, de 5 de fevereiro de 1976)
e de Quebec (Loi sur la Protection du Consummateur, promulgada em 1979).
Visto agora pelo prisma mais específico
de algumas de suas matérias, o Código buscou inspiração,
fundamentalmente, no direito comunitário europeu: as Diretivas 84/450
(publicidade) e 85/374 (responsabilidade civil pelos acidentes de consumo).
Foram utilizadas, igualmente, na
formulação do traçado legal para o controle das cláusulas
gerais de contratação, as legislações de Portugal
(Decreto-lei 446/85, de 25 de outubro) e Alemanha (Gesetz zur Regelung
des Rechts der Allgemeinen Geschaftsbedingungen - AGB Gesetz, de 9 de dezembro
de 1976).
Uma palavra à parte merece
a influição do direito norte-americano. Foi ela dupla. Indiretamente,
ao se usarem as regras européias mais modernas de tutela do consumidor,
todas inspiradas nos cases e statutes americanos. Diretamente, através
da análise atenta do sistema legal de proteção ao
consumidor nos Estados Unidos" ("in" Código Brasileiro de Defesa
do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Ada Pellegrini Grinover...[
et al]., 4a. ed., Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1995, pg.
10).
32. A influência da legislação
estrangeira e dos precedentes judiciários do "common law" permitiram
a edição de um dos mais avançados e atuais diplomas
protetivos do consumidor e que mereceu a mais ampla aprovação
de toda a sociedade.
33. Optou-se, na concepção
do anteprojeto, que foi aprovado em quase sua totalidade, por um verdadeiro
microssistema, que contém normas-princípio (ou, no dizer
do Professor Eros Roberto Grau, normas-objetivo), normas de conduta e de
organização, relativamente a diversas áreas do direito,
seja comercial, civil, administrativo, penal e processual.
34. Na verdade, esse microssistema
tem como pano de fundo a RELAÇÃO DE CONSUMO, sendo que na
lição do Saudoso Professor RUBENS LIMONGI FRANÇA,
pode-se dizer que consumo é uma das fundamentais categorias da economia
política, posto que é uma das quatro partes em que se desdobra
a atividade econômica, sendo, as outras três, a produção,
repartição e a circulação. Dessa forma, a aplicação
ou não do CDC está relacionada com a identificação
da relação jurídica em análise.
35. O Professor e Procurador de Justiça
Antonio Herman de Vanconcelos e Benjamim apresentou, em apertada síntese,
a estrutura principiológica do CDC:
"Verdadeiramente, nos termos do alerta
magnífico de Eros Roberto Grau, todo o Código de Defesa do
Consumidor move-se pelas normas contidas em seu art. 4º. e que "constituem
princípios que devem orientar a busca da realização
dos objetivos ou do objetivo da Política Nacional de Relações
de Consumo (...).
Os princípios estão,
assim, na base do sistema legal e, no nosso caso, orientam todo o desenrolar
do Código de Defesa do Consumidor. Todas as normas - de conduta
ou de organização - que integram o sistema jurídico
do consumidor, moldam-se na forma dos princípios gerais estampados
no pórtico do Código.
Contaminam-se com seu espírito.
Por isso mesmo é que a melhor doutrina vislumbra no veículo
dos princípios uma categoria distinta de normas.
Em tal passo, ainda segundo Eros
Roberto Grau, as normas jurídicas, como normas de comportamento,
ora definem conduta (os tipos penais, por exemplo), ora definem organização
(o Código de Processo Civil, por exemplo)."Esta norma do artigo
4o., realmente, não cabe nem no modelo de norma de conduta, nem
no modelo de norma de organização. Porque, na verdade, ela
é uma norma-objetivo. Ela define fim a ser alcançado. Essas
normas que definem fim - e que eu acho que não são programáticas,
são normas de eficácia total, completa, absoluta, inquestionável,
indiscutível - começam a surgir modernamente(...).
Quando um dispositivo do Código
(uma cláusula geral, por exemplo) permitir mais de uma intelecção,
as opções do intérprete quedam-se deveras limitadas,
bastando indagar: "qual dos dois sentidos é aquele que é
compatível com o objetivo da Política Nacional de Relações
de Consumo" ("in" Comentários ao Código de Proteção
ao Consumidor Comentadores: Toshio Mukai, Antonio Herman de Vasconcellos
e Benjamim...[et al]; coordenador Juarez de Oliveira, São Paulo,
Ed. Saraiva, 1991, pgs. 26/27).
36. Vê-se, pois, destacada
a importância das normas que contém a principiologia da defesa
do consumidor, buscando o equilíbrio da relação fornecedor-consumidor.
37. Demais disso, como salienta ZELMO
DENARI, nos comentários à Lei de Regência, coordenados
pela Notável Professora ADA PELLEGRINI GRINOVER, ao estudar seu
artigo 22, cuidando da responsabilidade do Poder Público, com todas
as letras afirma, que as pessoas jurídicas de Direito Público
- centralizadas - descentralizadas - podem figurar no pólo ativo
ou passivo da relação de consumo, respondendo, aqui, pela
responsabilidade dos atos que praticam.
38. O CDC buscou, na definição
da relação jurídica base para sua incidência,
a conceituação econômico-jurídica do consumidor,
fornecedor e dos objetos de tal relação, quais sejam o produto
e a prestação de serviço.
39. Com relação ao
consumidor, não apenas o destinatário final ou usuário
são definidos, por lei, como tal; a lei apresenta hipóteses
de conceituação de consumidor por ficção jurídica
(vítimas e pessoas expostas às práticas comerciais
abusivas, por exemplo - artigos 17 e 29, do CDC).
40. Na identificação
do fornecedor, buscou o legislador incluir todos aqueles agentes econômicos
que figuram na cadeia de produção e comercialização,
participando da atividade econômica; desde o produtor e construtor
até o comerciante e seu preposto (artigo 3º., "caput"). No
artigo 7º., parágrafo único e no 25, parágrafo
2º., ambos do CDC, ficou disciplinada a solidariedade dos causadores
de danos ao consumidor, de forma a facilitar a sua efetiva e rápida
proteção.
41. Quanto aos objetos da relação
jurídica de consumo, identificados nos parágrafos 2º.
e 3º., do artigo 3º., do CDC, vê-se que dificilmente alguma
atividade econômica pode ser excluída da amplitude das definições.
42. Por outro lado, relevante notar
que o CDC apresenta um regime de responsabilidade civil, contratual e extracontratual,
próprio e adequado para as relações de consumo.
43. Possui o CDC duas vertentes de
proteção ao consumidor, buscando garantir a incolumidade
físico-psíquica e a incolumidade econômica do consumidor.
Essas linhas mestras de proteção permeiam toda a estrutura
de regramento da responsabilidade civil, tanto contratual como extracontratual.
44. Note-se, ademais, que a dicotomia
entre a responsabilidade contratual e extracontratual, presente na formulação
da teoria clássica, não possui a mesma importância
na moderna teoria da qualidade e quantidade, sendo certo que determinados
institutos (responsabilidade pré-contratual, responsabilidade do
terceiro - "by-stander" etc.) bem demonstram a busca da unidade dos conceitos.
45. A teoria que informa a sistemática
de responsabilidade civil protetiva do consumidor, distinta daquela que
informa o direito clássico/voluntarista, deu maior complexidade
e amplitude ao espectro da responsabilidade, adotando, pois, o CDC a teoria
da qualidade e da quantidade. Quanto à qualidade, foram estabelecidas
disciplinas diversas para o vício relativo à insegurança
e o vício relativo à inadequação.
48. Essa mudança, antes mesmo
da edição do CDC, já era identificada pelo emérito
jurista Fabio Konder Comparato:
"...a transformação
da responsabilidade civil, nessa matéria, adveio de dois fatores
fundamentais, estreitamente ligados à mudança do modo de
vida em sociedade, numa civilização industrial. Em primeiro
lugar, a produção é feita em série, e não
mais sob encomenda unitária, multiplicando-se, por conseguinte,
a potencialidade danosa, sobre a qual se funda toda a experiência
normativa. Ademais, criou-se um circuito de distribuição
de bens em massa, totalmente diverso do pequeno comércio de antanho,
que lidava com um número reduzido de mercadorias, cujas qualidades
e defeitos eram certificados por longa tradição" ("in" Revista
de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, 15/16,
nova série, 1974, pg. 99).
49. Na realidade, podemos dividir
os regimes jurídicos de responsabilidade civil do CDC em três
tópicos: (i) vício de qualidade por inadequação;
(ii) vício de qualidade por insegurança e (iii) vício
de quantidade.
50. Quando o CDC disciplina o vício
de qualidade por insegurança (fato do produto ou do serviço)
sua preocupação está centrada na saúde e segurança
do consumidor; quando se trata de vício de qualidade por inadequação
ou vício de quantidade (vício do produto ou do serviço),
a atenção do legislador está voltada ao aspecto econômico
da relação de consumo.
51. Assim, quando nos deparamos com
os artigos 12 a 17 do CDC, percebemos que se trata da disciplina do defeito
de qualidade por insegurança (fato do produto ou do serviço),
sendo que as regras insertas nos artigos 18 a 25 tratam dos vícios
de qualidade por inadequação e de quantidade (vício
do produto ou do serviço).
52. Ao ser criado esse microssistema,
foi na verdade trasladado o conceito econômico de consumidor para
o plano jurídico, dando um tratamento adequado aos avanços
nas contratações e atividades relacionadas com o consumidor.
53. O legislador teve inclusive a
preocupação com o tratamento dispensado ao consumidor quando
o fornecedor busca receber seu crédito. Nesse sentido, os artigos
42 e parágrafo único, do CDC, buscaram proteger a integridade
moral do consumidor, sem, é claro, impedir procedimentos legais
de cobrança de dívida.
C. Das Inconstitucionalidades
e ilegalidades da Medida Provisória número 2.148-1, de 22/05/2001
e Resolução 04, da GCE
C.1. Violação
do artigo 5o., incisos XXXII, XXXVI e LV, da Constituição
Federal
54. Conforme retro transcrito, o
artigo 5., inciso XXXII, da Constituição Federal determina
que o Estado deve promover a defesa do consumidor, na forma da lei, determinando,
mais, em o artigo 48 das Disposições Constitucionais Transitórias
que, em curto prazo, fosse editado O Diploma Legal adequado ao atendimento
do comando constitucional.
55. Todavia, para surpresa da comunidade
jurídica brasileira, a Medida Provisória 2.148-1 contém
a seguinte disposição em seu artigo 25:
"Art. 25. Não se aplica a
Lei número 8.078, de 11 de setembro de 1.990, em especial os seus
artigos 12, 14, 22 e 42, às situações decorrentes
ou à execução do disposto nesta Medida Provisória
e das normas e decisões da GCE".
56. O dispositivo em comento, às
escancaras, nega vigência ao artigo da Constituição
Federal acima referido (5., inciso XXXII) ao impedir a qualquer cidadão
que invoque a tutela jurisdicional do Estado, pugnando pela observância
da lei protetiva ao consumidor, que encontra gênese na Lex Maior
da Nação e colocada à disposição da
sociedade para dirimir as questões relativas à prestação
dos serviços de energia elétrica.
57. E mais! O dispositivo constitucional
é, sem qualquer dúvida, considerado cláusula pétrea,
hospedado que se encontra no Capítulo concernente às garantias
individuais. A colaborar com tal afirmativa vale a examinar a regra contida
no artigo 60, parágrafo quarto, inciso IV, da Constituição
Federal, que é taxativo ao afirmar que NEM MESMO POR MEIO DE EMENDA
À CONSTITUIÇÃO FEDERAL OS DIREITOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS
DISCIPLINADOS NO ARTIGO 5. PODEM SER ALTERADOS.
58. Nesse particular impende que
se traga à colação a escorreita decisão do
ínclito Juiz Federal da 11. Subseção de Marília
que, apreciando a mesma questão, assim decidiu:
"Neste passo, a MP 2148-1 violou
uma cláusula pétrea, na medida em que o artigo 5., inciso
XXXII da Constituição Federal, determina ao Estado promover,
na forma da lei, a defesa do consumidor.
Com fulcro neste dispositivo constitucional,
inserido no núcleo imodificável da Constituição
da República, o dever do Estado é indeclinável, e
se a administração pública, representando aqui o Poder
Executivo, não faz valer essa norma, cabe ao Poder Judiciário
como integrante do próprio Estado, determinar o seu cumprimento,
promovendo de forma concreta a defesa do consumidor, através da
aplicação da lei que está em vigor e os protege".
59. Conseguintemente, Emérito
Julgador, o artigo 25 da indigitada Medida Provisória revela-se
de inconstitucionalidade flagrante, malferindo a lei básica federal,
na medida exata em que, simplesmente, busca solapar direito indisponível,
colocado à disposição da cidadania e que sequer seria
possível de alteração, inclusive através de
Emenda Constitucional.
60. Doutro lado, a Medida Provisória
2148-1 lançou seus tentáculos sobre vários artigos
que compõem a espinha dorsal de um diploma que, em boa hora, veio
regular as relações de consumo em nosso País, lei
de regência essa com origem, como já dito, na própria
Constituição da República (inciso XXXII do art. 5º.),
sendo que a medida de sua relevância exsurge no momento exato em
que o constituinte de 88, em seu artigo 48 (ADTC), determina ao Congresso
Nacional que elabore o Código que, existente há mais de 10
anos, constitui-se hoje no mais útil instrumento legal colocado
à disposição dos denominados hipossuficientes em suas
relações com os fornecedores e prestadores de serviço,
quer sejam públicos ou privados, nacionais ou estrangeiros.
61. Conforme antes exposto, o CDC
foi editado com base nas normas constitucionais retro expostas que encerram,
além de determinações princípios que permeiam
nossa Constituição Federal.
62. O inciso XXXVI, do artigo 5o.,
da Constituição Federal foi igualmente desrespeitado, uma
vez que a malfada Medida Provisória desconsiderou, fez tábula
rasa, da relação contratual existente entre os consumidores
e as empresas distribuidoras de energia elétrica, com o que desrespeitou
o direito adquirido e o ato jurídico perfeito.
63. De igual modo, a Medida Provisória
2148-1, ao impor "sobretaxa" (multas disfarçadas), adotando critério
unilateral, lastreado em média de consumo de três meses do
ano de 2.000, além de ameaças de cortes de energia, sobre
agredir o princípio da isonomia, vulnera o do contraditório
e da ampla defesa, posto que sequer viabiliza aos consumidores, o sacrossanto
direito de se valerem de um princípio de direito natural: sustentar
as razões da ilegalidade da pena aplicada.
C.2. Violação
ao artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal
64. A Medida Provisória 2148-1
criou sobretarifas a serem cobradas dos consumidores de energia elétrica
com base em faixas de consumo constatadas durante o ano de 2.000.
65. O valor exigido no artigo 15
da Medida Provisória e na Resolução 04, da GCE, constitui
um "nada jurídico" isso porque a tarifa, consoante ensina o festejado
professor Kiyoshi Harada, é sinônimo de preço público,
ou seja custo mais margem de lucro razoável, que é fixado
pelo Poder Concedente. A chamada sobretarifa, já batizada de sobretaxa,
não integra categoria de direito privado. Maior consumo de energia
jamais poderia implicar alteração do conceito de tarifa por
razões comezinhas de direito.
66. Nesse particular, pede-se vênia
para se trazer à colação erudito voto proferido pela
hoje MINISTRA FÁTIMA NANCY ANDRIGHI, quando dignificava o Egrégio
Tribunal de Justiça do Distrito Federal, ao julgar a apelação
cível nº 47.241/97, verbis:
"... Aliás, a noção
de tarifa, segundo o professor José Geraldo Brito Filomeno, é
inserida no contexto dos serviços ou, mais particularmente, tarifa
é considerada preço público pelos serviços
prestados diretamente pelo Poder Público ou então mediante
sua concessão ou permissão pela iniciativa privada (Código
Brasileiro de Defesa do Consumidor. Ed.Forense - Universitária -
4ª ed. Pág.39).
Ademais, não há razão
plausível para que a administração pública,
em sua condição de prestadora de serviços, devidamente
remunerada, tenha privilégios, tal qual a cobrança de multa
moratória de 10% sobre o débito, em relação
a particulares que atuem, também, no mercado de consumo fornecendo
serviços, que estão limitados pelo patamar de 2% do parágrafo
primeiro do artigo 52 do Código de Defesa do Consumidor.
O Ilustre Jurista IVES GRANDRA MARTINS,
analisando efeitos de uma portaria editada pelo Ministério das Comunicações
nas relações com os particulares, assim se manifestou:
" Não vejo porque razão
não se possa, simultaneamente utilizar-se do Código de Defesa
do Consumidor contra as empresas governamentais e o Poder Público,
a par das ações ordinárias, desde que opte o autor
por um ou outro caminho, o que vale dizer, os usuários poderão
se utilizar o Código do Consumidor contra o governo..." (Revista
Trimestral de Jurisprudência dos Estados, vol.105/83)".
67. Logo, o excesso de tarifa representa
transferência compulsória de recursos financeiros pelo usuário
de energia, assumindo feição tributária. Em decorrência,
todos os princípios constitucionais tributários, a começar
pelo princípio da discriminação de rendas tributárias,
além de inúmeros outros como o da legalidade, anterioridade,
da isonomia, devem ser observados, sob pena de, outra vez, serem rasgadas
conquistas constitucionais da cidadania.
68. Por essas razões, não
resiste a uma análise, à luz do preceito albergado no artigo
150, inciso IV, da Constituição Federal, a inconstitucional
pretensão das Rés em por multa, sob a denominação
disfarçada de sobretarifa, sem que se argua a sua natureza jurídica
de vero confisco, que não se compadece com os princípios
de direito encartados em nossa legislação maior.
69. Mesmo que iniciássemos
uma busca de elementos permeando o direito privado, o ato praticado pelo
Governo encontra vedação absoluta no artigo 1092, do Código
Civil, que consagra o princípio da exceptio non adimplenti contractus,
segundo o qual nos contratos sinalagmáticos nenhum dos contraentes
poderá, antes de cumprir a sua obrigação, exigir o
implemento da do outro. Isto é assim porque nesta modalidade contratual
há uma dependência recíproca das prestações,
que por serem simultâneas são exigíveis em atitudes
coordenadas de um com relação ao outro.
C.3. Violação
aos artigos 170, inciso V e 175, parágrafo único, incisos
I a IV, da Constituição Federal.
70. O artigo 170, inciso V, da Constituição
Federal, eleva a defesa do consumidor ao patamar de princípio da
ordem econômica. Esta, por sua vez, encontra-se fundada na valorização
do trabalho humano e na livre iniciativa, objetivando assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da Justiça Social, observados
dentre outros princípios, além da soberania nacional que
ao que parece restou neste caso olvidada, posto que interesses de entidades
que buscam interferir nos atos governamentais internos teriam contribuído
para a situação de grave instabilidade no campo energético,
restringindo investimentos necessários e urgentes -, cuida também
da livre concorrência e da defesa do consumidor.
71. Esses pontos foram odiosamente
afastados, acarretando a grave situação retratada, com o
recrudecimento da questão social, posto que atingirá de forma
frontal a relevante questão de criação de novos pólos
de emprego, atividade essencial prevista no inciso VIII do artigo 170,
da Constituição Federal, mas que, também, será
indelevelmente sacrificada, o que fatalmente traz como consequência
o mal trato ao artigo 6. da Lei Fundamental da Nação.
72. Com relação à
infração ao artigo 175, parágrafo único, incisos
I a IV, da Constituição Federal, é certo que incumbe
ao Poder Público diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, observado sempre o procedimento licitatório, a
prestação de serviços públicos, mas jamais
com afronta ao direito dos usuários (inciso II) a uma justa política
tarifária (inciso III) e a obrigação de manter serviço
adequado.
73. Ora, Culto Julgador, a Medida
Provisória em comento e aqui combatida fere de morte quaisquer direitos
dos usuários, na medida em que cria uma desproporção
entre a prestação de serviço e o respectivo preço,
bem como viola o princípio da continuidade do serviço de
energia elétrica, ao estabelecer, como pena pelo descumprimento
de metas governamentais, o corte do fornecimento de serviço essencial
para preservação da dignidade do cidadão.
74. Em sede de política tarifária,
ao impor multa, com o nome disfarçado de sobretarifa, cria um verdadeiro
confisco, como antes demonstrado, impondo valores em pagamento de ilegalidade
absoluta, sujeitando os consumidores que sempre acorreram em dia com seus
pagamentos, a suportarem, mesmo assim, a imposição fiscal
injusta, sem forma ou figura de Juízo.
75. E, finalmente, no que concerne
à obrigação de manter serviço adequado, o que
se dizer diante da espada de Dâmocles, pendente sobre todos os consumidores,
que, mesmo rendendo-se à redução de 20% em seu consumo,
ficam diante da possibilidade de cobrança da elevada tarifa (multa
disfarçada), estabelecida na Medida Provisória 2148-1 até
o exorbitante percentual de 200%, mesmo na hipótese de cumprirem
a meta governamental.
76. Ademais, como se depreende do
artigo 2., parágrafo 2., da Lei de Introdução ao Código
Civil Brasileiro, adiante transcrito, a lei geral (norma sobre o racionamento
aplicável a diversos tipos de consumo) não pode derrogar
norma especial que trata de relação de consumo.
"Art. 2. Não se destinando
à vigência temporária, a lei terá vigor até
que outra a modifique ou revogue.
(&)
Parágrafo Segundo A lei nova,
que estabeleça disposições gerais ou especiais, a
par das já existentes, não revoga nem modifica lei anterior".
77. Mesmo que se quisesse emprestar
à Medida Provisória guerreada o conceito de lei nova, jamais
poderia ela à luz do princípio legal acima citado, derrogar
o diploma consumerista ou as leis disciplinadoras das concessões
e permissões de serviços públicos.
D. Da necessidade
de antecipação de tutela no presente feito
78. Os fatos e fundamentos jurídicos
apresentados na exordial demonstram, à saciedade, a necessidade
da antecipação de tutela. Desse modo, com fundamento no que
dispõe o artigo 273, inciso I, do Código de Processo Civil,
pretende a Autora obter a antecipação da tutela final objeto
da presente demanda, inaudita altera parte.
79. Ao comentar os requisitos para
a concessão da tutela antecipada, o Professor Luiz Guilherme Marinoni
assim afirma:
"É possível a concessão
da tutela antecipatória não só quando o dano é
apenas temido, mas igualmente quando o dano está sendo ou já
foi produzido.
Nos casos em que o comportamento
ilícito se caracteriza como atividade de natureza continuativa ou
como pluralidade de atos suscetíveis de repetição,
como, por exemplo, nas hipóteses de concorrência desleal ou
de difusão notícias lesivas à personalidade individual,
é possível ao juiz dar a tutela para inibir a continuação
da atividade prejudicial ou para impedir a repetição do ato."
(in "A Antecipação da Tutela na Reforma do Processo Civil",
Ed. Malheiros, p. 57).
80. A propósito, o mesmo MARINONI,
destaca, com muita propriedade, que a "disputa pelo bem da vida perseguido
pelo autor, justamente porque demanda tempo, somente pode prejudicar o
autor (que tem razão) e beneficiar o réu (que não
a tem)" ( in "Tutela Antecipatória, Julgamento Antecipado e Execução
Imediata da Sentença", Ed. RT, 1997, p.18).
81. Para ele isto "demonstra que
o processo jamais poderá dar ao autor tudo aquilo e exatamente aquilo
que ele tem o direito de obter ou que jamais o processo poderá deixar
de prejudicar o autor que tem razão. É preciso admitir, ainda
que lamentavelmente, a única verdade: A DEMORA SEMPRE BENEFICIA
O RÉU QUE NÃO TEM RAZÃO" (sic - maiúsculas
e grifos da autora - Ob. Citada, p. 19).
82. Conseqüentemente, entende
MARINONI que "se o processo é um instrumento ético, que não
pode impor um dano à parte que tem razão, beneficiando a
parte que não a tem, é inevitável que ele seja dotado
de um mecanismo de antecipação da tutela, que nada mais é
do que uma técnica que permite a distribuição racional
do tempo do processo" (sic - Ob. cit., p. 23, grifos da autora).
83. Assim, de acordo com MARINONI,
se "incumbe ao autor provar o que afirma, UMA VEZ PROVADO (OU INCONTROVERSO)
O FATO CONSTITUTIVO, não há motivo para ele ter que esperar
o tempo necessário para o réu provar o que alega, especialmente
porque este pode se valer da exceção substancial indireta
apenas para protelar a realização do direito afirmado pelo
autor" (sic - Ob. cit., p. 36 - maiúsculas e grifos da autora).
84. Assim é que, estando a
situação fática em questão a exigir urgente
segurança jurisdicional, ante o efetivo perigo da ocorrência
de gravame irreparável, a seguir tratado, plenamente cabível
a antecipação dos efeitos da tutela no que diz com este feito.
85. Os fundamentos jurídicos
acima expostos já demonstram, à saciedade, mais do que a
verossimilhança, a certeza do direito da autora, uma vez que tanto
a Medida Provisória 2148-1 quanto a Resolução 04 da
GCE, contrariam frontalmente a nossa Carta Magna e as leis que estruturam
a defesa do consumidor e a prestação de serviços públicos
mediante concessão.
86. Destarte, não é
moral, justo nem lícito compelir os consumidores, representados
legitimamente pela autora neste feito, além de serem espoliados
e sangrados em seu patrimônio, a submeter-se ao risco de a energia
elétrica a eles fornecidas ser cortada, interrompendo-se a prestação
de serviço essencial, sem sequer lhes permitir a utilização
do sacrossanto direito de defesa e, mais, impondo-lhes sanção
abusiva, mesmo estando em dia com os pagamentos de suas obrigações...!
87. É preciso enfatizar que
consumidor de energia elétrica, serviço de natureza essencial
como visto, merece a rápida e urgente proteção jurisdicional
antes de ser atingido, em cheio, pelas medidas editadas pelo Governo Federal,
colocando-o em risco, inclusive no que se refere a sua incolumidade físico-psíquica,
e de sua família.
88. Antes de mais nada, objetiva
a autora salvaguardar o consumidor de energia elétrica, que está
sendo acintosamente desrespeitado pelas medidas retro mencionadas e que,
na condição de hipossuficiente, não pode ser deixado
sob o risco iminente de pagamento da vultosa soma a título de sobretarifa,
quando na realidade se trata de multa disfarçada, nem muito menos
ficar exposto ao risco de corte da energia elétrica.
E. Conclusões
89. Em face do exposto, forçoso
concluir que a Medida Provisória 2.148-1, de 22/05/2001 e a Resolução
número 04 da GCE, contrariam a Constituição Federal
e as Leis Federais mencionadas nesta peça processual.
90. Diante de todo o exposto, requer
a Autora digne-se V.Exa. de determinar:
(a) a concessão "inaudita
altera parte" e liminarmente da antecipação de tutela, a
fim de determinar a suspensão dos preceitos da Medida Provisória
2148-1 (artigos 14, incisos I e II, parágrafos 1. a 4., artigo 15,
incisos I a III, 24, 26 e 27) que determinam o corte de energia dos consumidores
que não cumprirem a meta de consumo fixada unilateralmente pelo
Governo Federal por meio da Resolução 04 da GCE, bem como
a suspensão da cobrança de sobretarifa para os consumidores
que não observarem as faixas de consumo também especificadas
na Medida Provisória em apreço e na referida Resolução
da GCE e o afastamento da aplicação do CDC e leis que regulam
a concessão de serviços públicos de energia elétrica;
(b) a decretação da
procedência da presente demanda, reconhecendo a inconstitucionalidade
e ilegalidade da Medida Provisória 2148-1 e da Resolução
04 da GCE, mantendo a liminar inicialmente concedida e condenando as Rés
no cumprimento das obrigações de não fazer, consistentes
na abstenção de promover o corte de energia para as hipóteses
de não cumprimento das metas fixadas pelo Governo e na abstenção
da cobrança de sobretarifa para os consumidores que não atingirem
os limites de redução de consumo de energia elétrica
igualmente fixados pelo Governo; tudo sob pena de pagamento de multa diária
de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada ato contrário à
ordem concedida.
Requer, "ad cautelam", a produção
das provas admitidas inclusive, mas não limitado a isso, juntada
de novos documentos.
Atribui-se à presente, para
efeitos fiscais, o valor de R$ 10.000,00, esclarecendo a Autora que se
encontra isenta do recolhimento de custas, ex vi do disposto no
artigo 87 do Código de Defesa do Consumidor.
São Paulo, 29 de Maio de 2001
Carlos Miguel C. Aidar
Presidente da Ordem dos Advogados
do Brasil, Secção de São Paulo
OAB SP n.º
Nélson Myahara
Presidente da Comissão de
Defesa do Consumidor
Da Ordem dos Advogados do Brasil
Secção de São Paulo
OAB SP n.º |